Polifarmácia: por que faz mal tomar tanto remédio?

Polifarmácia: por que faz mal tomar tanto remédio?

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As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

A prescrição excessiva atinge 18% da população idosa brasileira atendida pelo SUS (Sistema Único de Saúde). E você sabia que muitos destes remédios podem ser substituídos por cannabis?

Foto: Freepik

Esta matéria foi feita com base em uma palestra apresentada no III CNABIS (Congresso de Cannabis Medicinal) de 2022, promovido pela Dr. Cannabis, nos dias 16 e 17 de novembro, de maneira online e gratuita. Se você perdeu as datas ou quer ver de novo, clique aqui.

O ato de prescrever remédios demais para um paciente tem nome: polifarmácia, e sempre foi observado como um problema, pois acaba prejudicando a saúde da pessoa, ao invés de ajudar.

Isso acontece com mais frequência com idosos por serem pacientes com a saúde mais frágil. 

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), é considerado “polifarmácia” quando existem quatro ou mais fármacos na mesma receita.

Em sua palestra para o III CNABIS, a geriatra e médica da família Letícia Mayer conta que a polifarmácia aumenta a chance de efeitos adversos e interações medicamentosas e reduz a eficácia dos medicamentos. 

“Existem listas de medicamentos que não podem ser prescritos para pacientes idosos e quando eles são prescritos juntos é ainda pior, podendo levar os enfermos a atendimentos de emergência ou até mesmo à morte”, revela a médica.

Em resposta à polifarmácia, um estudo de 2003 lançou o termo “desprescrição” no intuito de revisar a atividade excessiva e identificar quais medicamentos podem ser interrompidos,  substituídos ou reduzidos, sempre em contato com o paciente e sob supervisão do médico responsável.

Grupo brasileiro traduz algoritmos canadenses de desprescrição

Um grupo de pesquisadores brasileiros, formados por professores de várias universidades, em parceria com pesquisadores canadenses e de outros países, está traduzindo os algoritmos da desprescrição, desenvolvidos pelo Canadian Desprescribing Network.

Principais algoritmos:

  • Inibidores de Colinesterase e Memantina
  • Benzodiazepínicos e hipnóticos não-benzodiazepínicos
  • Hipoglicemiantes
  • Inibidores de bombas de prótons
  • Antipsicóticos

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Polifarmácia no Brasil

Em sua apresentação, a médica trouxe uma informação preocupante para a saúde pública no Brasil.

Segundo um estudo publicado na Revista de Saúde Pública, em 2017, a polifarmácia é um problema frequente no SUS (Sistema Único de Saúde). As estatísticas mostraram 9,4% de casos de polifármacia na população geral e 18,1% na população acima de 65 anos.

Destacam-se como mais utilizados: Amitriptilina, Clonazepam, Diazepam e Fluoxetina, que são comumente prescritos para ansiedade e depressão e só podem ser vendidos com receita, e Ibuprofeno, de venda livre, prescrito para dores.

Além disso, mais da metade dos 25 medicamentos mais prescritos tem ação no sistema cardiovascular, como hipoglicemiantes e aqueles recomendados para casos de hipertensão arterial.

Mas é de boa substituir medicamentos?

O artigo 52 do Código de Ética Médica estabelece que é vedado ao médico “desrespeitar a prescrição ou o tratamento de paciente determinado por outro médico, mesmo quando em função de chefia ou auditoria, salvo em situação de indiscutível benefício para o paciente.”

Isto significa que um médico não pode desprescrever arbitrariamente, mas tem esse direito quando pode ser constatado um benefício através da desprescrição.

Mayer argumenta inclusive que esta responsabilidade é dever do médico.

“Eu considero que seria errado da nossa parte não fazer. Se identificamos um risco maior que um benefício, podemos estar deixando o paciente passar por este risco”, defende.

E onde a cannabis entra nisso?

Para substituir um medicamento para o outro, a desprescrição depende das condições do paciente e, principalmente, do critério do profissional de saúde.

