Planta de cânhamo despontando num campo de cultivo. Foto: Freepik
Falar de cânhamo pode parecer algo novo para muita gente, mas, na verdade, essa planta já é bem conhecida pela humanidade.
Acredita-se que o uso do cânhamo pelos seres humanos é tão antigo quanto a agricultura.
Evidências históricas indicam que o cânhamo era uma das principais fontes de alimento na Europa, desde o Império Romano. Até a chegada dos europeus nas Américas, o cânhamo ainda era utilizado para a confecção de cordas e velas de embarcações, tipo as caravelas de Cabral.
Com as mudanças de comportamento ao longo dos séculos, as alterações na legislação frearam os avanços de seu versátil cultivo. E esse freio tem muitos motivos, como o tabu que envolve a planta.
No entanto, em tempos de sustentabilidade e consciência ambiental, o insumo voltou a ganhar espaço.
Rafael Arcuri, presidente da Associação Brasileira do Cânhamo, ministrou uma palestra no terceiro CannaBusiness Summit, promovido pela Dr. Cannabis, na última sexta-feira (18).
Na aula sobre o potencial do cânhamo no Brasil, o presidente introduz o assunto explicando que a cannabis e o cânhamo são, no fundo, a mesma planta.
“Ainda que exista uma dicotomia, sempre que falamos de cânhamo, estamos falando de Cannabis Sativa”, explica Rafael.
Segundo Arcuri, o que diferencia uma da outra é a composição química.
A cannabis sofreu intenso cruzamento durante os séculos e, ao longo desse tempo, as diferenças deixaram de ser perfeitamente perceptíveis.
“O critério adotado para classificar as diferenças é o conceito quimiotaxonômico. Então, objetivamente, o cânhamo é a cannabis com baixo teor de THC (tetrahidrocanabinol), usado para fins industriais.”
No entanto, Rafael induz que estas classificações podem se tornar irrelevantes à medida que as discussões avançam para a permissão de produção.
“Controlar a quantidade de THC produzido numa planta é caro e diminui a rentabilidade. Nos EUA, mais de 30% da produção é perdida porque não ultrapassa o limite permitido.”
O presidente da associação acredita que o ideal seria classificar pelo uso.
“Poderia ser considerado cânhamo o que é de uso industrial, e cannabis o que tem maior efeito psicotrópico.”
Devido ao processo de declínio ‘moral’ do uso do plástico e dos sintéticos, juntamente com a necessidade de recursos mais sustentáveis, a comercialização de roupas feitas de cânhamo está de volta ao mercado têxtil brasileiro.
“Mesmo não havendo no Brasil o cultivo e a manipulação da fibra legalizados ou regulamentados, já é permitida a importação, o beneficiamento e a transformação deste tecido, o que possibilita a indústria de inovar em suas produções”, diz Poliana Rodrigues, fundadora da FloYou, uma marca de cuidados menstruais que lançou em 2022 a primeira calcinha absorvente de cânhamo do Brasil.
Em sua apresentação sobre o uso têxtil do cânhamo no Brasil durante o terceiro “CannaBusiness Summit”, Poliana conta que as vantagens da matéria-prima de seus produtos estão nas características físicas da fibra do cânhamo: é hipoalergênica, bactericida, antimofo e biodegradável.
“O tecido é respirável e termorregulador, o que permite o fluxo de ar ideal, além de ser altamente durável e suave na pele. Além disso, a produção do cânhamo é mais barata pois tem baixo consumo de água”, conta a hempreendedora.
Poliana afirma que o cânhamo “é um material que pode ser atrelado a um novo comportamento de consumo, o eco-friendly.”
Rodrigues ainda menciona que o mercado da moda consciente já atingiu a cifra de US$ 5,84 bi em 2021 e pode chegar a US$ 8,3 bi em 2025.
E a empresária não está sozinha neste setor.
No Brasil, fabricantes têxteis já inserem o fio de cânhamo como matéria-prima de peças de moda popular, como camisas e calças jeans.
