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‘Eu nunca pensei que largaria os analgésicos’, diz paciente de endometriose ‘Eu nunca pensei que largaria os analgésicos’, diz paciente de endometriose

A estudante de enfermagem, que chegou a tomar morfina controlar as dores, viu a vida transformada depois do uso da cannabis

‘Eu nunca pensei que largaria os analgésicos’, diz paciente de endometriose

‘Eu nunca pensei que largaria os analgésicos’, diz paciente de endometriose
Foto: Arquivo Pessoal

Giovana Silva, de 22 anos, passou a adolescência inteira com fortes cólicas menstruais. Foram anos vomitando e indo parar no pronto-socorro para descobrir que todo o seu desconforto era endometriose.

Mas encontrar a raiz do problema não o fazia sumir. A jovem até começou a fazer um tratamento hormonal que tornava a condição um pouco mais suportável, mas as dores ainda continuavam. 

Giovana conta que precisava tomar tramal ou morfina para suportar o período da menstruação. O problema ainda acarretou uma ansiedade que piorou o seu caso. 

Contudo, quem conhece a estudante de enfermagem hoje, nem suspeita que vivia nesse estado. Há dois anos utilizando a cannabis medicinal, as coisas parecem ter mudado da água para o vinho. 

Cólicas fora do normal

 Desde a primeira vez que menstruou, com cerca de nove ou 10 anos, Giovana Silva tinha cólica. O problema foi se intensificando com o passar dos anos e na adolescência, o período menstrual era sempre um pesadelo.

Não é incomum que as cólicas na adolescência sejam mais intensas. Isso acontece porque o fluxo menstrual é maior, mas o útero ainda é pequeno nesta fase da vida.

Por outro lado, o caso da estudante era fora do normal aceitável. “Eu desmaiava, tinha episódios de vômito, e eu não conseguia andar. Nenhuma medicação conseguia fazer efeito e eu sempre acabava no pronto-socorro”, lembra.

Os remédios tradicionais também não pareciam surtir muito efeito. Todas as vezes que ia ao hospital, as dores só passavam com uma dose de tramal ou morfina. 

A tal da endometriose 

Foi necessário passar por vários médicos diferentes e realizar uma série de exames para descobrir, apenas aos 17 anos, que tinha endometriose. 

“Até então eu nunca tinha ouvido falar de endometriose até eu ter o diagnóstico Eu era a única pessoa na minha família que tinha esse problema com cólica, então foi tudo muito  novo”, lembra.

A endometriose não é uma condição muito incomum no Brasil. De acordo com dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), cerca de 15% das mulheres sofrem com a condição, o que soma algo em torno de 7 milhões de pessoas. 

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Trata-se de uma doença na qual o tecido que reveste o útero cresce fora do órgão e pode se alojar nos ovários, nas tubas uterinas e até no intestino, resultando em dores mais intensas que as cólicas uterinas e em muitos casos até a infertilidade. 

Por outro lado, a endometriose é mais comum em mulheres um pouco mais velhas. Mais de 65% dos casos estão concentrados em pessoas de 29 a 39 anos. 

Desenvolvendo o transtorno de ansiedade

Nos episódios de crise, Giovana tinha desmaios, vômitos ou passava os dias inteiros na cama sem conseguir fazer nada. 

Só de pensar que o período menstrual estava chegando, a estudante já se desesperava, o que resultou em um novo diagnóstico: o transtorno de ansiedade.

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Como em qualquer dor crônica, a endometriose também provoca situações angustiantes e traumáticas que podem ser um gatilho para o aparecimento de doenças mentais, como estresse, depressão e ansiedade. 

“Eu sempre fui uma pessoa muito acelerada, e sofria muito por conta disso. Mas eu até conseguia lidar bem. Só que quando vinha essas dores, me desestabilizava muito. Porque eu queria fazer as minhas coisas e não podia”, recorda. 

Tratamento pouco efetivo

Desde os 14 anos, Giovana já fazia o uso de anticoncepcionais para normalizar o ciclo menstrual e tentar reduzir as cólicas, o que não ajudava muito. “Tudo quanto é tipo de chá que você possa imaginar ela (a sua mãe) já tentou me dar para aliviar”, comenta. 

Quando descobriu a endometriose, passou a fazer um tratamento mais direcionado para a diminuição dos focos, o que  tornou o desconforto um pouco mais suportável. Embora ainda precisasse tomar analgésicos durante o dia para controlar as dores. 

Para se ter uma ideia, a estudante tomava Toragesic, um anti-inflamatório indicado para dores agudas, dores severas causadas por fraturas, cólica renal e até dores pós-operatórias. 

