Miguel Vogt da Silva tem sete anos e foi diagnosticado com autismo severo. Por causa disso ele é bastante agitado, come o dia inteiro e é um pouco agressivo.
Apesar de ir para a escola, o autismo dificultou o desenvolvimento e o aprendizado.
Miguel se limita a falar frases repetidas, pedir as coisas em terceira pessoa, não tem noção da própria idade e come o dia todo.
Sem poder sair e se distrair por causa da quarentena, o comportamento dele se intensificou.
A mãe, Giziane Vogt (37), conta que ele até começou a fazer tratamento para autismo com remédios como o Risperidona, um dos principais remédios para tratar a irritabilidade.
A questão é que Miguel também possui uma série de outras comorbidades, sobretudo uma cirrose hepática, sem uma causa específica.
“Ele já fez todos os exames possíveis mais de uma vez, mas não descobriram o que causa a doença” relata Giziane.
Por causa disso, o fígado do menino é bastante sensível a medicamentos, principalmente porque eles precisam ser metabolizados pelo órgão. Por isso, medicamentos tradicionais para o autismo tiveram que ficar de fora da vida da criança.
A médica do Miguel decidiu então indicar o canabidiol (CBD), que é usado para várias condições.
Giziane conta que já tinha ouvido falar, mas tinha um pouco de receio. “A falta de conhecimento, e toda uma cultura de ouvir falar que é errado e fora da lei, faz a gente pensar que se é proibido, é porque algum mal faz” ressalta.
Atualmente, pesquisadores descobriram que o composto da cannabis sativa tem o poder de ajudar no tratamento de doenças do fígado e até cânceres do órgão.
Isso acontece porque o nosso corpo possui um sistema chamado Sistema Endocanabinóide, ele está espalhado por todo o organismo e ajudar a regular algumas funções, como fome, sono e humor.
Ele trabalha a partir de receptores que sinalizam quando as coisas não vão bem. Os mais conhecidos são chamados de CB1 e CB2. Quando algo precisa ser equilibrado, o sistema envia os endocanabinóides, que funcionam a nível celular.
Os endocanabinóides são produzidos pelo próprio organismo, mas também podem ser encontrados em outros lugares. Nas plantas, eles são chamados de fitocanabinóides, mas podem interagir com o nosso corpo de forma similar aos nossos.
Quando ingerimos fitocanabinóides, eles servem de apoio, como uma espécie de reforço aos endocanabinóides. Até hoje, já foram descobertos mais de cem diferentes tipos na cannabis que podem ser usados para várias condições. O CBD, por exemplo, é um fitocanabinóide.
No caso do fígado, o canabidiol pode bloquear ou mudar os receptores CB1, modificados por algum dano hepático ou doença. Isso ajuda a retardar o processo de inflamação do órgão. Por isso, o canabidiol é seguro e também ajuda a tratá-lo.
Um estudo feito em 2011, por exemplo, mostrou que o CBD pode restaurar a função hepática, além de melhorar a patologia cerebral, pois normaliza a função no cérebro.
Os cientistas já descobriram até que o composto pode até proteger o fígado de quem bebe muito.
O uso da cannabis para autismo ainda está sendo estudado, no entanto, quem usa relata uma melhora tanto comportamental quanto no desenvolvimento.
Em 2019, uma pesquisa israelense para medir a eficácia da cannabis no tratamento da condição foi desenvolvida ao longo de todo o ano.
Em janeiro e maio, os pesquisadores buscaram entender os efeitos do canabidiol a longo prazo. Para isso, os pacientes do estudo passaram por uma espectroscopia de ressonância magnética, que mostrou que o sistema de inibição e excitação dos autistas responde de forma particular, o que resultou em mais estudos.
Outras duas pesquisas realizadas em setembro e outubro relataram os mesmos resultados de melhorias, principalmente no sono, nos déficits de comunicação e convulsões.
Mas o que mais chamou atenção foi as melhoras cerebrais que antes não haviam sido exploradas. Mais um exame de ressonância magnética nos pacientes mostrou que o óleo de CBD melhorou significativamente algumas atividades cerebrais em locais específicos.
O exame magnético foi feito também em pessoas sem TEA e não mostrou alterações com o uso do canabidiol. Isso prova de certa forma que o produto tem o poder de alterar atividades cerebrais em áreas afetadas do autismo.
Até hoje, os médicos não descobriram a causa da cirrose do Miguel. A mãe conta que todos os exames disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) foram feitos até mais de uma vez, mas sem sucesso.
