“São Paulo tem condições de produzir cânhamo”, diz Secretaria de Agricultura do Estado

“São Paulo tem condições de produzir cânhamo”, diz Secretaria de Agricultura do Estado

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As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

O commodity tem potencial de desenvolver toda a cadeia de produção paulista, mas precisa de um lobby responsável e bem organizado

Não é novidade, para quem acompanha o assunto, que o cânhamo traz a possibilidade de crescimento econômico, geração de empregos e sustentabilidade ambiental. Mas a fala do engenheiro agrônomo José Carlos de Farias talvez surja como novidade para o cenário do desenvolvimento deste commodity em terras paulistas.

“São Paulo tem condições de produzir o cânhamo industrial para uso medicinal e para a indústria de fibras. Isso não é chute, é realidade. Ele tem potencial de desenvolvimento para toda uma cadeia [de produção]” disse o especialista, numa palestra sobre o potencial do cânhamo no continente, durante a primeira Expocannabis no Brasil.

José Carlos, que é coordenador das Câmaras Setoriais da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, ainda sugeriu a criação de um programa de pesquisa, com apoio da iniciativa privada, para este insumo industrial.

Sabidamente, mesmo sendo da mesma espécie que a cannabis, o cânhamo não tem propriedades psicoativas e, além de ser matéria prima de uma versátil fibra têxtil capaz de substituir o plástico, o algodão e o concreto, também é a origem dos medicamentos à base de canabidiol (CBD).

O assessor demonstrou disponibilidade de aplicação da produção de cânhamo em todas as cadeias produtivas agrícolas do estado, mapeadas pelas Câmaras Setoriais.

“As pequenas e médias áreas estão disponíveis e precisam de valor agregado. Em São Paulo temos a indústria moveleira, a indústria de plástico, indústria de alimentação animal e humana, indústria têxtil e farmacêutica”, disse o engenheiro. 

Os entraves, no entanto, continuam sendo os mesmos: questões políticas. Enquanto o mercado se mobiliza e avança, um antigo projeto de lei ainda aguarda votação na câmara dos deputados, em Brasília. 

“Muito se espera do PL 399, em Brasília, e como estamos numa estrutura de estado, vamos desenvolver dentro do possível. A atuação da secretaria é os 49%, os 51% é a força política”, justifica José Carlos.

Ótima notícia para o empreendedorismo

A legalização da produção de cânhamo no Brasil pode ser uma ótima notícia para a empreendedora Poliana Rodrigues, dona da marca FloYou, que vê este insumo como alternativa ecológica e sustentável para sua produção.

Poliana Rodrigues, empreendedora na FloYou

“O cânhamo têxtil é particularmente ecológico porque a indústria da moda é a segunda que mais polui no mundo. Fibras como o algodão precisam passar por processos químicos como o banho de prata para ter as mesmas propriedades que o cânhamo tem naturalmente. É uma alternativa pronta para reparar os danos que a indústria têxtil tem causado.”

Recentemente, Poliana contou à Folha de S. Paulo que, para trabalhar com a FloYou, precisa importar as peças prontas da China, e que este é um processo oneroso. “É uma logística que encarece e aumenta o tempo do projeto. Eu pago em impostos praticamente o mesmo valor da produção de uma calcinha.”

“Mas quem ganha com isso?” provoca Sérgio Rocha, da ADWA

Na mesma mesa, acompanhando José Carlos e Poliana Rodrigues, estava outro notório personagem das discussões sobre o cultivo de cannabis no Brasil, o engenheiro agrônomo Sérgio Rocha. Com um discurso afiado, ele provocou os presentes.

“Não é problema desenvolver tecnologia. Nosso capital intelectual está aí, provando que consegue. Nosso problema hoje é: quem vai se dar bem nesse mercado? Será que agora que a cannabis dá dinheiro, sucesso e status, as pessoas que vão ganhar com isso serão as mesmas que perseguiram e mandaram prender a gente por tantos anos?”

Mestre em Fitotecnia na área de melhoramento de plantas, recursos genéticos e biotecnologia, Sérgio desenvolve pesquisa aplicada em cannabis desde 2020 pela UFV (Universidade Federal de Viçosa). À frente da ADWA, sua startup de desenvolvimento de pesquisa e tecnologias voltadas para o cultivo de cannabis, Sérgio coordenou um mapeamento da aptidão agroclimática para o cultivo de cannabis em todo o território brasileiro.

Exemplo de trabalho de pesquisa desenvolvido pela ADWA

“Hoje vejo que muitos que defendem a cannabis são os mesmos que achavam que isso era papo de maconheiro, que recomendava parar de pensar nisso e ir estudar berinjela ou tomate. Precisamos impedir que interesseiros se aproveitem desse momento para nos usar como mão de obra barata e capital intelectual para desenvolver os seus negócios”, disse Sérgio, sendo interrompido por uma salva de palmas.

Lobby precisa ser organizado e informado

Rafael Arcuri, diretor executivo da ANC (Associação Nacional do Cânhamo) também estava presente e reforçou os argumentos de Sérgio. Para ele, a verdadeira trava para a regulamentação efetiva do cânhamo é a falta de informação e organização.

“Eu não acho que sejam as grandes empresas ou interesses escusos, eu acho que é a falta de informação. Fora da bolha, ainda estamos num nível de debate muito raso. No congresso, a discussão ainda é completamente alheia à realidade. Mesmo tendo desenvolvimento tecnológico completo, parece que estamos introduzindo um tema alienígena.”

Rafael Arcuri, diretor da Associação Nacional do Cânhamo

Rafael acredita que é necessário um lobby organizado com a presença de engenheiros agrônomos experientes e responsáveis técnicos capazes de sanar dúvidas específicas das instituições que podem tomar as decisões, como a Anvisa, o Ministério da Agricultura e o Congresso.

“Precisamos pensar de maneira mais estratégica, nos organizando para atuar de forma mais profissional nesta frente. A questão regulatória e técnica deve ser levada para quem toma a decisão de fato, porque atualmente os discursos apenas tangenciam os problemas, sem tocar a questão real.”

A Cannalize falou com estes e mais palestrantes durante a feira. Veja as entrevistas no nosso Instagram.

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