Por outro lado, os efeitos colaterais a deixavam muito mal. “Eu tinha muita dor de cabeça, eu ficava com o corpo muito pesado, com uma sensação ruim, letárgica, eu ficava praticamente fora do ar o tempo inteiro”, lembra.

‘Eu nunca pensei que largaria os analgésicos’, diz paciente de endometriose

‘Eu nunca pensei que largaria os analgésicos’, diz paciente de endometriose
Foto: Arquivo Pessoal

Mais um tratamento sem sucesso

Tratar a ansiedade também foi outro desafio. Embora as crises de ansiedade tenham começado na escola, Giovana só começou a fazer um tratamento psicológico de fato há cerca de três ou quatro anos.

Fazia sessões de terapia e tentava utilizar diversos remédios, mas também nunca conseguiu se habituar com nenhum deles. “ Todos foram péssimas experiências, me deixavam pior do que eu estava sem elas, foi uma fase muito difícil mesmo”, relata. 

Canabidiol como alternativa

A cannabis medicinal apareceu na vida de Giovana como uma medida drástica. As suas dores e crises estavam tão insuportáveis que a estudante de enfermagem não queria mais viver.

“Eu virei para o meu psiquiatra e falei que a gente precisava achar alguma alternativa, porque eu não aguentava mais. Estava no meu limite e sinceramente, se nada adiantasse, eu ia tirar a minha vida porque eu não aguentava mais”, lembra. 

Foi aí que o profissional falou sobre a cannabis. Embora não prescrevesse, conhecia alguém que poderia receitar produtos derivados da planta para tratar as crises de ansiedade. 

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A estudante foi criada com o conceito de que maconha é a porta de entrada para outras drogas, por isso, viveu a vida inteira longe da planta. Por outro lado, estava aceitando qualquer opção para se ver livre daquele tormento. 

A mãe, com um receio um pouco maior, disse para a filha tentar o método, mas que não contasse para ninguém sobre esse novo tratamento. “Até hoje, praticamente ninguém da família sabe”, conta. 

Melhoras

Foram duas semanas entre a prescrição até a chegada do óleo importado em casa. Ao contrário do que ela pensava, os produtos à base de cannabis são autorizados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e podem até ser encontrados nas farmácias. 

 À partir do primeiro mês de uso, os efeitos já começaram a aparecer. “A minha primeira reação foi chorar, porque eu estava sentada assistindo televisão  e me toquei que estava prestando atenção. Antes, eu assistia alguma coisa e ficava pensando em 50 coisas diferentes.” Lembra.

A ansiedade foi melhorando aos poucos.  As crises diminuíram e ela já conseguia se concentrar melhor. Hoje já faz mais de um ano que a estudante não tem crises. 

Mas não foi apenas na ansiedade que melhorou. Após estar usando cannabis, Giovana percebeu que a sua menstruação chegou, mas não precisou tomar nenhum analgésico para conter as dores.

Sem analgésicos

Os canabinoides  presentes na cannabis, como o CBD (canabidiol), aliviam a dor pélvica, o que consequentemente, diminui as dores. Isso porque a cannabis possui propriedades que regulam a inflamação no tecido uterino.

Produtos feitos com a cannabis ativam receptores canabinoides da região pélvica. Depois do cérebro, ali é onde se encontra o maior número de terminações nervosas capazes de interagir com as moléculas da cannabis.

“O médico comentou que poderia melhorar também a endometriose, então eu sabia que poderia ter esse efeito, só que não esperava que fosse ao nível de não precisar tomar analgésico”, lembra.

Giovana ainda toma hormônios para que os focos da endometriose não cresçam, mas hoje já  não utiliza remédios para dor. 

Testemunha da cannabis

A mãe da estudante ainda tem receios. Não pela cannabis, mas pelo medo do que as pessoas possam pensar da sua filha utilizando a cannabis e por isso, não conta para ninguém que Giovana utiliza o óleo de CBD.

Por outro lado, fala para todo mundo sobre os benefícios da planta. “ Eu brinco que ela virou testemunha da cannabis. Qualquer coisinha que alguma pessoa fale que tem, ela fala: ‘a minha filha pesquisa um negócio chamado canabidiol, você já ouviu falar? pq vc não tenta?’”, comenta.

Hoje, a estudante de apenas 22 anos recuperou a sua vida social. Sai com a mãe, com as amigas e tem dias normais. Mesmo na época da TPM e da menstruação. 

Atualmente, conseguiu um estágio em um laboratório para pesquisas oncológicas que começa em agosto e tem vontade de se especializar na área de biotecnologia. “Mas por mim todo mundo saberia da cannabis”, diz.

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