Dessa forma, é possível inserir canabinoides no lugar de outro fármaco que não esteja cumprindo bem sua função.

Isto porque o sistema endocanabinoide, com suas enzimas e receptores, está em todo o corpo, o que permite uma ampla gama de potenciais terapêuticos a serem definidos pelo profissional responsável em conjunto com os pacientes.

Letícia explica: “Os fitocanabinóides atuam em diversos grupos de receptores no organismo, desde os endocanabinoides (CB1 e CB2 centrais e periféricos) até opioides, vaniloides etc. Isto garante um potencial de atuação amplo, desde a modulação da dor e de processos inflamatórios e imunológicos, do apetite e do metabolismo. Isso possibilita o tratamento de diversas condições e sintomas.”

Principais indicações clínicas

Mas a médica ressalta que a desprescrição não é feita à revelia.

“O médico precisa seguir critérios e agir com responsabilidade, sempre observando os efeitos das novas combinações”, conta Letícia.

Entre as principais indicações clínicas estão as doenças neurológicas (esclerose múltipla, Parkinson, epilepsia, Síndrome de Tourette e cefaleias), distúrbios psiquiátricos (esquizofrenia, depressão e ansiedade), distúrbios do sono e abstinência do álcool e uso de opioides, problemas gastrointestinais (anorexia e síndrome do intestino irritável), náuseas e vômitos causados por quimioterapia, doenças nos ossos (osteoporose), além de glaucoma, asma, artrose e artrite. 

Mas como eu posso ter certeza?

Além de sua própria prática clínica, Letícia Mayer aponta pesquisas que reforçam seu argumento.

Um estudo publicado na revista norte-americana Med Cannabis Cannabinoids, em 2021, relata “alta eficácia terapêutica” do uso de cannabis em sintomas como ansiedade, dor, estresse, insônia e depressão. 

Dessa forma, 65% dos pacientes consultados relataram redução ou descontinuação total de pelo menos um fármaco prescrito. 

Na lista de medicamentos substituídos relatados na pesquisa constam, principalmente, narcóticos, ansiolíticos, antidepressivos, relaxantes musculares, analgésicos, anticonvulsivos e remédios para dormir.

Outro estudo trazido pela médica, publicado no Journal of Pain Research, em 2017, teve uma amostragem maior, de 2.774 pessoas, e apontou que 46% delas substituíram medicamentos prescritos por cannabis. Os principais fármacos substituídos eram os opioides (35%), ansiolíticos (13%) e antidepressivos (12%).

Além disso, Letícia chama atenção para um outro remédio que consta na pesquisa, os inibidores de bomba de próton, que servem para diminuir a secreção gástrica ou popularmente conhecidos por “proteger o estômago”.

 “Estes medicamentos geralmente são prescritos só porque existe a polifarmácia e entram na receita sob o argumento de proteger o organismo contra os efeitos dos remédios. Isto causa um problema chamado de cascata iatrogênica e é muito frequente”, explica.

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Por onde começo?

Para concluir, a médica geriatra apresenta um consenso realizado por especialistas no intuito de desenvolver recomendações sobre quando e como iniciar com canabinoides no lugar de opioides. 

O estudo abrange pacientes com dor crônica em que opioides não atinge os objetivos de tratamento. Dessa forma os passos são:

  • iniciar com extrato de CBD predominante. Considerar adicionar THC (sob supervisão médica)
  • reduzir gradualmente o uso de opioides, ao passo da melhora no funcionamento

O sucesso clínico vai ser considerado quando houver redução de 30% ou mais na intensidade da dor, redução de 25% na dose de opioides.

Consulte um médico

É importante ressaltar que qualquer produto feito com a cannabis precisa ser prescrito por um médico, que poderá te orientar de forma específica e indicar qual o melhor tratamento para a sua condição.

Caso precise de ajuda, disponibilizamos um atendimento especializado que poderá esclarecer todas as suas dúvidas, além de auxiliar na marcação de uma consulta com um médico prescritor, passando pelo processo de importação do produto até o acompanhamento do tratamento. Clique aqui.

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