Talvez você se lembre da história da pequena Charlotte Figi, que ficou conhecida pelo mundo inteiro por ser um símbolo na luta pela cannabis medicinal.
Diagnosticada com Síndrome de Dravet, ela ficou famosa depois que a sua história de vida apareceu em um documentário na CNN, que mostrou as dificuldades da família em seguir o tratamento alternativo.
Desde os três meses de vida a pequena Charlotte sofria convulsões diárias. Por causa da doença ela chegou a enfrentar 300 crises por semana aos cinco anos de idade.
Seus pais tentavam de tudo para ajudar a reduzir as convulsões, acupuntura, dietas exóticas, mas nada adiantava.
A menina chegou até a tomar doses altas de injeções alopáticas, o que colocou a sua vida em risco, e não deu muitos resultados. O desespero foi ainda maior quando Charlotte começou a perder a capacidade de andar e falar.
Em 2012, em busca de qualquer alternativa, a sua mãe, Page Figi, soube de um dispensário de cannabis em Denver, no Colorado. O óleo mostrou resultados já nas primeiras horas após o uso.
As convulsões reduziram para algumas por semana e depois duas ou três por mês. No processo, ela também começou a parar de tomar os medicamentos alopáticos, e com um tempo, só ficou com o óleo.
Charlotte inspirou milhares de pessoas a procurarem a planta como tratamento, inclusive no Brasil. Foi a partir da sua história que a família da pequena Anne Fischer lutou pelo tratamento alternativo aqui.
Atualmente já há estudos que comprovam a efetividade do óleo de cannabis para a Síndrome de Dravet, reconhecidos até pela Associação Brasileira de Epilepsia (ABE).
Mas como isso funciona?
Primeiro vamos entender um pouco sobre o que se trata a síndrome.
A Síndrome de Dravet é conhecida também como epilepsia genética de difícil controle. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nos 50% dos casos de epilepsias comuns, o paciente se recupera já no ano seguinte de tratamento. No entanto, estima-se que de 20% a 30% das epilepsias sejam refratárias, também conhecidas como epilepsia de difícil controle.
Elas são resistentes a medicamentos e podem continuar por muito mais tempo.
As convulsões causam uma alteração estrutural cerebral que ocasiona má formações vasculares. Elas se caracterizam também pela deterioração neuropsicológica, com a presença de vários tipos de crises.
Contudo, a Síndrome de Dravet é ainda um pouco mais complicada.
A doença é uma condição genética, que acontece por causa da mutação dos genes e afeta uma em cada 40 mil pessoas no mundo.O problema acarreta convulsões, principalmente antes do primeiro ano de vida, como crises tão intensas e frequentes, que há a possibilidade de induzir ao coma.
Contudo, a doença é difícil de ser identificada. E mesmo com o diagnóstico, as informações chegam de forma incompleta aos familiares.
Embora rara, há até um dia separado para a conscientização. O dia 23 de junho é o Dia Internacional da Síndrome de Dravet.
É bem parecida com a epilepsia refratária e pode ser confundida com convulsões febris ou outros tipos de epilepsia. No entanto, é progressiva e resulta na deterioração motora e cognitiva.
Síndromes não têm cura, por isso, o paciente precisa conviver com a doença. Ela acontece a partir de mutações nos genes SCN1A, que impede a produção de uma proteína que garante o funcionamento dos canais de sódio que vão para os neurônios.
A síndrome pode se apresentar com mais de 1.200 tipos de mutações diferentes, que na maioria das vezes, é o primeiro caso na família.
Segundo informações do Ministério da Saúde, a condição ainda provoca:
As internações frequentes ainda aumentam o risco de complicações em cada paciente. Como, por exemplo, a ocorrência de pneumonia aspirativa, que pode causar lesões graves à saúde e até a morte.
Os tratamentos para a síndrome servem para conter os sintomas, uma vez que a condição não tem cura.
Uma das alternativas de tratamento é a famosa dieta cetogênica. É uma receita antiga, surgiu lá em 1920 direcionada para epilepsia, mas que hoje é muito utilizada para emagrecer.
É caracterizada por um corte radical dos carboidratos, que faz o corpo buscar outra fonte de energia, principalmente a gordura, que curiosamente é o mais consumido na dieta.
Essa mudança de alimentação faz com que o organismo entre em estado de cetose. Isso quer dizer que o cérebro utiliza a queima da gordura para produzir energia, como se estivéssemos de jejum. Consequentemente, também controla as crises epiléticas.
