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A quem interessa a regulamentação da cannabis?




A regulamentação do mercado de cannabis medicinal no Brasil é um tema que desperta fortes debates e expõe interesses distintos entre os setores farmacêutico, médico e de políticas públicas. 

A quem interessa a regulamentação da cannabis?

A quem interessa a regulamentação da cannabis?

A recente solicitação da Sindusfarma para revogar a RDC 660 da Anvisa, que permite a importação de produtos à base de cannabis para uso pessoal mediante prescrição, reacende uma questão central: quem se beneficia — ou se prejudica — com as atuais normas e potenciais revisões para o mercado de cannabis medicinal no Brasil?

A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 660, criada em 2022, abriu caminho para que pacientes com indicação médica importem diretamente produtos de cannabis, atendendo a uma demanda crescente por terapias com formulações ricas em canabinoides como CBD (canabidiol), THC (tetrahidrocanabinol), CBG (canabigerol) e CBN (canabinol). 

Essa norma trouxe um alívio para muitos pacientes que não encontravam nas farmácias brasileiras alternativas suficientes ou economicamente viáveis. 

Contudo, a Sindusfarma argumenta que a RDC 660 compromete o controle de qualidade e segurança ao permitir a entrada de produtos que não passam pelos mesmos critérios exigidos para aqueles produzidos e comercializados em território nacional, como previsto na RDC 327.

Bom ou ruim?

De um lado, a Sindusfarma justifica sua preocupação com a proteção da saúde pública, defendendo que as regras de importação precisam ser mais rigorosas para garantir que apenas produtos de qualidade comprovada cheguem aos consumidores brasileiros. 

Em seu pedido de revogação, a entidade sugere que os produtos importados atendam aos mesmos parâmetros de segurança exigidos para aqueles fabricados e distribuídos no Brasil. Isso implicaria monitoramento mais rígido, possivelmente limitando a oferta e elevando os custos dos tratamentos.

Por outro lado, para setores da área médica, a RDC 660 representa uma solução prática ao oferecer maior variedade e alternativas a preços mais acessíveis. 

A revogação dessa norma, segundo alguns especialistas, poderia restringir a diversidade terapêutica e prejudicar diretamente quem depende de formulações específicas para condições como epilepsia refratária, transtornos neurológicos e dores crônicas. 

A defesa por uma regulamentação que permita a entrada de produtos diversificados e de baixo custo parece estar alinhada com o princípio da autonomia do paciente, assegurando a liberdade de escolha quanto ao tratamento.

Entre preços, cultivos, acessos e limitações

Nesse contexto, surge a questão de a quem realmente interessa uma regulamentação mais restritiva. Seria isso um benefício para a indústria farmacêutica nacional, que visa proteger o mercado interno contra produtos importados? Ou poderia, de fato, resultar em maior segurança para os pacientes, eliminando possíveis riscos de uso de produtos com eficácia não atestada localmente? 

Há também a questão da soberania de mercado, que sugere que a verdadeira solução poderia ser a regulamentação do cultivo e da produção de cannabis no Brasil. Incentivar uma cadeia produtiva nacional resolveria parte do dilema, democratizando o acesso aos canabinoides e criando um sistema de monitoramento e controle mais robusto.

No cerne dessa discussão está o equilíbrio entre controle de qualidade e acessibilidade. A RDC 327, que regulamenta os produtos à base de cannabis de produção nacional, exige dos fabricantes um rigoroso processo de avaliação e comprovação de eficácia. 

 Esses requisitos trazem segurança, mas também aumentam os custos e limitam o número de produtos disponíveis no mercado. A RDC 660, ao permitir a importação de produtos variados sem as mesmas exigências, atende uma população que necessita de tratamentos mais personalizados e enfrenta desafios financeiros para custear medicamentos nacionais.

Regulação do cultivo como alternativa

Contudo, a revogação da RDC 660 pode resultar em um controle de mercado que beneficia as grandes farmacêuticas, limitando o acesso àqueles que podem pagar por produtos certificados localmente. 

Esse cenário contrasta com a realidade de muitos brasileiros que, sem alternativas acessíveis, recorreram ao Judiciário para assegurar tratamentos com cannabis, questionando a quem, de fato, beneficia a exclusão de produtos importados. Seria a população mais carente prejudicada por essa exclusão de produtos acessíveis e funcionais?

Apesar do pedido do Sindusfarma, a Anvisa já indicou que a norma não será alterada por enquanto. Com isso, mantém-se a possibilidade de importação de produtos à base de cannabis para uso pessoal, garantindo acesso a uma variedade de formulações terapêuticas que ainda não estão disponíveis no mercado nacional.

De toda forma, a regulamentação do plantio e da produção nacional de cannabis poderia ser um ponto de conciliação. 

Essa medida beneficiaria o país com a geração de empregos e a criação de uma indústria tecnológica nacional, ao mesmo tempo em que garantiria uma oferta regulada e acessível de medicamentos, atendendo tanto às necessidades terapêuticas quanto aos critérios de segurança defendidos pelo setor farmacêutico. 

No entanto, as barreiras ideológicas e legislativas ainda dificultam que esse cenário avance de forma prática e organizada.

Quem está interessado?

A quem realmente interessa, então, a regulamentação do mercado de cannabis medicinal no Brasil? É um questionamento que envolve diferentes setores da sociedade e aponta para a necessidade de uma legislação equilibrada, que atenda tanto à proteção da saúde pública quanto ao direito do paciente ao acesso a tratamentos eficazes e personalizados. 

A manutenção da RDC 660, com possíveis ajustes de segurança, ou uma regulamentação para o cultivo nacional de cannabis poderiam se tornar passos fundamentais para garantir que essa regulamentação não se torne um obstáculo, mas sim uma ponte para a autonomia terapêutica e a democratização do acesso à saúde.

A atual discussão entre a Sindusfarma e as vozes favoráveis à RDC 660 revela mais do que uma simples disputa regulatória: expõe uma tensão entre interesses econômicos, direitos individuais e o desafio de criar um sistema de saúde que seja, ao mesmo tempo, seguro, inclusivo e economicamente sustentável. 

Texto escrito porEduardo Rodrigues em colaboração com GCClass

Sobre as nossas colunas

As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

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Dra. Pamela Godoy⁩ e Dra. Taís Corrêa são sócias fundadoras do Correa Godoy Advogados, escritório especializado em Direito da Saúde, com foco no Direito Canábico. A frente também do CG Class, uma empresa dedicada a educação Cannabica, são as idealizadoras de cursos e mentorias que contam com o olhar jurídico e apurado de quem tem mais de 10 anos de experiência. Mentoras da comunidade CGCLUB, um grupo jurídico dedicado as soluções jurídicas para os desafios que se apresentam diariamente nessa jornada. Juntas, elas têm como missão garantir o direito à saúde, a livre exploração de atividade econômica, buscando a reparação social da Cannabis, fazendo dessa causa uma motivação diária para atingir todos os seus objetivos.