A TexBrasil, um programa de fomento à indústria têxtil no Brasil, trata o cânhamo como uma das fibras mais versáteis e sustentáveis do mundo.
“As vantagens do cânhamo incluem sua cultura de alto rendimento e um recurso renovável. Isto significa que ele produz muito mais fibra por acre comparado a outras matérias-primas, requerendo, inclusive, menos água e menos terra em sua plantação”, diz o site do programa.
Não apenas como insumo farmacêutico ou na composição de fibras têxteis, a alimentação também foi uma das principais funções do cânhamo para o homem do campo ao longo da história.
“A cannabis como espécie vegetal se espalhou na Ásia e na Europa devido ao consumo das sementes, por animais e humanos. Por ser altamente nutritiva, era usada na alimentação de ruminantes, como bois e cavalos”, explica o engenheiro agrônomo Lorenzo Rolim, presidente em exercício da LAIHA (Associação Latino Americana de Cânhamo Industrial), durante sua palestra no CannaBusiness Summit.
Segundo Rolim, atualmente, na China, 70% dos grãos produzidos no país são destinados à alimentação de aves, sendo que frangos que consomem sementes de cânhamo botam ovos com alto teor de ômega 3 e ômega 6.
O engenheiro também lista benefícios para a alimentação humana, pois, semelhante à soja, a semente do cânhamo é um grão proteico gelatinoso e é considerado um superalimento.
A semente é rica em proteínas e ácidos graxos essenciais, além de ter cálcio, ferro, fósforo, manganês, magnésio e vitaminas do complexo B e E.
O que mais comumente se consome é sua parte descascada, como o arroz e o feijão e, segundo Lorenzo, por ser bastante palatável, é amplamente consumido até hoje em vários países.
“Nos Estados Unidos existe hambúrguer e biscoitos e semente de cânhamo e no Canadá há um queijo vegetal à base de proteína de cânhamo desde 1994”, conta.
Lorenzo Rolim não aponta culpados, mas acredita que as legislações brasileiras estão defasadas.
“A Anvisa se defende dizendo que não tem essa prerrogativa, o Ministério da Agricultura ‘tira o corpo fora’, e acabamos ficando sem o cânhamo como opção alimentar. Mas acredito que algum dia vai voltar”, aponta.
A esperança do engenheiro está no potencial da planta para o agronegócio.
“O cânhamo se encaixa perfeitamente na rotação de culturas tradicionais do calendário agrícola do Brasil. Temos clima, solo e consumo interno elevado, o que nos tornaria um dos maiores do mundo entre os produtores de cânhamo alimentar.”
O fato é que, atualmente, a Cannabis Sativa está presente na lista de plantas proibidas pela portaria da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) Nº 344, de 1998, por conter substâncias entorpecentes ou psicotrópicas.
Para Rafael Arcuri, presidente da Associação Brasileira do Cânhamo, esta proibição é generalista e atrapalha, porque falta ao cânhamo uma regulação específica.
“As duas principais normas que funcionam no país permitem apenas a venda ou importação de produtos, e a interpretação literal da Portaria Nº344/98 deixa o cânhamo em situação de insegurança jurídica”, explica.
Enquanto o cultivo não é regulamentado, só passa pelo filtro da legislação o que é oriundo de importação. Mesmo assim, o uso do cânhamo é cada vez mais frequente.
Então, com sementes para a produção alimentícia, folhas e flores como matéria-prima de medicamentos, caule e fibras na produção têxtil, o uso do cânhamo já expressa importância considerável.
A verdade é uma só: o cânhamo está voltando a ganhar cada vez mais espaço como commodity agrícola e sua presença no mercado brasileiro parece ir aos poucos deixando de ser uma promessa e voltando a ser realidade.
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Lucas Panoni
Jornalista e produtor de conteúdo na Cannalize. Entusiasta da cultura canábica, artes gráficas, política e meio ambiente. Apaixonado por aprender.
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