Outra opção são remédios específicos, como o Stiripentol. Conhecido pelo nome comercial de Diacomit, é receitado em casos bastante graves de epilepsia e claro, para Síndrome de Dravet.
No entanto, o medicamento não está disponível no Brasil, por isso a compra precisa ser feita através de importação.
Contudo o preço é bem salgado. Segundo a farmacêutica Merk, produtos com 25 mg, por exemplo, custam US$296,00. Um custo superior a R$1.500,00 para os brasileiros.
Há também a alternativa cirúrgica. Embora não se adeque a todos os casos, ela também ajuda a diminuir as crises convulsivas.
Ela provoca a estimulação de algumas partes do cérebro, como:
Como já dissemos, os estudos já mostram a eficácia da cannabis como tratamento. Tanto que já foram aprovados com alta taxa de efetividade tanto pela FDA (Food and Drug Administration – órgão regulatório americano) quanto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
A planta é conhecida por agir até mesmo em condições resistentes a medicamentos. Isso porque ela trabalha no nosso Sistema Endocanabinoide.
Este sistema está presente em todo mundo e até na maioria dos animais. Ele serve para equilibrar as funções do organismo, como fome, humor, sono, sistema imunológico e, claro, o Sistema Nervoso Central.
Através de receptores que estão por todo o organismo, os chamados canabinoides, produzidos pelo próprio corpo, são capazes de estabilizar o que estiver errado.
Se uma pessoa está com febre, por exemplo, são estas pequenas moléculas que ajudam a regular a temperatura normal.
A cannabis também possui canabinoides. Chamados de fitocanabinoides, eles são capazes de interagir perfeitamente com o nosso organismo, servindo até como substitutos.
Os canabinoides, tanto externos quanto do próprio corpo, funcionam diretamente no Sistema Nervoso Central modulando as funções neurológicas.
Como no caso da epilepsia, a cannabis funciona com um óleo rico em Canabidiol (CBD), componente da planta que não possui propriedades alucinógenas.
Ele é capaz de controlar as descargas dos neurotransmissores, o que consequentemente pode reduzir tanto a intensidade das crises como a frequência delas.
Isso porque ele possui propriedades anticonvulsivantes, analgésicas e antiinflamatórias além de poder atuar como um neuroprotetor.
Há casos de pacientes que relatam uma melhora já nos primeiros meses, com uma redução cada vez menor de convulsões.
Em muitas situações, elas tendem a desaparecer em alguns anos. Mas assim que o tratamento com o fitofármaco é retirado, as crises podem voltar novamente.
A cannabis medicinal também tem efeitos colaterais, no entanto, são bem menores que os efeitos de remédios antiepilépticos. Eles variam entre sonolência e relaxamento muscular.
Além de uma grande variedade de estudos que mostram a efetividade do óleo da planta em casos de epilepsia refratária, vários testes clínicos têm constatado a eficácia da cannabis na Síndrome de Dravet também.
Um estudo feito em 2017 pela The New England Journal of Medicine, por exemplo, mostrou que a cannabis foi útil para, pelo menos, reduzir a quantidade de crises dos pacientes de mais da metade dos pacientes.
O canabidiol ainda garantiu que 5% dos pacientes ficassem livres das crises.
Outro ensaio clínico feito em 2013 no Centro Médico Langone da Universidade de Nova York e na Universidade da Califórnia em São Francisco, testou a cannabis em 27 jovens, adultos e crianças com crises resistentes a medicamentos.
O estudo, disponível no site do Conselho Federal de Medicina, mostrou que 9 dos participantes tinham a Síndrome de Dravet. Eles passaram a receber o óleo de CBD diariamente, junto ao tratamento convencional.
A média de redução das crises para pacientes com a síndrome foi de 52%.
Outra pesquisa feita em 2018 em Toronto, no Canadá, foi além. O uso da cannabis foi testado não só com o canabidiol, mas também com outro canabinoide bastante estigmatizado, o tetraidrocanabinol (THC).
Ele é o principal responsável pelos efeitos alucinógenos da maconha, mas por outro lado, também é bastante útil na medicina para doenças como o Alzheimer, por exemplo.
Muitas vezes a mistura dos canabinoides ajuda a potencializar o efeito desejado, no chamado Efeito Entourage, também conhecido como Efeito Comitiva.
O óleo de CBD com THC foi administrado em 19 participantes com a síndrome por 20 semanas.
A conclusão deste estudo também foi positiva. Além das crises diminuírem, houve uma melhora na qualidade de vida e a comprovação da segurança do THC.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Facom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós doutoranda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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