Em 2019 Aline começou a sentir dores na lombar que acometeu todo o seu corpo, ao ponto de ser induzida ao coma. Passou por vários hospitais e tratamentos, mas nada ajudou.
Até hoje, ela não tem um diagnóstico claro, mas foi há poucos meses que voltou a ter uma qualidade de vida.
O divisor de água foi a cannabis medicinal, que Aline passou a usar no final do ano passado. “A cannabis fez em três meses o que não fizeram por mim em dois anos”, diz.
Em 2019 a biomédica Aline da Silva, na época com 28 anos, começou a sentir uma dor forte na lombar. Não demorou muito para a dor ficar cada vez pior e causar formigamentos nas pernas.
Descobriu-se que o nervo ciático já estava inflamado e ela sentia choques ao pisar no chão. Em poucos dias ela já não andava mais.
“Eu já estava perdendo a sensibilidade na perna esquerda e precisei usar um cateter perto da lombar”, ressalta.
Em junho de 2020 ela começou a perder a sensibilidade dos braços também e não demorou muito para ela passar a usar fralda.
Ela foi internada em vários hospitais, como o hospital São Camilo, em São Paulo. Passou por todas as especialidades, mas ninguém chegava a uma conclusão. Os médicos ainda aumentaram as medicações contra a dor, mas parece que nada resolvia.
Ela chegou ao ponto de tomar doses altas de morfina e até sedação para diminuir a dor. Também fazia constantes fisioterapias que aliviavam, mas não eliminavam as dores.
Chegaram a dizer até que era psicológico. “Eu cheguei a ser examinada por psiquiatras e psicólogos renomados, pois eles achavam que era coisa da minha cabeça, mas os exames sempre estavam alterados”, lembra.
Depois de tantas medicações fortes, o corpo da biomédica não aguentou e ela precisou ir para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), por causa da quantidade de opioides.
Por causa disso, Aline já não comia bem, dormia mal e já perdia a memória recente. Ela ainda saiu do hospital por três semanas, mas neste tempo, foi parar na emergência todos os dias.
“Ás vezes eu saía de madrugada e pedia ajuda para o Uber, porque não queria atrapalhar a minha família”, diz.
A intoxicação por opioides pode ser fatal. Só em 2018 mais de 30 mil pessoas morreram nos Estados Unidos por causa dos remédios prescritos principalmente para amenizar a dor.
Os sintomas podem ser dos mais variados, vão desde sonolência, problemas gastrointestinais, até confusão mental. Aline possui sequelas do uso excessivo da morfina até hoje.
Os médicos chegaram à conclusão de que Aline poderia ter uma doença incomum chamada Neuropatia Periférica Rara associada a Radiculopatia.
Ela complementa que os profissionais, mesmo de grandes centros, não estão preparados para esse tipo de tratamento, sobretudo, investigar doenças raras.
“Falta ouvir os pacientes. Só a literatura não ajuda, é necessário ouvi-los. É isso, inclusive, que desenvolve os estudos. Eles não estão interessados em aprender”, ressalta.
Segundo o relatório elaborado pela The Economist Intelligence Unit, que investigou a medicina personalizada em vários países, ainda é necessário uma visão holística por parte dos médicos.
Ou seja, é necessário uma nova visão dos casos clínicos, que seja mais panorâmica e desmembrada.
Por causa do isolamento, Aline estava mais reclusa, não queria falar com ninguém e começou a ficar depressiva por causa da falta de qualidade de vida.
Para piorar a situação, em março de 2021 ela teve uma apendicite e dois meses depois, ela teve um acidente, quando caiu e rompeu o saco.
Os remédios já não ajudavam, mas causavam confusão mental e ela não dizia mais coisas que fizessem sentido. Um técnico de enfermagem se aproveitou da situação e a abusou sexualmente, o que causou ainda mais problemas.
“Tive muitos traumas psiquiátricos e queria sair do hospital o quanto antes(…) até hoje tenho pavor de hospital”, ressalta.
Como biomédica, Aline já tinha um interesse sobre cannabis medicinal, tanto que já pesquisava sobre o assunto. “Mas eu nunca achei que poderia servir para o meu caso”, diz.
Mas depois de todos os problemas causados pelos medicamentos, ela decidiu que não queria mais seguir o tratamento convencional. Chegou a buscar artigos para mostrar para os médicos que aquilo estava a “matando”.
Em uma revisão sistemática liderada pela Harvard de 28 estudos, examinam a eficácia de canabinoides para tratar varias dores e problemas médicos, o autor concluiu que de 6 em 6 pesquisas sobre dor crônica e 5 em 5 sobre dores neuropáticas estudadas, houve uma melhora significativa nos sintomas entre os pacientes.
Contudo, o óleo ainda é caro, mesmo se tratando de associações. “Tentei comprar pela Abrace (associação), mas a consulta era muito cara”, ressalta.
O tratamento canábico ainda é inacessível para boa parte dos brasileiros. Para se ter uma ideia, só um óleo de 30ml pode chegar a dois salários mínimos nas farmácias.
Há algumas associações que também auxiliam os pacientes a obter o óleo, reduzindo o valor para até 70%, mas os custos ainda são altos.
Isso porque é necessário fabricar o extrato da planta, que não sai barato. Encontrar um médico que indique também não é uma tarefa fácil. Segundo o último levantamento demográfico de 2018, menos de 1% dos médicos prescrevem cannabis no Brasil.
Aline foi transferida para o setor de casos raros do hospital. Foi então que uma psiquiatra concordou em receitar o canabidiol. “Fiz uma rifa para comprar um frasco”, lembra.
No finalzinho do ano passado, ela passou a fazer o tratamento canábico combinado às fisioterapias e a morfina, mas os resultados vieram de forma rápida. Após duas semanas, ela saiu da cama e já voltou a andar, ainda que de bengala.
Pouco mais de um mês depois, Aline voltou a andar sem ajuda, conforme as dores foram diminuindo. Trocou mais de 20 medicações pelo óleo em três meses e hoje ela só usa o óleo como tratamento.
“Venci tanta coisa, depressão, ansiedade, síndrome do pânico (…) ainda sinto dor, mas a cannabis salvou minha vida em todos os sentidos e por isso estou aqui pela cannabis”, complementa.
Depois da experiência, ela decidiu que iria se dedicar 100% a estudar sobre a planta. “Eu não sabia o que era a vida antes da cannabis, com dor a gente não consegue pensar”, ressalta.
Hoje ela trabalha em uma importadora de produtos à base de cannabis. Segundo ela, o seu objetivo é contribuir para um acesso maior à terapia canábica.
Aline ainda paga um valor alto pelo óleo, mas não se importa. “Hoje eu não vejo mais preço, porque as outras medicações eram muito caras e superavam o valor do CBD (…) sem contar com a qualidade de vida melhor”, ressalta.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Fapcom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós graduanda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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