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Steve DeAngelo critica Joe Biden: “Seu perdão não libertará ninguém”



07/11/2022



Afirmação de ativista se apoia na realidade de que, um mês depois do anúncio de indulto, o presidente norte-americano ainda não soltou nenhum prisioneiro.

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Steve DeAngelo é advogado, escritor e empresário, e sua influência no movimento canábico já dura mais de quarenta anos. Foto: Creative Commons

Em 6 de outubro, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou que concederia indultos a mais de 6.500 pessoas presas por delitos federais simples de porte de cannabis. O perdão, visto como uma ação progressista em direção à uma política de drogas menos punitivista, foi comemorado por grande parte da sociedade no mundo todo.

Em entrevista à Cannalize, Steve DeAngelo, cofundador da ONG (Organização Não Governamental) Last Prisoner Project (Projeto Último Prisioneiro, em tradução livre), afirmou que o anúncio não passa de presunção, pois, até hoje, nenhum prisioneiro foi libertado. E pior ainda: mesmo anistiando todos os acusados em nível federal, o indulto não abrange nem 1% dos 30 milhões de pessoas presas por uso de cannabis.

Por isso, a ONG de DeAngelo atua na área jurídica. A Last Prisoner Project é uma organização sem fins lucrativos dedicada a, em suas palavras, “combater a injustiça criminal e reinventar a política de drogas”. Colhendo financiamento de doações, os ativistas promovem desde a defesa de prisioneiros até a sua reinserção à vida social.

Leia também: Perdão de Joe Biden: como funciona e quais as consequências?

E, apesar de altamente difundido, o anúncio de Biden em 6 de outubro não foi o primeiro sobre o tema.

O presidente vem se posicionando desta forma desde os debates presidenciais, em 2020. E é desde este momento que a ONG de Steve está na bota do presidente. São meses de protestos e desobediência civil no intuito de libertar os prisioneiros federais.

Steve DeAngelo é advogado, escritor e empresário, e sua influência no movimento canábico já dura mais de 40 anos. A ONG é sua investida mais recente, mas suas realizações de negócios mais notáveis ​​incluem a cofundação de um dos primeiros seis dispensários licenciados nos Estados Unidos, a Harborside, que hoje é uma bem-sucedida empresa de capital aberto no Canadá.

Observando seu posicionamento crítico e sua postura irredutível, buscamos conhecer um pouco mais de seus argumentos.

Solícito e combativo, Steve DeAngelo respondeu à entrevista para a Cannalize que você lê abaixo.

Cannalize: Como você vê as verdadeiras intenções de um anúncio como o de Biden, dado que, um mês depois de seu pronunciamento, nenhum prisioneiro foi libertado, e a população carcerária que recebe este perdão representa, em suas palavras, “apenas uma pequena parte do número de pessoas com condenações federais relacionadas à cannabis”?


Steve DeAngelo: Os indultos anunciados pelo presidente Biden são mais um golpe político interesseiro do que um esforço para fazer uma mudança real. Os perdões não libertarão uma única pessoa da prisão, nem extinguirão um único registo criminal. Em certas circunstâncias, os indultos podem restaurar direitos civis suspensos, como o direito de voto, acesso a moradias públicas e licenciamento profissional – mas mesmo esse impacto é limitado a apenas 6.500 pessoas das cerca de 30 milhões de pessoas presas por acusações de cannabis desde o início da proibição nos Estados Unidos.

C: Quais são as condições, em nível de direitos humanos, destes prisioneiros? Em que implica este perdão para o bem-estar e a garantia de direitos destas pessoas?

S: Vamos ser perfeitamente claros: os indultos de Biden não libertarão uma única pessoa da prisão. A própria Casa Branca admitiu esse fato no dia em que anunciou os indultos. No entanto, aproximadamente 8.500 pessoas – desproporcionalmente pessoas racializadas – permanecem encarceradas em prisões federais nos Estados Unidos por acusações não violentas de cannabis, algumas delas cumprindo penas de prisão perpétua sem liberdade condicional. Suas condições são sombrias: superlotação, alimentação abaixo do padrão, regimes exploratórios de trabalho nas prisões, abuso de guardas e confinamento solitário são comuns na maioria das prisões dos Estados Unidos. Biden tem autoridade executiva para libertar cada um desses prisioneiros com uma canetada e prometeu explicitamente fazê-lo durante sua campanha eleitoral, mas não tomou nenhuma medida para cumprir sua promessa. Para mim, o anúncio do perdão parece algum tipo de teste para ver se o movimento pela liberdade da cannabis está chapado ou burro demais para distinguir ilusão de realidade, entre indultos e a libertação de prisioneiros que realmente nos foram prometidos.

