Com uma doença degenerativa, as expectativas de vida e de funcionalidade de Agusto Saraiva eram baixas. Mas hoje, o aposentado faz até trilha
Todo dia eu acordo em um corpo novo
Augusto Saraiva foi colunista da Cannalize em 2022. Na época, ele escreveu apenas um texto, pois seus movimentos estavam cada vez mais limitados e já tinha dificuldades para usar as mãos.
Mesmo utilizando a cannabis como tratamento, Saraiva, que possui uma doença rara e progressiva, passou a utilizar cadeiras de rodas para se locomover. Aos poucos era necessário cada vez mais ajuda para necessidades básicas.
Mas em 2024 parece que alguma coisa mudou. De repente, o homem que precisou utilizar até um óculos especial para mexer no celular, estava bem outra vez. Os movimentos voltaram, ele deixou a cadeira de rodas. E no começo deste ano, se arriscou até a fazer uma trilha.
Augusto Saraiva descobriu uma doença rara ainda na adolescência. A chamada Deficiência de Carnitina-Palmitoil Transferase do tipo II tem pouco mais de 300 casos no mundo todo. Bem parecida com a Esclerose Múltipla, causa fortes dores por todo o corpo, espasmos, rigidez muscular e distonia.
A condição impede a produção de enzimas para conversão em energia e infelizmente é progressiva. Dessa forma, aos poucos Saraiva, que é aposentado por invalidez, foi perdendo os movimentos do corpo.
O diagnóstico só veio depois de uma amostra de sangue que precisou ser analisada na Holanda, onde foi realizado um sequenciamento genético. Ainda assim, não tinha muito o que fazer. A sua expectativa de vida não passava dos 25 anos.
O aposentado precisou passar por 27 medicações para tratar as dores e os espasmos que não lhe permitiam fazer tarefas simples, como cozinhar. Em 2018, ele chegou ao ponto de ficar em um estado semivegetativo.
Bem resistente à cannabis medicinal por causa dos preconceitos que ainda tinha, só passou a utilizar a planta quando a sua situação ficou extrema. A morfina havia parado de fazer efeito e ele já estava tolerante aos opioides.
A maconha comprada de forma ilícita foi o que ajudou a tratar as dores. Não demorou muito para deixar o medicamento de lado, os demais remédios também foram sumindo aos poucos.
Ele passou a fazer uso do óleo de CBD (canabidiol) por recomendação médica. Embora ajudasse a relaxar os músculos, não era muito útil para as dores. Foi então que o apesentado percebeu que precisava de um produto único, específico para ele.
Diferente dos medicamentos tradicionais, a cannabis atua de forma diferente em cada pessoa. Dessa forma, encontrar uma dosagem ideal pode levar meses. No caso de Saraiva foi assim Ele precisa de uma quantidade grande de cannabis.
Todo dia eu acordo em um corpo novo
Mas sem encontrar um produto que o ajudasse de alguma forma, ele foi obrigado a plantar. A princípio, entrou na justiça para que o estado para garantir um tratamento pelo sistema de saúde, mas a justiça passou a responsabilidade de volta para ele.
Mesmo com limitações, precisou criar uma estufa na sala de estar para cultivar as suas plantas e fazer o óleo depois que conseguiu um habeas corpus. Trata-se de um documento que permite o cultivo de cannabis sem ser preso por isso.
“Uma pessoa com uma doença de alta complexidade, como eu, como a Fran (sua companheira), nós precisamos de uma grande quantidade (de canabinoides). Tal que nós temos autorização hoje para 400 plantas”, destaca.
Embora a cannabis medicinal retardasse a progressão da doença, ela ainda estava lá, evoluindo aos poucos. Saraiva conta que fez experimentos, aumentou as doses, mas ainda assim, sentia a progressão da doença.
Mesmo depois de ter saído do estado semivegetativo para um andador, a condição rara voltou a progredir de novo. Em 2022, ele já precisou usar a cadeira de rodas mais uma vez.
“Eu estava fazendo o uso do óleo, conseguia controlar a dor, conseguia controlar algum sintoma, mas sempre, em algum momento eu atingia o limite.”, acrescenta.
