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Como fazer um tratamento mais eficaz com a plantinha
O tratamento com cannabis está cada vez mais popular entre pacientes com condições crônicas de saúde.
No contexto da fibromialgia, por se tratar de uma condição de difícil controle e sem muitas opções medicamentosas disponíveis, ele tem virado fonte de alívio e esperança para muitas pessoas.
“Eu fico tão triste de não funcionar comigo”.
Recebi essa mensagem de uma seguidora, alguns dias atrás, em uma postagem em que eu falava sobre o tratamento e que estava recheada de comentários positivos com relatos incríveis de melhora dos sintomas.
Não é raro ouvir histórias de pessoas que iniciaram o tratamento, mas não perceberam melhoras e decidiram interromper o uso, em especial por não verem sentido em continuar arcando com uma intervenção que não estava trazendo benefícios visíveis ou imediatos.
A potência e a complexidade da medicina do futuro
Temos visto (finalmente) uma tendência na medicina em trazer mais personalização para o cuidado com a saúde.
A medicina do futuro – que, na verdade, une inovação científica e tecnológica a muitos conceitos já conhecidos no “passado”, um resgate ancestral com uma visão integrativa do ser humano – é promissora e potente.
Porém, junto com essa potência, traz consigo toda uma complexidade para a sociedade e a medicina moderna.
Complexidade porque exige humanização, paciência, presença, olhar atento, estratégias e intervenções que não podem ser copiadas de um paciente para o outro. Que não podem ser colocadas em linha de produção. Essa medicina demanda planos de terapia individualizados, feitos sob medida.
É isso que acontece com a cannabis. Pode parecer clichê, mas o que funciona para um pode não funcionar para outro e não podemos sustentar a expectativa de uma prescrição padrão, como vemos na alopatia. Além disso, a planta não faz o seu trabalho sozinha: é preciso participar ativamente.
Fatores que podem influenciar a eficácia do tratamento
Enfim, vamos falar sobre alguns aspectos principais que demandam atenção na hora de fazer o nosso tratamento?
- Composição
“Cannabis” é o nome de uma planta que contém uma infinidade de compostos ativos. Quando me dizem: “usei cannabis e não funcionou”, a minha primeira pergunta é: mas de qual cannabis você está falando?
Na planta já foram identificados mais de 100 tipos de fitocanabinoides, entre eles o CBD (canabidiol), o THC (delta-9-tetrahidrocanabinol), o CBG (canabigerol), o CBN (canabinol) e muitos outros.
Além deles, existem terpenos e flavonoides, substâncias que também contribuem com o efeito terapêutico. Um tratamento eficaz depende de uma avaliação bem feita pelo profissional de saúde para entender qual combinação de todas essas substâncias é mais indicada para tratar os sintomas apresentados pelo paciente.
- Dose
Quando dizemos tratamento individualizado, é individualizado mesmo. A dose utilizada por uma pessoa pode ser completamente diferente da outra. E como a gente descobre a sua dose específica?
Testando. Por isso, a maioria dos profissionais vai recomendar um início brando, com aumento gradual e monitoramento detalhado dos efeitos para que o próprio paciente possa perceber e relatar ao profissional de saúde quando sentir alívio de sintomas.
O objetivo é encontrar a menor dose possível em que exista o melhor resultado em termos de controle da doença. Nem sempre doses mais altas vão significar resultados mais potentes. Se você ultrapassar sua dose ideal, pode começar a ter perda de eficácia no tratamento. Por isso, volto a dizer, paciência, presença e olhar atento, tanto do paciente, quanto do profissional de saúde.
- Concentração
É comum, quando pergunto a dosagem que a pessoa está utilizando, ouvir a resposta “10 gotas, 30 gotas”. Precisamos entender que 10 gotas não significam nada, pois podem conter doses completamente diferentes, dependendo da concentração do óleo.
E o que é a concentração? O resultado do quanto as substâncias ativas foram diluídas. Imagine dissolver uma colher de sopa de açúcar em uma xícara de café. O resultado é bem diferente do que dissolver uma colher de sopa de açúcar em uma panela, não é mesmo? Isso é a concentração.
Pode ser complexo identificar essa concentração sozinho e, por isso, é fundamental que o profissional esteja capacitado adequadamente para orientar você e entender quando é hora de experimentar produtos mais ou menos concentrados.
