Cannabis medicinal no tratamento da epilepsia refratária

Cannabis medicinal no tratamento da epilepsia refratária

Sobre as colunas

As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

A epilepsia de difícil controle é conhecida por ser resistente a tratamentos, então será que a planta realmente funciona?

A cannabis medicinal, ou também conhecida como maconha medicinal, é muito usada no Brasil para tratar epilepsia refratária.

A fama do canabidiol para tratar a epilepsia cresceu muito nos últimos anos. Até hoje, mais de 14 mil pedidos de importação de produtos à base de cannabis foram feitos desde 2015. Só em 2018, foram feitos 4.228 pedidos para o plantio da erva.

A doença é comum na infância, podendo afetar aproximadamente 5 em cada mil crianças de 0 a 9 anos. 75% dos casos são tratados com anti epilépticos comuns, onde o paciente pode ficar livre das crises até cinco anos depois.

Em 50% dos casos, já no ano seguinte. No entanto, estima-se que de 20% a 30% das epilepsias seja refratária, também conhecida como de difícil controle.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) a doença afeta mais de 50 milhões de pessoas no mundo, sendo cerca de 3 milhões aqui no Brasil. A maioria nos primeiros 10 anos de vida.  

Deste número, cerca de 700.000 têm epilepsia refratária. Segundo uma série de artigos e dados científicos, a cannabis poderia ajudar muitas destas pessoas.

Depoimentos de famílias também mostram que o medicamento foi a única solução, e vamos explicar o porquê.

Mas afinal, o que é epilepsia?

A epilepsia é uma doença neurológica, que através de descargas elétricas anormais e excessivas no cérebro, geram as crises convulsivas, ou crises epilépticas.

Causadas muitas vezes por lesões no cérebro, fortes pancadas, infecções na cabeça, como meningite e até abuso de álcool ou drogas.

Elas podem ocorrer também quando a criança está para nascer e até durante o parto. Em outras situações, nem é possível entender as causas da doença.

Em casos mais leves ela pode ser temporária e reversível, em casos mais fortes, pode levar a vida inteira e acometer outras doenças.

Apesar da convulsão ser o sintoma mais conhecido, a epilepsia pode se manifestar de outras maneiras, com alterações na consciência ou nas atividades motoras e sensoriais. Veja cada uma:

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  •   Convulsões. Aqui a criança ou o adulto pode cair no chão, contrair os músculos, salivar muito, morder a língua, ficar com a respiração cansada e nos casos mais graves, até urinar.
  •  Ausência. Aqui a epilepsia se manifesta de maneira mais silenciosa. Conhecida também como “desligamento”, são os momentos que a pessoa fica com o olhar fixo em um determinado ponto, sem saber o que acontece ao redor. Este fenômeno não dura muito e por vezes, familiares e as pessoas ao redor, nem reparam que aconteceu.
  •  Movimentos involuntários. Também chamada de Crise Parcial Complexa, o epiléptico pode fazer qualquer ação rotineira, mas de maneira involuntária e geralmente sem se recordar do que aconteceu. Como por exemplo, andar sem rumo, falar coisas sem sentido, mastigar entre várias outras atividades.
  • Há  casos em que a crise pode ser como como a convulsão, quando a pessoa cai no chão, mas aqui os músculos não se contraem, nem há a mordedura da língua, nem nada do tipo. No entanto, suas percepções visuais, auditivas e até na memória podem ser abaladas.

Estigmas

Durante muito tempo ela foi estigmatizada, e os pacientes tiveram que carregar preconceitos que permanecem até hoje. Muitas vezes, causados por falta de informações ou uma ideia errônea sobre a doença.

Como por exemplo, pensar que a doença é contagiosa, o que na verdade não é. Ou achar que é necessário segurar os braços e a língua durante as crises, o que também está redondamente errado.

Outra coisa que é importante ressaltar também que a epilepsia é uma doença neurológica, não mental. Durante muito tempo a história, incluindo a própria Organização Mundial da Saúde (OMS), considerou como transtorno mental.

No entanto, que acontece é que a epilepsia pode estar ligada a doenças mentais ou ser uma consequência.

Segundo um estudo de 2005 sobre essa relação, quase 30% de crianças e adultos que apresentam algum tipo de transtorno mental, podem desenvolver epilepsia.

Para você ter uma ideia, segundo A Associação Brasileira de Educação de Trânsito, pessoas com epilepsia têm até o direito dirigir, desde que faça tratamento e esteja há um ano sem crises.

Por isso, um epiléptico pode trabalhar, estudar, praticar esportes e ter uma vida normal.

E a epilepsia refratária?

Também chamada de epilepsia de difícil controle, ela é como uma epilepsia “comum”, mas que não responde aos tratamentos.

Um dos indicadores para esta resistência do corpo aos remédios, é o início precoce das crises, geralmente antes dos dois anos.

Fatores externos também podem influenciar, como o diagnóstico tardio ou errôneo.

As convulsões causam uma alteração estrutural cerebral que ocasiona má formações vasculares. Elas se caracterizam também pela deterioração neuropsicológica, com a presença de vários tipos de crises.  

