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Cannabis na Mídia

Tema de TCC: as consequências penais do uso medicinal



28/09/2020



Conheça a história de Vinícius, recém-formado em advocacia e entenda o que o motivou a falar sobre cannabis #EnvieSuaHistoria

 O ainda estudante na época, Vinícius Alves Gomes (41) morador de Contagem em Minas Gerais, sempre se interessou pela polêmica planta cannabis, mas nunca pesquisou a fundo. 

Foi na escolha de um tema para a sua conclusão de curso (TCC) de advocacia que ele resolveu escrever sobre as questões jurídicas da planta no Brasil.

Esta é uma história enviada pra gente através do Envie a Sua História.

Vinícius nunca fumou maconha e também nunca precisou usar a cannabis para fins medicinais no tratamento de  alguma condição. Foi quando começou a trabalhar em uma delegacia perto de casa que ele começou a se interessar um pouco mais sobre o tema.

“Eu ficava responsável por fazer o pedido de perícia para drogas apreendidas e a maioria era maconha, então eu quis entender melhor a lei sobre ela no Brasil” acrescenta.

A maconha é a maior droga apreendida todos os dias no país. São toneladas da erva prensada descoberta pela polícia e o número aumenta ano a ano. De janeiro a agosto de 2020, por exemplo, foram 180 toneladas de cannabis.

2020 também foi um ano de recorde: no Mato Grosso do Sul, a polícia apreendeu o maior número de maconha da história, foram 33 toneladas que demoraram quinze horas para serem queimadas.

A erva geralmente vem de forma ilegal de países como Bolívia, Paraguai e Colômbia e claro: do Brasil. 

Segundo um levantamento feito em 2016 pela Câmara dos Deputados, mais de cem hectares são descobertos todos os anos no país desde a década de 1990.

E o canabidiol?

Vinícius conta que um dia chegou uma apreensão de cannabis um pouco diferente do que ele estava acostumado. Dessa vez, era um vidro de canabidiol (CBD), componente       que não gera efeitos alucinógenos da planta.

Diferente do que muitos pensam, a cannabis de uso medicinal é permitida no Brasil, mas o paciente precisa seguir uma série de requisitos para conseguir de forma legal. 

Se for comprada aqui, precisa de uma receita médica, no entanto, os únicos dois medicamentos à base de cannabis disponíveis nas farmácias, custam mais de dois salários mínimos.

Para comprar em outro país é necessário ter um cadastro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que precisa aprovar a importação. Embora mais baratos que os vendidos no Brasil, ainda continuam sendo caros e o processo de logística é trabalhoso.

Por isso, muita gente prefere comprar de forma ilegal. Hoje em dia, há muitos cultivadores conhecidos como “jardineiros” que vendem o óleo a um preço mais acessível para pacientes em todo o país. Porém, mesmo sendo para fins medicinais, a prática continua sendo proibida.

Foi o que aconteceu na delegacia onde Vinícius trabalhava. O óleo tinha sido apreendido por ter sido comprado de forma ilegal.

Óleos produzidos às escondidas são vendidos a um preço que varia de R$100,00 a R$500,00. Sempre vai depender da quantidade, do nível de canabinóides em cada frasco e até o estado em que a pessoa está comprando.

O até então estudante de advocacia ficou pensando no rumo que a pessoa descoberta com o óleo tomaria naquele caso. Porém, ele saiu do emprego antes de descobrir.

Entendendo melhor o que pode ou não pode no mundo canábico

A dúvida persistiu. Foi quando Vinícius começou a pesquisar sobre o assunto. Ele não achou muita coisa relacionada, tanto em artigos quanto em livros. O tema é pouco explorado em língua portuguesa.

“Consegui comprar um livro do juiz Luiz Carlos Valois, que fala de uso de drogas. Ele escreveu sobre o direito penal. Comprei o livro e comecei a estudar mais sobre o assunto: Foi aí que a minha pesquisa de TCC sobre o canabidiol começou”. Ressalta.

O livro do Amazonense intitulado “O Direito Penal da Guerra Contra as Drogas”, lançado em 2016, concorreu ao prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira.  Valois fala sobre a proibição das drogas em geral e também cita a problemática da maconha, que gera o maior encarceramento de drogas do país.

No último relatório realizado pelo Infopen em  junho de 2019, revelou que mais de 170 mil pessoas estão presas por porte de drogas, um aumento de 508% só no estado de São Paulo.