Em geral, quanto maior a concentração, mais alto o custo do produto, porém menos gotas serão necessárias para o mesmo efeito terapêutico.
- Instruções de uso
Cada forma farmacêutica e produto exige um tipo de cuidado diferente. A maioria dos óleos, por exemplo, possui indicação de uso sublingual.
Neste caso, é preciso engolir toda a saliva, pingar as gotinhas embaixo da língua e segurar o máximo de tempo possível na boca, para que as substâncias possam ser absorvidas pela mucosa em vez de serem ingeridas.
Isso impede que elas sejam degradadas pelo que chamamos de “metabolismo de primeira passagem”, um mecanismo fisiológico em que grande parte das substâncias absorvidas pelo trato gastrointestinal passam pelo fígado e são modificadas antes de cair na corrente sanguínea, diminuindo sua disponibilidade para fazer efeito no organismo.
Outras atitudes simples podem fazer a diferença, como agitar bem o frasco antes do uso para garantir uma boa distribuição dos compostos ativos, utilizar o óleo após refeições ricas em gordura para melhorar a absorção e fazer um intervalo entre o uso de outros medicamentos, que podem gerar interação.
Esses são apenas alguns exemplos da importância de utilizar os medicamentos à base de cannabis da forma correta, e por isso é fundamental receber e seguir as orientações do profissional de saúde.
- Profissional especializado
Se você chegou até aqui, deve ter percebido que ter o acompanhamento de um profissional capacitado é fundamental, certo?
Em teoria, qualquer médico no Brasil pode prescrever o tratamento com fitocanabinoides. Com a pressão que esses profissionais estão recebendo, muitas vezes começam a prescrever sem a formação adequada.
O Sistema Endocanabinoide ainda não está presente nas grades curriculares dos cursos de medicina. Por isso, a capacitação depende do interesse do médico em se especializar através de estudo independente, com cursos e pós-graduações.
Neste tratamento, cada detalhe importa, e infelizmente muitas vezes a falta de eficácia do tratamento é fruto da falta de preparo do profissional. Além do médico, existem também outros profissionais que podem fazer o acompanhamento, como biomédicos, farmacêuticos e enfermeiros.
- Associação com cuidados específicos
Como mencionei anteriormente, a planta sozinha não faz milagre, como em qualquer tratamento. É importante associar hábitos saudáveis para potencializar seus efeitos e deixar o organismo – e o sistema endocanabinoide – preparados e receptivos.
Atividade física, por exemplo, parece ativar esse sistema e pode contribuir com a eficácia em dosagens menores, e até mesmo a suplementação com Ômega 3 pode ajudar.
Adicionalmente, cada condição demanda estratégias específicas conjuntas. Na insônia, por exemplo, é indispensável fazer higiene do sono e mudanças de hábitos para garantir melhora significativa dos sintomas.
Na fibromialgia, então, é preciso se movimentar (exercício é a estratégia com maior eficácia no controle de sintomas), procurar se alimentar de maneira saudável e, quando possível, passar por um processo de educação em dor e psicoterapia para um melhor gerenciamento dos sintomas.
O caminho é possível, não desista!
Pode parecer complexo demais tudo o que compartilhei por aqui. Porém, esse é um processo de aprendizado que vai ser útil para muitos aspectos da sua vida depois de iniciar seu tratamento com cannabis.
Você terá um tratamento elaborado especialmente para você, com grandes chances de melhora, e vai desenvolver uma autopercepção e autonomia que vão transformar sua relação com sua saúde.
Por fim, como tudo na vida, pode não funcionar para todos, mas isso você só vai descobrir após garantir que fez um tratamento bem feito. Espero que esse texto contribua para que você encontre caminhos para isso. Até a próxima!
Sobre as nossas colunas
As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.
https://cannalize.com.br/cannabis-nao-funcionou-coluna-livia/ ‘Eu nunca pensei que largaria os analgésicos’, diz paciente de endometrioseA estudante de enfermagem, que chegou a tomar morfina controlar as dores, viu a vida transformada depois do uso da cannabis
Giovana Silva, de 22 anos, passou a adolescência inteira com fortes cólicas menstruais. Foram anos vomitando e indo parar no pronto-socorro para descobrir que todo o seu desconforto era endometriose.