A epilepsia refratária é bastante diferente, tanto nas suas manifestações clínicas como expressões individuais.

Isso porque depende de como as convulsões reagem ao amadurecimento do cérebro na criança, e até mesmo aos efeitos na dinâmica familiar e social.

Tratamentos

A doença pode causar consequências graves, como morte súbita, asfixia e problemas psicológicos e pode até gerar transtornos mentais. Por isso, o diagnóstico precoce é importante e o tratamento é fundamental.

Como dito acima, na maioria dos casos de epilepsia comum, a doença pode ser combatida com tratamentos à base de medicamentos, que tem a função de evitar as descargas elétricas anormais no cérebro.

Se o paciente seguir o método terapêutico a risca, as crises podem sumir e não voltar mais em um ano ou mais.

Há diferentes tipos de medicação. No entanto, apenas o médico pode determinar qual é o melhor para a condição física e a dosagem.

Mas é importante frisar que eles possuem uma série de efeitos colaterais que vão desde sonolência e tontura a dificuldade na fala e coordenação anormal.

Para o caso da epilepsia de difícil controle, as crises podem se prolongar para o resto da vida e o uso de medicamentos também.

Há a possibilidade de intervenção cirúrgica, que é aprovada pelo Ministério da Saúde. Ela pode diminuir as crises, mas não são capazes de reduzi-las a zero.

O termo “difícil controle” não é à toa, há casos em que o remédio não faz nenhuma diferença, ou há a necessidade de ingerir drogas mais pesadas e em maior quantidade.

O que consequentemente gera efeitos colaterais maiores e às vezes até mais perigosos.

Assim, a melhor forma de lutar contra a doença é o diagnóstico o mais cedo possível, o que pode ajudar a diminuir os impactos e as sequelas causadas pela epilepsia refratária.

Outras doenças relacionadas à epilepsia

A epilepsia por si só já é uma doença. Mas, ela pode estar relacionada a outras patologias, neurais, que podem estar diretamente ligadas, como uma extensão da epilepsia ou também correlacionadas.  

O que consequentemente, se torna um dos motivos para o uso da cannabis também chamar atenção e ser usada para outras enfermidades neurais.

Listamos algumas delas:

  •  Transtorno Espectro Autista (TEA). Embora as doenças sejam distintas, cerca de 30% dos autistas também têm epilepsia, devido a um gene que causa mutações e consequentemente convulsões em pessoas com TEA.
  •  Síndrome de Dravet, também conhecida como epilepsia genética. A doença rara é bem parecida com a epilepsia refratária, no entanto é progressiva e resulta na deterioração motora e cognitiva. Mais comum nos primeiros anos de vida, as crises podem ser tão intensas e frequentes, que há a possibilidade de induzir ao coma.
  • Síndrome de Rett. Aqui as crises convulsivas são bastante frequentes, no entanto, apenas 20% a 25% dos pacientes tem efetivamente epilepsia. A patologia, também mais comum na infância e principalmente em meninas, é uma desordem neurológica, que prejudica as habilidades motoras e de comunicação.
  • Esclerose Tuberculosa (ET). outra doença genética que afeta o sistema nervoso. Ela é categorizada quando o paciente apresenta crises epiléticas, deficiência mental e Adenoma Sebáceo, um tipo de tumor nas glândulas.

Mas há evidências que a cannabis realmente funciona para tratar a doença?

Para quem é um pouco cético ou resistente, é possível comprovar com várias fontes a eficácia da cannabis no tratamento da epilepsia refratária.

Seja por depoimentos de mães e pacientes ou também através de métodos científicos.

Ao contrário do que muitos pensam, a cannabis é permitida no Brasil para fins medicinais.

A planta é reconhecida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), mas só pode ser comprada com prescrição médica e autorização do órgão.

Conforme os benefícios medicinais da cannabis são conhecidos, mais médicos receitam a cannabis. Depois da decisão da Agência de poder vender o fármaco em farmácias, o número de profissionais indicando a erva aumentou.

Funciona assim: Através do Sistema Endocanabinoide, o nosso corpo produz canabinóides, que ativam receptores espalhados por todo o corpo que regulam a maioria das funções do organismo a nível celular.

Algumas plantas também possuem canabinóides, chamados fitocanabinóides. Quando ingeridos, eles acabam desenvolvendo uma função parecida com os que nós produzimos, além de auxiliar quando nos falta.

Canabidiol

Os canabinóides agem diretamente no corpo e no Sistema Nervoso Central (SNC) modulando as funções neurológicas.

Um canabinóide produzido pela cannabis sativa, chamado canabidiol (CBD), por exemplo, é capaz de controlar as descargas dos neurotransmissores, o que consequentemente pode reduzir tanto a intensidade das crises como a frequências delas.

Há casos de pacientes que relatam uma melhora já nos primeiros meses, com uma redução cada vez menor de convulsões.

Veja também a história da Júlia Gonçalves

Em muitas situações, elas tendem a desaparecer em alguns anos. Mas assim que o tratamento com o fitofarmacêutico é retirado, as crises podem voltar novamente.