C: O cidadão norte-americano pode confiar que a ação de perdoar é uma mudança efetiva nos padrões de abordagem quanto à criminalização da cannabis?


E: Joe Biden tem sido um defensor da lei, pró-militar e proibicionista anticannabis durante toda a sua carreira. Ele nunca teve a intenção de manter sua promessa de libertar prisioneiros de maconha. Isto foi apenas um manobra para ganhar o apoio dos eleitores da cannabis. E funcionou – a maioria dos eleitores pró-cannabis que conheço votou em Joe Biden. Eu decidi votar num terceiro candidato, porque não vou, em hipótese alguma, votar em alguém que me acha um criminoso. E, na verdade, Biden só fez o anúncio do perdão porque o forçamos a fazê-lo. 

Sentindo pressão política, o governo Biden reverteu sua declaração anterior de que não tomaria mais nenhuma ação sobre a cannabis e anunciou os perdões. Eles eram apenas uma cortina de fumaça para esconder os fatos, para confundir o público, para fazer os eleitores pensarem que Biden havia feito uma reforma real quando, na verdade, ele basicamente não fez nada.

C: Qual é a verdadeira influência do Presidente para demandar que os governadores libertem os presos em nível estadual? Existe uma maneira mais efetiva das pessoas pressionarem as autoridades?

E: O presidente tem uma influência substancial sobre os governadores estaduais de seu próprio partido. Mas temos um ditado nos Estados Unidos que acredito que tenha uma versão no Brasil: ações falam mais alto do que palavras. Se você observar as ações de Biden, o sinal que ele enviou aos governadores foi que eles deveriam tomar medidas superficiais para confundir o público, mas não tomar nenhuma ação substancial para realmente libertar prisioneiros ou fazer mudanças substanciais na lei.

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O advogado é cofundador de um dos primeiros seis dispensários licenciados nos Estados Unidos, a Harborside, que hoje é uma bem sucedida empresa de capital aberto no Canadá. Foto: Divulgação

Leia também: Alemanha divulga planos de legalização da cannabis no país

C: Quais são os próximos passos para conseguir uma política de drogas bem-sucedida nos EUA?

E: O que aprendemos nos Estados Unidos é que a legalização da cannabis não pode simplesmente colocar novos operadores corporativos no lugar do mercado de cannabis que já existe e não foi regulamentado. Em vez disso, cultivadores e distribuidores já estabelecidos e ainda não regulamentados precisam ser bem-vindos no mercado legal. O primeiro passo é desenvolver programas de licenciamento que recebam ativamente os operadores antigos, em vez do que está acontecendo hoje – as pessoas que assumiram os riscos de carregar a planta durante a proibição acaba sendo excluída pelos estados. O segundo passo é organizar o mercado legal de acordo com as mesmas estruturas que nos serviam tão bem antes da legalização: pequenos agricultores independentes, cadeias de abastecimento curtas e diretas entre cultivadores e consumidores, impostos zero, baixas barreiras jurídicas. E o terceiro passo é organizar agressivamente a comunidade cativa para reivindicar o que é seu por direito – o mercado que eles construíram ao longo de décadas, o mercado que as corporações globais estão agora cobiçando. 

C: Isto pode influenciar uma corrente mundial pela reorganização da legislação em mais países, como a Alemanha?

S: As condições nas Américas e na Europa são muito diferentes. Os americanos, do Norte e do Sul, estão muito mais dispostos a desafiar a autoridade e abraçar novos paradigmas. As Américas têm uma oferta abundante de cannabis e um mercado muito bem-organizado, e a cannabis é, em geral, menos estigmatizada do que na Europa. Então, acho que as lições que aprendemos nos Estados Unidos poderão traduzir-se muito bem em lugares como Colômbia, México e Brasil, mas podem não ser tão diretamente aplicáveis ​​à situação na Europa. 

Quer conhecer mais sobre o trabalho do Steve? Seu novo livro “O Manifesto da Cannabis: Um novo paradigma de bem-estar” está disponível para venda nas lojas de todo o Brasil.

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Lucas Panoni

Jornalista e produtor de conteúdo na Cannalize. Entusiasta da cultura canábica, artes gráficas, política e meio ambiente. Apaixonado por aprender.