Hoje, a criança faz tratamento em um hospital de Curitiba, chamado Pequeno Príncipe, que é especializado em doenças raras.
Sem muitas opções, a médica pediu um exame de sequenciamento completo do exoma. Ele vai determinar se a condição do problema é metabólico.
Caso dê positivo, a criança não poderá fazer um transplante de fígado, pois a doença afetaria o novo órgão da mesma forma.
Este é o exame final que irá determinar se a criança pode ou não receber um fígado novo. O problema é que o custo é de 6 mil reais.
Sobre o canabidiol, a família buscou uma associação em João Pessoa para comprar o óleo mais barato. No Brasil, só há um remédio à base de canabidiol disponível nas farmácias, no entanto, custa dois salários mínimos.
Por isso, a maioria das pessoas decide importar. O processo de importação é complexo, mas pela variedade do produto lá fora, acaba saindo mais em conta, mesmo com o frete.
Segundo a Coordenação de Controle e Comércio Internacional de Produtos Controlados (Cocic), foram mais de 5.100 solicitações de importação só até o mês de junho de 2020, 4.314 a mais que o ano todo de 2015, quando as importações começaram a acontecer.
Pela associação procurada pela mãe, o remédio à base da cannabis ficaria em um valor de R$450,00 por produto mais o frete, sem contar com um valor associativo de R$350,00.
No entanto, a família não tinha o dinheiro disponível. Além do Miguel, Giziane tem outro filho pequeno de dois anos que também precisa de atenção, por isso, não pode trabalhar. O pai das crianças, Douglas Diego Moreira da Silva (27), é jardineiro, mas estava desempregado.
A família cogitou vender a própria casa recém-comprada para custear os gastos. Eles morariam com o pai de Douglas, que estava pensando em comprar uma casa maior.
Ela até criou uma vaquinha online chamada Miguel Contra a Cirrose para conseguir pelo menos, 5 mil reais e custear o exame do menino.
Foi uma vizinha que falou da situação da família para um jornal paranaense, conhecido na região. Poucos dias depois, a equipe de reportagem foi até a sua casa e mostrou o que estava acontecendo.
O site do jornal colocou o link da vaquinha, a conta do casal e até o telefone, para quem pudesse ajudá-los. A matéria foi ao ar na semana passada (8 de setembro de 2020) e funcionou.
A repercussão foi tanta, que o valor da vaquinha foi ainda superior ao estipulado, chegando a mais de 13 mil reais. “Fiquei dias recebendo mensagens de várias pessoas perguntando com o que poderiam ajudar e o que mais estávamos precisando” acrescenta.
O seu marido também conseguiu um emprego para cuidar da manutenção do jardim de um condomínio além de ferramentas de jardinagem para trabalhar por fora.
Sobre o canabidiol, ela conheceu três pessoas que se disponibilizaram a doar o do óleo feito de forma artesanal. Embora o plantio de cannabis seja proibido, mesmo para uso medicinal, é uma maneira mais barata de se obter o fitofármaco.
Por isso, há muitas famílias que plantam no limbo da lei ou compram de forma ilegal. Atualmente é possível entrar com um pedido de habeas corpus, que dá o direito de salvo-conduto, ou seja, de plantar de forma legal. No entanto, o óleo feito em casa não pode ser compartilhado com mais ninguém.
Desde o dia da entrevista, (14 de setembro), Giziane contou que o Miguel estava tomando o óleo de canabidiol há três dias, e ela viu uma leve melhora no seu comportamento.
“Na primeira hora, depois que ele toma, ele fica deitado no sofá com o celular na mão, coisa que raramente ele faz porque ele não pára um segundo (…) ele fica calmo” contou a mãe.
Medicamentos à base de cannabis são conhecidos por fazer efeito de forma rápida. Dependo da forma de administração e dosagem, pode levar de 30 minutos a uma hora para fazer efeito.
É importante ressaltar que cada organismo é único. Portanto, a dosagem e quais canabinóides usar pode ser diferente para cada um. Talvez leve um tempo até alcançar o ideal, mas de toda maneira, os efeitos adversos são mínimos.
Para o uso contínuo, a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace) colocou o Miguel na lista de associados que não precisam contribuir. A Abrace é uma das poucas entidades com o direito associativo para o cultivo, mas os associados ainda precisam pagar uma taxa.
Porém também tem uma cota para pessoas que não podem contribuir isentos de anuidade. O que falta agora é uma receita da médica do Miguel com os padrões da entidade e o envido de outros documentos para começar a receber o óleo de forma gratuita.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Fapcom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós graduanda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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