A cannabis medicinal também tem efeitos colaterais, no entanto, são bem menores que os efeitos de remédios antiepilépticos. Eles variam entre sonolência e relaxamento muscular.

Dosagem

O problema é que a genética de cada indivíduo é única, o que pode fazer com que um tipo de canabinóide não faça o menor efeito no organismo. Por isso, muitos pacientes utilizam outros canabinóides, como o tetra-tetraidrocanabinol (THC).

Este canabinóide, também produzido pela cannabis, é responsável pela sensação de “barato” da erva. No entanto, medicamentos feitos com a concentração de THC, normalmente levam uma porcentagem muito baixa.

Mas os efeitos colaterais deste composto são um pouco mais fortes, podem causar desequilíbrio e relaxamento do tônus muscular.

A administração das doses de canabidiol e também de tetra-tetraidrocanabinol são específicas para cada pessoa.

Uns podem precisar de mais e outros de menos, por isso, o médico sempre vai indicar uma quantidade bem baixa no começo do tratamento para ver como o corpo reage.

Caso os sintomas ainda continuarem, a dose é aumentada, e não há risco nenhum. Produtos à base de cannabis têm menos efeitos colaterais que a maioria dos remédios, e também é praticamente impossível a morte por overdose.

A ação da cannabis nos neurotransmissores é o principal motivo para a planta ser usada para diversos tratamentos. Hoje em dia, através da ciência já é possível separar os canabinóides mais desejados, assim como a sua concentração. Os mais conhecidos hoje são o CBD e o THC.

Hoje, a cannabis medicinal é conhecida por ser uma das poucas opções que realmente ajudam a tratar epilepsia refratária. Tanto para controlar as crises, quanto para acalmar o paciente e  ajudá-lo a dormir.

Por que tanta gente usa a cannabis para tratar epilepsia refratária?

As propriedades medicinais da cannabis foram popularizadas depois da história de pequena Charlotte Figi ganhar destaque nos Estados Unidos.

Ela foi um símbolo na luta pela cannabis medicinal para tratar uma doença rara, que provocava convulsões. A história ficou conhecida e rendeu um documentário que foi difundido não só no país norte-americano, mas também aqui no Brasil.

Foi a história da pequena Charlotte que influenciou outra mãe aqui no Brasil.

Os pais da Anne Fisher, que na época tinha 5 anos, também buscavam uma maneira de ajudar a filha, que também tinha fortes convulsões sem nenhum tratamento que desse resultados.

Em 2014 o caso virou o  documentário Ilegal e ganhou repercussão nacional. O relato foi um divisor de águas na vida de muitas mães que escolheram tratar seus filhos com cannabis aqui.

Veja também a história da Maria Fernanda

Apesar de se popularizar a pouco tempo, a cannabis já era estudada no Brasil desde a década de 1970.

Tanto, que foi dentro das paredes da Universidade Pública de São Paulo (USP) que o os efeitos calmantes do CBD foram descobertos pela primeira vez. Atualmente, o Brasil é o país que mais pesquisa sobre o canabinóides no mundo.

Quem descobriu os efeitos da erva para epilepsia, também foi um brasileiro.

O Professor Elisaldo Carlini, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Através de um estudo duplo-cego (onde nem o pesquisador e nem as pessoas estudadas sabem o que está sendo administrado).

 No estudo, o  professor descobriu o potencial anticonvulsivante do CBD com resultados significativos. Ele foi feito com oito pacientes, quatro deles tiveram a suspensão completa das crises convulsivas e três uma redução significativa.

Outra pesquisa realizada em 2015, contou com 38 pacientes com epilepsia refratária que utilizaram o óleo de CBD.

O estudo concluiu que quase 80% dos pacientes tiveram uma redução de mais de 50% das crises convulsivas.  Fator que influenciou na intensidade e também no uso de medicamentos antiepilépticos.

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A eficácia foi testada não só aqui, mas também lá fora. Um artigo publicado na Revista New England Journal of Medicine, por exemplo, comparou o uso do canabidiol com placebos, que demonstrou mais uma vez os benefícios da planta. 

São muitos os estudos realizados até hoje que mostram o potencial da cannabis sativa para a síndrome, por isso, precisamos de mais razões?

Preços e como comprar canabidiol

Infelizmente a cannabis medicinal não é barata no Brasil. Há apenas um produto nas farmácias indicado para tratar a doença, que pode ser adquirido apenas com a receita médica.

O problema, é que ele custa mais de 2 mil reais, valor bem distante para a maioria dos pacientes.

Por causa disso, há também várias associações que disponibilizam o óleo a um preço mais em conta. Dependendo da situação financeira do paciente, podem disponibilizar sem custa.

Outro método de se conseguir o canabidiol é através da importação. A opção não é tão barata, mas é mais acessível que o produto disponibilizado nas farmácias.

Porém, a importação é um pouco mais complexa. Ela requer uma autorização da Anvisa e uma série de requisitos.

Leia mais sobre como obter o óleo de canabidiol para tratar epilepsia aqui.

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