Mas encontrar a raiz do problema não o fazia sumir. A jovem até começou a fazer um tratamento hormonal que tornava a condição um pouco mais suportável, mas as dores ainda continuavam.
Giovana conta que precisava tomar tramal ou morfina para suportar o período da menstruação. O problema ainda acarretou uma ansiedade que piorou o seu caso.
Contudo, quem conhece a estudante de enfermagem hoje, nem suspeita que vivia nesse estado. Há dois anos utilizando a cannabis medicinal, as coisas parecem ter mudado da água para o vinho.
Cólicas fora do normal
Desde a primeira vez que menstruou, com cerca de nove ou 10 anos, Giovana Silva tinha cólica. O problema foi se intensificando com o passar dos anos e na adolescência, o período menstrual era sempre um pesadelo.
Não é incomum que as cólicas na adolescência sejam mais intensas. Isso acontece porque o fluxo menstrual é maior, mas o útero ainda é pequeno nesta fase da vida.
Por outro lado, o caso da estudante era fora do normal aceitável. “Eu desmaiava, tinha episódios de vômito, e eu não conseguia andar. Nenhuma medicação conseguia fazer efeito e eu sempre acabava no pronto-socorro”, lembra.
Os remédios tradicionais também não pareciam surtir muito efeito. Todas as vezes que ia ao hospital, as dores só passavam com uma dose de tramal ou morfina.
A tal da endometriose
Foi necessário passar por vários médicos diferentes e realizar uma série de exames para descobrir, apenas aos 17 anos, que tinha endometriose.
“Até então eu nunca tinha ouvido falar de endometriose até eu ter o diagnóstico Eu era a única pessoa na minha família que tinha esse problema com cólica, então foi tudo muito novo”, lembra.
A endometriose não é uma condição muito incomum no Brasil. De acordo com dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), cerca de 15% das mulheres sofrem com a condição, o que soma algo em torno de 7 milhões de pessoas.
Leia também: Tramal X Cannabis: É possível substituir?
Trata-se de uma doença na qual o tecido que reveste o útero cresce fora do órgão e pode se alojar nos ovários, nas tubas uterinas e até no intestino, resultando em dores mais intensas que as cólicas uterinas e em muitos casos até a infertilidade.
Por outro lado, a endometriose é mais comum em mulheres um pouco mais velhas. Mais de 65% dos casos estão concentrados em pessoas de 29 a 39 anos.
Desenvolvendo o transtorno de ansiedade
Nos episódios de crise, Giovana tinha desmaios, vômitos ou passava os dias inteiros na cama sem conseguir fazer nada.
Só de pensar que o período menstrual estava chegando, a estudante já se desesperava, o que resultou em um novo diagnóstico: o transtorno de ansiedade.
Leia também: A cannabis no tratamento da ansiedade
Como em qualquer dor crônica, a endometriose também provoca situações angustiantes e traumáticas que podem ser um gatilho para o aparecimento de doenças mentais, como estresse, depressão e ansiedade.
“Eu sempre fui uma pessoa muito acelerada, e sofria muito por conta disso. Mas eu até conseguia lidar bem. Só que quando vinha essas dores, me desestabilizava muito. Porque eu queria fazer as minhas coisas e não podia”, recorda.
Tratamento pouco efetivo
Desde os 14 anos, Giovana já fazia o uso de anticoncepcionais para normalizar o ciclo menstrual e tentar reduzir as cólicas, o que não ajudava muito. “Tudo quanto é tipo de chá que você possa imaginar ela (a sua mãe) já tentou me dar para aliviar”, comenta.
Quando descobriu a endometriose, passou a fazer um tratamento mais direcionado para a diminuição dos focos, o que tornou o desconforto um pouco mais suportável. Embora ainda precisasse tomar analgésicos durante o dia para controlar as dores.
Para se ter uma ideia, a estudante tomava Toragesic, um anti-inflamatório indicado para dores agudas, dores severas causadas por fraturas, cólica renal e até dores pós-operatórias.
Por outro lado, os efeitos colaterais a deixavam muito mal. “Eu tinha muita dor de cabeça, eu ficava com o corpo muito pesado, com uma sensação ruim, letárgica, eu ficava praticamente fora do ar o tempo inteiro”, lembra.
