Cannabis, maconha ou medicina canabinoide? A proibição começa na linguagem

Cannabis, maconha ou medicina canabinoide? A proibição começa na linguagem

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As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

Há quase uma década, a mobilização pela regulamentação do uso terapêutico da cannabis/maconha ganhou mais espaço no Brasil em razão do uso para crianças com síndromes epilépticas de difícil controle. Desde então, por todo o país se multiplicam os pacientes das mais diversas patologias, que utilizam essa planta como ferramenta terapêutica, com resultados muito bons, na maioria dos casos. 

Fora do Brasil é crescente também o número de países que já regulamentaram o uso da cannabis com fins terapêuticos e de pesquisa, e alguns já o fizeram para todos os fins. Todavia, apesar dos avanços alcançados, ainda se percebe uma forte mobilização no sentido de manter o conhecimento e o acesso à terapêutica canábica sob controle da classe médica e da indústria farmacêutica. 

 Assim é que se vê multiplicarem-se os eventos sobre a “medicina endocanabinoide” ou o “uso dos canabioides na medicina”, quase sempre capitaneados por profissionais que se autointitulam de “canabinologistas” ou “endocanabinólogos” ou “especialistas em medicina endocanabinóide” etc. 

É inegável a importância de eventos dessa natureza, e que mais pessoas busquem conhecer e aplicar a terapêutica canábica. Porém, o que se tem observado é o uso crescente da linguagem como instrumento de tentativa de apropriação do conhecimento e privatização do acesso. 

A maconha é uma planta medicinal com potencial terapêutico para além dos “canabinoides” e cuja ação em nosso corpo é muito mais eficaz e segura quando usada de forma integral. Porém, essa forma de uso tem sido por vezes apresentada pejorativamente como “não científica”, “insegura” e até “perigosa”, numa espécie de reprodução do que aconteceu no Brasil quando a maconha foi proibida. 

Ao lado do discurso da “segurança” oferecida pelos especialistas no uso dos “canabinoides”, tem-se a tentativa de desqualificação dos usos populares da planta, realizados por pacientes, cultivadores, comunidades tradicionais e associações. 

Trata-se mais uma vez do uso da linguagem para impor limites, estabelecer espaços de poder, apropriar-se do conhecimento popular e excluir/criminalizar pessoas, ganhando muito dinheiro com isso.

  No início desse movimento pelo uso terapêutico no Brasil, havia a preocupação de que usando-se o nome popular da planta (maconha), haveria certo estranhamento por parte da população, ainda mobilizada pelos discursos produzidos em décadas de proibição. Assim é que geralmente as referências à planta eram feitas usando-se o nome científico, ou parte dele (cannabis). 

Porém, passados quase 10 anos, o que se tem visto é um retrocesso ainda maior, pois agora não se usa mais nem o nome científico, mas se fala em canabinoides, de forma a tentar “descolar” essas substâncias da sua origem: a planta.

  É necessário, portanto, que nos mobilizemos contra esse tipo de conduta, que como toda apropriação, inicia-se na linguagem. Do contrário, corremos o risco de caminhar para uma regulação que deixará de fora usuários, pacientes, associações, comunidades tradicionais e indígenas etc, e ofereça como acesso terapêutico apenas a “medicina canabinoide”.

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