Tecidos de cânhamo no Brasil: Um mercado embrionário

Tecidos de cânhamo no Brasil: Um mercado embrionário

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As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

Mesmo sem uma legislação clara sobre o tema, muitos enxergam no cânhamo um futuro para a indústria da moda

Tecidos de cânhamo no Brasil: Um mercado embrionário

Esta é a segunda de quatro matérias especiais sobre o potencial gigantesco do mercado da cannabis no Brasil. Ao longo das próximas semanas, vocês acompanharão na Cannalize os caminhos que o setor cria para novas oportunidades de negócios.

Veja a primeira aqui.

Já ouviu falar em tecidos de cânhamo? O insumo mais sustentável até que o algodão, tem gerado grande interesse da indústria, inclusive no Brasil. O mercado que nasce em paralelo ao uso medicinal, pode ser um novo passo para a indústria canábica.

Trata-se de uma variação da cannabis que contém pouquíssimo ou nenhum THC (tetrahidrocanabinol), substância que gera a famosa “brisa da maconha”. 

A planta tem chamado a atenção da indústria por ser um insumo altamente sustentável, pois consome menos água, é três vezes mais resistente que o algodão, é resistente a fungos e pragas e tem um ciclo de vida menor, o que permite o cultivo mais vezes ao ano. 

Sem contar que o cânhamo é um importante conservador de dióxido de carbono (CO2). Segundo Darshil Shah, pesquisador sênior do Centro de Inovação de Material Natural na escola de Cambridge, Inglaterra, plantações de cânhamo podem absorver até 15 toneladas de carbono por hectare, o dobro das florestas.

Uma das razões pela qual a planta tem chamado a atenção de grandes players. Os Estados Unidos, por exemplo,  regularam a produção em 2018 e no primeiro ano de legislação, já tinha mais de 36 mil hectares plantados. Atualmente é o quinto cultivo mais rentável do país. 

Segundo a Kaya Mind, o mercado industrial em 2021 da China, outro país que abraçou o cânhamo, foi avaliado em US$1,7 bilhões e hoje é o maior produtor da matéria prima.

Indústria de cânhamo no Brasil

Contudo, a indústria é praticamente inexistente na América Latina, e empresas que querem investir em produtos usando o cânhamo como insumo, ainda precisam importar do outro lado do mundo. Como a Kaule. 

A marca de roupas fundada pela brasileira Amanda Medeiros, apostou no cânhamo como um tecido sustentável para desenvolver as peças. “A indústria da moda é a indústria que mais produz lixo no mundo, a gente precisa mudar isso”, diz. 

Por outro lado, sem uma produção têxtil aqui ou em países vizinhos, a empresária precisa importar os tecidos de países como a Índia e China. Tecido que é comprado em dólar e taxado quando chega ao país. 

O famoso imposto sobre a importação pode chegar a 60% do valor total da compra. Isso sem contar com outras taxas, como ICMS, COFINS, SISCOMEX, IPI e PIS, que podem aumentar ainda mais o valor pago no final. 

Desde a pandemia de COVID-19, o governo até reduziu o valor de alguns desses impostos, chegando a zerar alguns deles. Mas parece que isso não ajudou muito, pois, segundo o advogado Gabriel Pietricovsky, os têxteis de cânhamo não admitem redução temporária do imposto sobre importações.

Por isso, a marca de roupas ainda precisa cobrar caro pelas peças que produz. “Uma  empresa tem que ser saudável e pelo menos, se pagar. O nosso custo hoje da peça é alto, mas eu acredito que conforme o tempo  for passando, a gente vai conseguir fazer (a marca) mais lucrativa. Por enquanto, a empresa só funciona.”, acrescenta.

Outras dificuldades

Sem uma cultura do cânhamo no país, além do tecido, outra barreira está em achar pessoas aptas a costurar a cannabis. Amanda Medeiros conta que esse também foi um grande desafio na hora de montar a sua marca de roupas.

“As pessoas não querem costurar tecidos de cânhamo, pois tem medo. Elas desconhecem o material”, acrescenta.

Ainda segundo a Kaya Mind, caso aprovado o mercado industrial e adulto da planta, o setor canábico planeja um crescimento de 328 mil empregos formais e informais nos próximos quatro anos. Negócio que poderia gerar até R$35 bilhões.

Somente em impostos, por exemplo, o Brasil poderia recolher até R$3,1 bilhões. 

Mercado embrionário

Embora o cânhamo ainda não dê lucro, pode ser um grande promissor para o mercado da moda mais sustentável. Hoje em dia, 71% das pessoas no mundo todo enxergam a importância das empresas tomarem ações ambientalmente sustentáveis. No Brasil, o número ainda chega a 83%, segundo uma pesquisa da GfK.

Sem contar que a moda sustentável é um mercado que tem crescido. Segundo relatório da Research And Markets, o crescimento mundial do setor deve passar de 6,3 bilhões de dólares em 2019 para $8,2 bilhões de dólares em 2023.

E entre 2025 e 2030, esse número pode chegar a 15,2 bilhões de dólares. Isso mostra que investir em sustentabilidade é rentável não apenas para o meio ambiente mas também para o futuro da indústria da moda.

E é visando o futuro do cânhamo no Brasil, que investidores estão mirando na América Latina. Um exemplo disso é o Ernesto Hideki, da Ayraa. Criada no Uruguai, a empresa tem poucos meses de vida, mas nasceu com o objetivo de importar tecidos e acessórios feitos de cânhamo.

O intuito da empresa é plantar no Uruguai, a fim de produzir produtos mais baratos para a América Latina. “Aqui tem pouquíssimas empresas que estão trabalhando com distribuição, pouquíssimas opções e tem uma área gigante de tecidos e amostras”, acrescenta. 

Hideki ainda acrescenta que, mesmo com pouco tempo de empresa, a demanda é grande no Brasil. As pessoas querem investir em tecidos de cânhamo, mas são barradas por causa da dificuldade em obter o insumo. 

Para o empreendedor, o problema da América Latina não é ter espaço para plantar, pois o cultivo já acontece em países como Argentina, Uruguai e Colômbia, mas a falta de uma indústria que processe o cânhamo de forma adequada para ser usada na produção de materiais.

Falta de legislação

Hideki acrescenta que a empresa foi consolidada no Uruguai unicamente por causa da restrição de produção brasileira, mas que enxerga uma grande oportunidade no país no futuro. 

“Em questão de sustentabilidade, sem dúvidas que o cânhamo é a planta do futuro. (…) Por enquanto, eu enxergo o mercado têxtil no Brasil como foi o da cannabis medicinal lá no começo”, acrescenta. 

Atualmente, há um projeto de lei que prevê o cultivo e a construção de uma indústria de cannabis no Brasil, que envolva não só o uso farmacêutico, mas também industrial.

O Projeto de Lei 399/15 foi proposto em 2015 e causou polêmica de lá para cá. Em 2021 o PL foi aprovado por uma comissão especial na Câmara dos Deputados e já poderia ir para a votação do Senado. Contudo, uma petição feita pela oposição fez com que  o projeto voltasse para a Câmara e está parado desde então.

Tanto Hideki quanto Medeiros acreditam que, assim como foi no mercado medicinal, o uso industrial só será aprovado por meio de pressão da população e da indústria.

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