Mais um tratamento sem sucesso
Tratar a ansiedade também foi outro desafio. Embora as crises de ansiedade tenham começado na escola, Giovana só começou a fazer um tratamento psicológico de fato há cerca de três ou quatro anos.
Fazia sessões de terapia e tentava utilizar diversos remédios, mas também nunca conseguiu se habituar com nenhum deles. “ Todos foram péssimas experiências, me deixavam pior do que eu estava sem elas, foi uma fase muito difícil mesmo”, relata.
Canabidiol como alternativa
A cannabis medicinal apareceu na vida de Giovana como uma medida drástica. As suas dores e crises estavam tão insuportáveis que a estudante de enfermagem não queria mais viver.
“Eu virei para o meu psiquiatra e falei que a gente precisava achar alguma alternativa, porque eu não aguentava mais. Estava no meu limite e sinceramente, se nada adiantasse, eu ia tirar a minha vida porque eu não aguentava mais”, lembra.
Foi aí que o profissional falou sobre a cannabis. Embora não prescrevesse, conhecia alguém que poderia receitar produtos derivados da planta para tratar as crises de ansiedade.
Leia também: 5 condições femininas que a cannabis pode tratar
A estudante foi criada com o conceito de que maconha é a porta de entrada para outras drogas, por isso, viveu a vida inteira longe da planta. Por outro lado, estava aceitando qualquer opção para se ver livre daquele tormento.
A mãe, com um receio um pouco maior, disse para a filha tentar o método, mas que não contasse para ninguém sobre esse novo tratamento. “Até hoje, praticamente ninguém da família sabe”, conta.
Melhoras
Foram duas semanas entre a prescrição até a chegada do óleo importado em casa. Ao contrário do que ela pensava, os produtos à base de cannabis são autorizados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e podem até ser encontrados nas farmácias.
À partir do primeiro mês de uso, os efeitos já começaram a aparecer. “A minha primeira reação foi chorar, porque eu estava sentada assistindo televisão e me toquei que estava prestando atenção. Antes, eu assistia alguma coisa e ficava pensando em 50 coisas diferentes.” Lembra.
A ansiedade foi melhorando aos poucos. As crises diminuíram e ela já conseguia se concentrar melhor. Hoje já faz mais de um ano que a estudante não tem crises.
Mas não foi apenas na ansiedade que melhorou. Após estar usando cannabis, Giovana percebeu que a sua menstruação chegou, mas não precisou tomar nenhum analgésico para conter as dores.
Sem analgésicos
Os canabinoides presentes na cannabis, como o CBD (canabidiol), aliviam a dor pélvica, o que consequentemente, diminui as dores. Isso porque a cannabis possui propriedades que regulam a inflamação no tecido uterino.
Produtos feitos com a cannabis ativam receptores canabinoides da região pélvica. Depois do cérebro, ali é onde se encontra o maior número de terminações nervosas capazes de interagir com as moléculas da cannabis.
“O médico comentou que poderia melhorar também a endometriose, então eu sabia que poderia ter esse efeito, só que não esperava que fosse ao nível de não precisar tomar analgésico”, lembra.
Giovana ainda toma hormônios para que os focos da endometriose não cresçam, mas hoje já não utiliza remédios para dor.
Testemunha da cannabis
A mãe da estudante ainda tem receios. Não pela cannabis, mas pelo medo do que as pessoas possam pensar da sua filha utilizando a cannabis e por isso, não conta para ninguém que Giovana utiliza o óleo de CBD.
Por outro lado, fala para todo mundo sobre os benefícios da planta. “ Eu brinco que ela virou testemunha da cannabis. Qualquer coisinha que alguma pessoa fale que tem, ela fala: ‘a minha filha pesquisa um negócio chamado canabidiol, você já ouviu falar? pq vc não tenta?’”, comenta.
Hoje, a estudante de apenas 22 anos recuperou a sua vida social. Sai com a mãe, com as amigas e tem dias normais. Mesmo na época da TPM e da menstruação.
Atualmente, conseguiu um estágio em um laboratório para pesquisas oncológicas que começa em agosto e tem vontade de se especializar na área de biotecnologia. “Mas por mim todo mundo saberia da cannabis”, diz.