Como no caso de Márcio Roberto. Mês passado contamos a história dele aqui. O pecuarista está preso por 8 anos simplesmente por transportar óleo de cannabis para um idoso.  

Foi conversando com outros advogados que o então estudante começou a entender como funcionava as leis, tanto para o consumo recreativo quanto medicinal. 

Ele foi conhecendo o que era o salvo-conduto, que dá o direito de famílias plantar cannabis em casa, e também a perceber quantas crianças e adultos precisam do remédio.

” O veterinário da amiga da sua namorada indicou o canabidiol para seu cachorro, mas ela não conseguiu encontrar em lugar nenhum. Outros veterinários ficam com receio de receitar”.

Enfrentando o Preconceito

Vinícius contou pra gente que era difícil explicar o tema do seu TCC para as pessoas. A maioria olhava estranho e ele recebeu até comentários maldosos sobre a sua escolha.

“Falta compreensão para as pessoas entenderem mais, está tão engessado, que é difícil falar sobre (…) Rolou até uma tensão, pois os colegas nem procuravam saber e falavam que eu iria ajudar maconheiro”.

O então estudante de advocacia na época, ressaltou que chegou a passar por um período “antissocial”, não queria se desgastar tentando explicar o que não queriam ouvir. Por isso, ficou reservado por um tempo.

Contudo, Vinícius conta que vez ou outra, consegue mostrar o que realmente é a cannabis para alguém disposto a ouvir. Uma de suas amigas, católica devota, perguntou qual era o tema do seu trabalho.

Ele explicou, mandou até uma cópia do trabalho para a colega, que disse ter achado incrível e que não conhecia esse lado da cannabis. 

“Passou uns meses e ela viu na televisão, que iriam falar sobre canabidiol, e fez questão de me mandar mensagem. (…) Acho que é bom fortalecer e continuar a luta, pois entre cinco pessoas que você compartilha, em pelo menos  uma faz efeito” complementa.

Nota Máxima no TCC

O tema “atípico” foi bem visto pela banca avaliadora também. Vinícius tirou nota máxima na apresentação da sua monografia intitulada A Legalização da Cannabis para Uso Medicinal no Brasil e Suas Consequências Jurídico Penais.

“Uma das avaliadoras ainda falou que fui corajoso em escrever desse tema” destaca Vinícius.

Ele também fala sobre o uso adulto (também conhecido como uso recreativo), mas o principal ponto do seu TCC foi a dificuldade de se conseguir a cannabis medicinal de forma legal.

Cannabis medicinal para quem?

Além do preconceito, havia uma problemática ainda maior sobre a planta que dificulta o acesso: o valor.

“Tem pessoas que tem um poder aquisitivo melhor, tem dinheiro para pagar um advogado, remédios caros e tudo mais. Mas como fica o resto das pessoas que não tem condições?” comentou Vinícius.

A cannabis medicinal serve para várias condições, as mais comuns são epilepsia de difícil controle, esclerose múltipla, Alzheimer, Parkinson e até ansiedade. No entanto, conseguir o óleo não é uma tarefa fácil.

Como dito acima, o óleo é bastante caro e restritivo, e prejudica principalmente para crianças que tem epilepsia refratária, a doença é caracterizada pela resistência dos remédios.

Se uma pessoa escolhe não se envolver com o mercado negro, ela tenta ajudas coletivos. Atualmente são inúmeras pessoas pedindo ajuda em sites de crowdfunding ou em associações.

Não é difícil encontrar vaquinhas para a compra de canabidiol. Em uma pesquisa rápida ao site Vakinhas.com, por exemplo, foram quase 30 resultados à “canabidiol” ou “cannabis” no título.O restante, colocam que precisam da cannabis na descrição.

“Se eu precisasse, eu mesmo ia me submeter ao mercado negro. Se não tivesse condições de pagar um frasco, sem dúvidas também compraria de forma ilegal” completa.

Não para por aí

Vinícius acabou de se formar no meio do ano de 2020 e já pensa em se aprofundar mais no assunto e até advogar na causa. 

Antes mesmo de fazer a prova da OAB, que determina se a pessoa pode exercer a profissão ou não, ele já imagina um mestrado sobre a Cannabis e já está cursando pós graduação em Ciências criminais.

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Tainara Cavalcante

Jornalista pela Fapcom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós graduanda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.