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STF endurece critérios para acesso judicial a medicamentos de alto custo, enquanto estados avançam na regulamentação de cannabis medicinal
Nos últimos anos, a judicialização da saúde tornou-se um dos desafios mais complexos para o SUS no Brasil, colocando o Judiciário como intermediário em demandas por medicamentos de alto custo não incorporados ao sistema público.
Em 26 de setembro de 2024, o STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu o julgamento do Tema 6, fixando uma tese que estabelece parâmetros mais restritivos para o fornecimento de medicamentos fora das listas oficiais, com foco na sustentabilidade do sistema e uso eficiente dos recursos.
A decisão aplica-se a medicamentos registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas fora das listas oficiais (Rename, Resme e Remume), e impõe requisitos rigorosos para que o Judiciário autorize o fornecimento desses fármacos.
O paciente, agora, deve comprovar judicialmente: a negativa de fornecimento administrativo, a inexistência de alternativas terapêuticas no SUS, a eficácia e segurança do medicamento com base em evidências científicas robustas, além da indispensabilidade do tratamento e a incapacidade financeira para arcar com os custos.
Leis de cannabis
Enquanto o STF restringe o acesso judicial, estados avançam em regulamentações para incluir medicamentos à base de cannabis medicinal, especialmente para doenças que comprometem a qualidade de vida de muitos brasileiros, como as síndromes de Lennox-Gastaut e Dravet e a esclerose tuberosa.
Em São Paulo, a Lei 17.618 autorizou o fornecimento de medicamentos à base de cannabis, facilitando o acesso a tratamentos que, até então, exigiam processos judiciais.
No Paraná, a Lei Pétala, promulgada recentemente, assegura o acesso gratuito a medicamentos com CBD (canabidiol) e THC (tetrahidrocanabinol) para doenças específicas, eliminando a necessidade de ação judicial.
Essa regulamentação detalha critérios e documentos para que os pacientes se qualifiquem ao tratamento, assegurando um uso controlado e seguro desses fármacos.
Cenário Nacional
O debate sobre o uso medicinal da cannabis no Senado reflete as lacunas de uma política nacional para inclusão desses tratamentos no SUS, especialmente para pacientes com condições complexas, como epilepsia, autismo, Alzheimer e fibromialgia.
O Projeto de Lei 89/2023, do senador Paulo Paim, propõe a criação de uma política pública para o fornecimento gratuito de medicamentos à base de canabidiol, contemplando ainda o uso associado de outros canabinoides, como o THC, nos tratamentos oferecidos pelo sistema público.
Ao contrário das regulamentações estaduais em São Paulo e Paraná, que já estabeleceram marcos regulatórios para a dispensação de medicamentos à base de cannabis no SUS, o cenário nacional carece de uma estrutura que permita ao SUS atender essas demandas de forma uniforme, favorecendo um acesso mais amplo e menos burocrático.
Esse projeto de Paim busca justamente suprir essa ausência ao propor uma política de alcance federal.
Porém, sua tramitação ainda enfrenta resistências que revelam o estigma associado à cannabis, uma barreira que também limita a discussão racional sobre o direito à saúde e ao acesso aos tratamentos mais modernos e eficazes.
Reduzir a judicialização
O PL 89/2023 almeja reduzir a judicialização, que ainda é a principal via para garantir o acesso a medicamentos não incorporados ao SUS.
Atualmente, essa judicialização representa uma corrida individual em busca de direitos que, na realidade, deveriam ser garantidos coletivamente. Tal cenário é reflexo de uma política de saúde que ainda não atende plenamente ao princípio constitucional do direito universal à saúde.
A ausência de políticas nacionais integradas para o fornecimento de cannabis medicinal, portanto, obriga o Judiciário a intervir, desgastando o orçamento público e impondo aos pacientes processos exaustivos e, muitas vezes, inviáveis para quem precisa de um tratamento urgente.
As consequências da decisão do STF
A decisão do STF no Tema 6, ao fixar limites rígidos para a concessão judicial de medicamentos fora da lista do SUS, sinaliza uma tentativa de reequilibrar o orçamento do sistema público de saúde.
Contudo, também impõe uma carga probatória excessiva para os pacientes. Ao exigir comprovações rigorosas — que passam por negativas administrativas, demonstrações de eficácia e a necessidade de consulta a órgãos técnicos como o NATJUS —, o STF restringe o acesso de indivíduos com poucos recursos e agrava a desigualdade no acesso à saúde.
Para muitos, os obstáculos judiciais acabam se tornando insuperáveis, transformando um direito fundamental em um privilégio acessível apenas a quem possui recursos para arcar com processos longos e custosos.
O avanço de legislações estaduais, como as de São Paulo e Paraná, revela o impacto positivo de uma regulamentação direta no acesso aos medicamentos à base de cannabis.
Nesses estados, o direito à saúde começa a ser tratado com mais racionalidade e empatia, reconhecendo a urgência de pacientes que precisam desses tratamentos para doenças graves.
A regulamentação estadual tem se mostrado uma resposta necessária, mas ainda insuficiente diante das demandas nacionais.
A falta de uma política nacional
A criação de uma política nacional, como propõe o PL 89/2023, é, portanto, essencial para consolidar uma abordagem inclusiva e abrangente, que reduza o custo da judicialização e garanta o acesso justo a todos os brasileiros, independentemente do estado onde residem.
Essa medida poderia atender tanto a uma questão de justiça social quanto de saúde pública, ampliando a oferta de tratamentos já reconhecidos mundialmente pela sua eficácia, especialmente para condições que não respondem a terapias convencionais.
A falta de uma política nacional consistente para o fornecimento de cannabis medicinal expõe a contradição entre o direito à saúde e as limitações práticas impostas aos pacientes mais vulneráveis.
As iniciativas estaduais indicam que um modelo de atendimento mais inclusivo é possível, mesmo que limitado pela falta de regulamentação federal.
O caminho ainda é longo
No entanto, o caminho ainda é longo para que o acesso a esses medicamentos seja, de fato, garantido como um direito fundamental, e o alinhamento entre as políticas nacionais e estaduais será determinante para que o SUS alcance uma saúde pública acessível e de qualidade para todos, preservando sua sustentabilidade sem sacrificar direitos individuais essenciais.
Os pacientes não podem ser penalizados pelas omissões do sistema público e o Judiciário não pode continuar sendo a única alternativa para assegurar direitos básicos.
É necessária uma mudança de perspectiva: o direito à saúde não é um privilégio, mas uma obrigação do Estado que deve se concretizar em ações que promovam a dignidade e o bem-estar dos cidadãos brasileiros.
Texto escrito porEduardo Rodrigues em colaboração com GCClass
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