Anorexia: a cannabis pode ajudar no tratamento?

Que a cannabis estimula o apetite não é nenhuma novidade. Contudo, quando falamos sobre transtornos alimentares é um pouco mais complicado. Entenda o que a ciência diz.
A relação da cannabis e o apetite são duas coisas que a maioria das pessoas já conhece, pois a famosa larica produzida ao fumar maconha quase sempre faz despertar a vontade de comer. Mas quando falamos em tratamento com a planta, não é tão simples.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), quase 5% da população do Brasil sofre com algum distúrbio alimentar, principalmente os jovens. Entre os problemas estão anorexia e bulimia nervosa e compulsão alimentar.
Um problema bastante sério, se considerarmos o número relativamente baixo de recuperação. Segundo um estudo suíço, pouco mais de 40% se recuperam completamente da anorexia nervosa.
Ainda segundo a pesquisa, ela ainda é 18 vezes mais letal que a bulimia. Mas será que a cannabis pode servir de tratamento alternativo?
O que é anorexia
Primeiro é importante ressaltar que a anorexia é um transtorno que acontece também na mente, que faz o indivíduo enxergar o próprio corpo de forma distorcida, principalmente se tratando do peso.
Consequentemente, a condição atrapalha a função dos hormônios que ativam o apetite e também a chamada melanocortina, que deixa o indivíduo sem fome por um tempo.
Mais comum em mulheres jovens, ela pode levar ao pulo de refeições, falta de apetite, dietas para a perda de peso, indução ao vômito e o abuso de exercícios físicos, o que pode ser bastante perigoso.
Entre as consequências estão a baixa imunidade, pausas na menstruação, enfraquecimento dos músculos e ossos, convulsões, arritmia cardíaca e até a morte. A letalidade da doença é de 15% dos casos.
Fatores de risco e prevenção
Os principais gatilhos para o distúrbio estão relacionados a preocupação extrema da estética do corpo, que podem acontecer por pressão social, baixa autoestima e perfeccionismo.
Contudo, históricos familiares, questões hormonais e outros tipos de transtornos, como ansiedade, depressão e distúrbios compulsivos também podem ser um sinal de alerta.
Esta é uma condição bem difícil de se prevenir, quando se leva em consideração tantos fatores externos. No entanto, é possível perceber pequenos sinais no começo, e isso pode impedir a progressão.
Como por exemplo observar a alimentação do indivíduo, está comendo pouco? Pulando refeições? Vomitando muito? Estes podem ser sinais de alerta.
Diagnóstico e Tratamento
Apesar da pessoa parecer saudável, alguns fatores são importantes na hora do diagnóstico, como o peso bem abaixo do normal.
Para alguém ser considerado anoréxico, o Índice de Massa Corporal (IMC) tem que estar pelo menos 15% abaixo do ideal para a sua idade e o seu peso.
Avaliações psicológicas e exames laboratoriais também são importantes na hora de entender se a queda do peso está relacionada ao problema.
O tratamento é multidisciplinar, ou seja, deve ser feito com um médico, psicólogo e nutricionista. O que os especialistas apontam é que o primeiro passo é recuperar os quilos perdidos para restabelecer a saúde.
Como dissemos, este é um distúrbio de comportamento que acontece na mente, por isso, o mais importante é cortar os gatilhos. Eles podem ser feitos com apoio familiar, conversas e mudanças no ambiente, medidas que devem ser tomadas com a ajuda de profissionais.
A terapia também é uma peça importante para o indivíduo compreender a sua relação com o seu corpo e com a comida. O auxílio de medicamentos também pode ser necessário.
Contudo, algumas pesquisas apontam que a administração de ansiolíticos e antidepressivos não fazem tanta diferença em relação a placebos para a condição.
Terapia canábica
Para entender como a cannabis pode ser uma aliada no tratamento é importante entender que ela atua através do nosso Sistema Endocanabinoide. A nível molecular, ele ajuda a equilibrar a maioria das funções do organismo.
Se uma pessoa está com febre, por exemplo, o próprio corpo produz os chamados canabinoides, que através de receptores, ajudam a restaurar a temperatura corporal.
Este sistema também atua na ingestão alimentar e no gasto energético. Segundo um estudo publicado em 2012, o distúrbio alimentar pode ser causado pela desregulação deste sistema.
Com isso, os canabinoides produzidos pela cannabis (sim, algumas plantas também produzem canabinoides), podem servir de reforço aos nossos, ajudando a restaurar o equilíbrio deste sistema molecular.
É importante ressaltar que a cannabis tem mais de 400 tipos de canabinoides que atuam de formas diferentes. Enquanto alguns estimulam o apetite, outros inibem.
Por que a cannabis? Bom, até agora, ela foi a planta que mais produz a substância já descoberta.
Existe alguma evidência sobre isso?
De acordo com um estudo dinamarquez feito em 2014, parece que sim. Os pesquisadores utilizaram o Dronabinol, um canabidiol sintético que já é remédio, mas usado para prevenir náuseas e vômitos causados pela quimioterapia.
Ele é parecido com o famoso tetraidrocanabinol (THC), o principal canabinoide da planta que gera o “barato” da maconha.
O estudo contou com 25 mulheres com anorexia nervosa, a maioria com o transtorno há mais de cinco anos.
Elas foram divididas entre dois grupos, que tomaram o remédio ou o placebo durante quatro semanas. Neste curto período àquelas que ingeriram o medicamento ganharam peso, uma média de 0,73g.
Apesar de parecer pouco, é um ótimo avanço para o transtorno em pouco tempo. Além do mais, não foram percebidos efeitos colaterais significativos.
Em outra pesquisa feita nos Estados Unidos, também foram notados aumentos significativos no apetite, com o aumento dos hormônios da fome e a diminuição no inibidor de apetite.
Método utilizado inclusive no tratamento de portadores de HIV e câncer, para aumentar a vontade de comer.
Outros benefícios
A cannabis também pode apresentar benefícios secundários que podem auxiliar no tratamento da anorexia. Como por exemplo, o controle da ansiedade, do humor e da depressão.
O sistema endocanabinoide também ajuda a regular os neurotransmissores, que consequentemente, ajudam a tratar a compulsão.