Mas no ano passado, um novo personagem entrou na história do aposentado: a Juba de Leão. Trata-se de um tipo de cogumelo não psicotrópico utilizado para uma série de problemas, principalmente relacionada à saúde mental.
O cogumelo, facilmente achado na internet, também é conhecido por acelerar a recuperação de danos nos nervos e estimular crescimento de células nervosas, que podem ajudar em doenças como Parkinson.
Saraiva comentou com a Fran, sua companheira, que tinha um amigo que insistiu que ele devia tomar Juba de leão e ela foi estudar sobre o assunto. Autista e superdotada, a servidora pública entrou no hiperfoco de pesquisar sobre os cogumelos e estudou mais de 50 artigos em uma semana.
“A gente descobriu que ele (o cogumelo) agia como um catalizador do efeito canabinoide. Então ao invés de aumentar a minha dose de canabinoides, eu passei a diminuir”, acrescenta. “Eu consegui o mesmo efeito da cannabis com doses menores se combinada ao cogumelo”.
Augusto Saraiva ainda entrou em contato com a farmacêutica responsável pela empresa que fornecia a Juba de Leão e perguntou como o cogumelo agia no corpo. Também se poderia aumentar a dose aos poucos a resposta foi positiva.
Com a combinação das substâncias, cuidadosamente feita a partir de testes, há dois anos e meio, os sintomas parecem ter regredido de forma considerável. Suas mãos voltaram a ser funcionais, não precisa mais de uma cadeira de rodas. Hoje ele se locomove com facilidade.
“E como a minha doença é uma doença metabólica, a gente acredita que a ação que ele, que ele produz é uma ação mitocondrial. Porque as dificuldades que eu tinha, de processar alimentos, de comer coisas com gordura, já não tenho nada.” relata.
Recentemente, fez até uma trilha, algo inimaginável para a sua condição. Mesmo sendo um percurso curto, a aventura permitiu que ele chegasse até uma cachoeira na Chapada dos Veadeiros. Algo que talvez nunca mais fosse ver na vida.
Todo dia eu acordo em um corpo novo
Agora, o aposentado está conhecendo um corpo novo a cada dia. A coluna e as articulações, que antes eram travadas sem movimentos, de repente estavam melhores. Os músculos que estavam rígidos e atrofiados também voltaram a se desenvolver.
Se antes tinha que fazer força para segurar uma xícara, hoje a facilidade o assusta. Não são raras as vezes em que derruba café em si por desconhecer o próprio corpo.
Augusto Saraiva ainda tem medo de que possa regredir novamente, mas sabe que a vida é um dia de cada vez. Se já superou a expectativa de vida de 25 anos, os dias em que pode ser funcional são um lucro.
“É assustador. O medo do desconhecido se tornou minha rotina diária. Porque todo dia que eu acordo e eu estou em um corpo novo. Eu passei 30 anos atrofiando agressivamente e agora ele está mudando a cada dia que passa.”, acrescenta.
Além da doença, Augusto Saraiva precisava passar por um outro desafio: uma espécie de prisão domiciliar por cultivar cannabis.
Morador de Porto Alegre, precisou se mudar para Brasília, por causa do emprego da sua companheira. Mas o seu documento só permitia o cultivo no Rio Grande do Sul. E por isso, precisou pedir um novo habeas corpus para continuar fazendo o seu remédio.
O novo juiz até permitiu que ele cultivasse cannabis, mas não podia sair de casa com os produtos e nem falar sobre o tratamento nas redes sociais. Augusto conta que até as visitas estavam proibidas. Ninguém que não morasse na sua casa poderia entrar.
Mas o problema é que ele precisava levar o remédio aonde fosse. “Quem está precisando de fisioterapia, como é que sai na rua? Se eu sair sem, eu morro”, acrescentou.
Contudo, junto ao advogado Victor Miranda Reis, o aposentado recorreu ao TRF (Tribunal Regional Federal) e conseguiu derrubar as restrições no final do mês passado.
O advogado o auxiliou em todos estes anos e, além disso, garantiu um habeas corpus vitalício. Agora ninguém pode o impedir de produzir o seu remédio.
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Tainara Cavalcante
Jornalista pela Fapcom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós graduada na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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