Se hoje falamos da cannabis medicinal como uma terapia cientificamente embasada, é graças aos estudos do químico israelense
O químico israelense Raphael Mechoulam foi o primeiro cientista a estudar a cannabis. Graças à sua curiosidade genuína e sem fronteiras, ele superou preconceitos sociais e dedicou grande parte de sua carreira acadêmica aos benefícios medicinais da cannabis, desde os anos 1960.
Em uma série de testes com haxixe, o cientista isolou o THC (Tetrahidrocanabinol) e entendeu seus princípios psicoativos. Daí partiu para novos estudos que inspiraram grande parte da comunidade acadêmica a descobrir canabinoides como CBD (Canabidiol) e CBG (Canabigerol), os neuroreceptores CB1 e CB2, e claro, o Sistema Endocanabinoide.
Uma das condições mais adequadas ao uso de canabinoides é a epilepsia, um distúrbio cerebral caracterizado por crises convulsivas recorrentes e imprevisíveis, causadas por impulsos neuronais desordenados.
Esta doença foi a primeira a ser abordada pelos estudos de Mechoulam, em conjunto com cientistas brasileiros, em 1980. Em um cenário duplo-cego, pacientes epiléticos e voluntários saudáveis receberam canabidiol ou placebo durante 135 dias, submetidos a exames clínicos e laboratoriais a cada 15 ou 30 dias.
Todos os pacientes e voluntários toleraram muito bem o CBD e nenhum sinal de toxicidade ou efeitos colaterais graves foram detectados nos exames.
Quatro dos oito indivíduos com CBD permaneceram quase livres de crises convulsivas durante todo o experimento. Outros três pacientes demonstraram melhora parcial em sua condição clínica, contudo, o CBD foi ineficaz em um paciente.
“Ficamos felizes em notar que, de fato, eles não tinham convulsões enquanto estavam tomando o canabidiol”, disse o próprio cientista, em um documentário biográfico chamado “O Cientista”, lançado em 2015.
Em 1995, o cientista teve a ideia de testar o THC em crianças com câncer, no intuito de diminuir náuseas e vômitos, efeitos colaterais constantes nos tratamentos quimioterápicos, e extremamente incômodos em crianças.
“Por sorte, a maior parte das crianças podem ser curadas do câncer, mas o tratamento é absolutamente difícil”, relata o químico, no documentário.
Em parceria com a chefe do departamento de oncologia do Hospital de Jerusalém, Aya Avramov, Mechoulam realizou um estudo clínico administrando gotas de óleo contendo THC sob a língua das crianças, duas a três vezes por dia, durante seus tratamentos.
Ao fim do teste, Ava relatou a Mechoulam um “bloqueamento completo da náusea”.
Anos mais tarde, para uma entrevista à Folha, Mechoulam usou este exemplo para refutar efeitos nocivos do THC: “Não conheço casos em que ela tenha causado muitos problemas.”
Morto em março de 2023, aos 92 anos, em sua casa, Mechoulam continuou trabalhando até o fim da vida. O químico publicou 350 artigos científicos, capítulos de livros e resenhas, a maioria deles sobre o sistema canabinoide e editou três livros sobre o assunto.
Em 1999-2000, ele atuou como presidente da International Cannabinoid Research Society e desde 2007 era presidente da divisão de ciências naturais da Academia Nacional de Ciências de Israel. Em junho de 2014, o professor Mechoulam foi selecionado pelo Jerusalem Post como um dos 50 judeus mais influentes do mundo.
Seu último trabalho foi em 2019, aos 88 anos, quando apresentou uma versão estável e sintetizada do CBDA (Ácido canabidiólico), um canabinoide com propriedades anti-inflamatórias.
Lucas Panoni
Jornalista e produtor de conteúdo na Cannalize. Entusiasta da cultura canábica, artes gráficas, política e meio ambiente. Apaixonado por aprender.
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