Fernanda Matarucco (41) virou referência na pequena cidade de Santa Rosa, no Rio Grande do Sul, depois de contar a história da sua família com a cannabis em uma rádio.
Depois que ela deu entrevista no jornal local, mais de 20 pessoas a procuram para tirar dúvidas sobre o tratamento e perguntar sobre a sua experiência.
Hoje ela não tem nenhuma vergonha de falar que a sua família inteira faz tratamento com a maconha.
Diferente da maioria das pessoas, Matarucco sabia que a cannabis poderia ser útil como tratamento através de reportagens na TV, principalmente quando se falava sobre epilepsia refratária, conhecida por ser resistente a medicamentos.
A doença é uma das principais condições tratadas com a cannabis e também uma das mais conhecidas para o uso da planta.
Contudo, Fernanda achava que a cannabis só seria uma opção em casos extremos, como condições refratárias.
A sua opinião mudou depois que a sua filha Yasmin, de sete anos, passou a ter crises convulsivas mais densas.
“Eu sempre via notícias sobre cannabis relacionadas à convulsão, mas quando a Yasmin foi diagnosticada, não passou pela minha cabeça o uso da maconha”, ressalta.
A menina tinha o diagnóstico de epilepsia, mas a situação não era preocupante. A doença é comum na infância, podendo afetar aproximadamente 5 em cada mil crianças de 0 a 9 anos.
75% dos casos são tratados com anti epilépticos comuns, onde o paciente pode ficar livre das crises até cinco anos depois.
Contudo, os remédios não estavam mais resolvendo, e quanto mais a dose aumentava, mais frequente eram as crises.
A neurologista da menina queria acrescentar mais uma medicação para ajudar a controlar as crises, mas a mãe foi contra. “Eu já via como ela ficava quando tomava o remédio, não queria ver a minha filha dopada”, ressalta.
Fernanda compartilhou a sua queixa com uma amiga, que a lembrou da cannabis e como poderia encontrar uma associação para obter o óleo.
A mãe ainda tinha dúvidas e medo, principalmente por trocar o medicamento por um óleo de uma planta. “É tudo muito novo. Mas ela me explicou que a gente vai tirando os remédios aos poucos”, ressalta.
A menina passou a usar o óleo em dezembro de 2020 e hoje, Yasmin só utiliza o óleo de cannabis.
A menina começou a usar o óleo de uma associação, mas hoje ela utiliza dois tipos de óleo, um importado e outro da entidade. Mas achar a dose ideal não foi uma tarefa fácil.
Ao contrário do que muitos pensam, os produtos à base de cannabis não são todos iguais, as concentrações e até as substâncias do óleo variam de acordo com a condição tratada e até o organismo do paciente.
Encontrar a dosagem certa pode levar meses. Isso porque a cannabis funciona através do Sistema Endocanabinoide, presente em boa parte do organismo.
Através de receptores, os chamados canabinoides ajudam a restaurar a homeostase, ou seja, sinalizam que as funções do corpo estão desreguladas. Razão pela qual a cannabis é útil em tantas condições médicas.
Atualmente, toda a família utiliza a cannabis medicinal. A mãe de Fernanda, por exemplo, usa a cannabis como tratamento para dores crônicas. Já o seu pai, para dores no estômago.
Diferente de muitos familiares, Matarucco conta que a sua família não teve qualquer tipo de preconceito quando ela disse que estava utilizando a cannabis.
A discriminação foi nula até mesmo pelos moradores da pequena cidade de Santa Rosa. Assim que a matéria saiu, Fernanda conta que a reação das pessoas foi procurá-la para saber mais.
Contudo, Fernanda ressalta que sentiu um despreparo dos médicos com relação à cannabis. “Nem a neurologista e nem a pediatra da Yasmin conheciam nada sobre o assunto, isso me gerou insegurança”, ressalta.
A falta de médicos que conhecem sobre o tema não é só por causa da cidade ser pequena. Segundo o último levantamento demográfico de 2018, o Brasil tem mais de 460 mil médicos. No entanto, menos de 1% deles são capacitados para prescrever cannabis.
A maior concentração de profissionais em geral está no Sudoeste, sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro. O mesmo acontece para profissionais da linha canábica.
Depois da sua história publicada em uma rádio local, várias pessoas passaram a procurá-la para saber mais. Conforme ela foi ajudando os outros, ela virou referência na cidade sobre o assunto.
Outras pessoas admiraram a sua coragem, mas ela nem percebeu que estava falando sobre maconha. “Você nem percebe que está falando de um tabu”, ressalta.
Outra coisa que a chamou atenção, foi a desinformação. A cannabis ainda é bastante estigmatizada, o que torna as informações sobre a planta bastante limitadas.
“Eu falo que a minha família utiliza maconha, mas foi uma bela sacada separar cannabis da maconha. E se as pessoas preferem assim, vamos falar “cannabis medicinal”. Eu não preciso convencer ninguém que cannabis é maconha”. ressalta.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Facom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós doutoranda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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