Zolpidem x cannabis: a diferença entre tratar sintoma e a causa das doenças

Zolpidem x cannabis: a diferença entre tratar sintoma e a causa das doenças

Sobre as colunas

As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

Uma boa noite de sono pode ser revigorante, mas essa receita para a qualidade de vida não pode depender de um agente que gera tantos riscos

Ilustração: Freepik

A insônia é o distúrbio do sono mais comum que existe. Segundo um estudo realizado por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) e da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e publicado na revista científica Sleep Epidemiology, mais de 65% da população brasileira relata problemas relacionados ao sono. 

A insônia não é caracterizada como doença em si, mas sim um distúrbio do sono, que é uma doença, porém, geralmente, este problema para dormir é o sintoma de alguma outra questão de saúde. Mesmo assim, a insônia é preocupante e precisa de tratamento.

Outro artigo científico, publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria, mostra o hemitartarato de zolpidem, da classe dos hipnóticos, como um dos mais populares fármacos para indução do sono

O zolpidem atua num receptor dos nossos neurônios e mexe com um químico cerebral chamado ácido gama-aminobutírico, também conhecido pela sigla Gaba.

A publicação científica aponta o medicamento como o hipnótico mais prescrito no mundo, e sua principal indicação é para rápida indução, com efeito na consolidação do sono. 

O artigo alerta que o medicamento deve ser usado por um curto período — no máximo, quatro semanas — por quem tem dificuldades para dormir ou manter o sono por um tempo adequado. 

Uso indiscriminado

No entanto, com a recorrência da insônia entre jovens adultos, o uso indiscriminado do medicamento cresce.

Uma reportagem do G1 aponta que, segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), entre 2011 e 2018, a venda do fármaco cresceu 560% no Brasil. 

“É uma opção interessante para situação de insônia inicial, onde o paciente tem dificuldade para iniciar o sono, mas se torna indiscriminado quando não segue uma estratégia de adaptação e de tratamento da causa, não só do sintoma”, comenta o neurologista André Millet, médico pela Fundação Técnico Educacional Souza Marques desde 2012, pós-graduado em Neurologia pela Ipemed (Instituto de Pesquisa e Ensino Médico). 

Mas tão preocupantes quanto a insônia são os efeitos adversos do zolpidem.

Depoimentos levantados pela reportagem do G1 mostram situações que poderiam ser consideradas como tragicómicas. 

Segundo a reportagem, há relatos de pacientes que estouraram o cartão de crédito comprando viagens que não se podem pagar, de pessoas que enchem o carrinho de compras on-line ou pesquisam preços de “máquinas necessárias para abrir uma padaria” entre outras atitudes tidas por quem faz o uso indiscriminado de zolpidem. 

A bula do medicamento alerta que há risco em dirigir, operar máquinas ou ter qualquer atividade intelectual sob seu efeito: “deve-se evitar atividades que exijam atenção e habilidades manuais e intelectuais durante este período, pois elas poderão estar prejudicadas…Pode haver a possibilidade de risco de reações adversas incluindo sonolência, tempo de reação prolongado, tontura, visão borrada ou visão dupla e redução do estado de alerta e condução prejudicada na manhã seguinte à administração de zolpidem.”

Aumentar a dosagem por conta própria também é um abuso irresponsavelmente comum entre os usuários de zolpidem.

O neurologista André Millet alerta:  “se você aumentou a dosagem por conta própria porque te disseram que ‘dá barato’, existe uma chance considerável de você experimentar efeitos adversos bem ruins, como sonambulismo e amnésia.”

Tratar a causa

Outros problemas trazidos pelo uso irrestrito do zolpidem são a sedação residual, (sonolência diurna ou dificuldades para acordar) e o potencial de tolerância, ou seja, a resistência que o corpo vai criando aos efeitos do medicamento, como informa o neurologista André Millet.

“Com o tempo, o corpo exige maior quantidade para obter o mesmo efeito e, uma vez que você regularmente está fornecendo o estímulo para dormir, ele se regula, ‘desligando’ o próprio mecanismo natural indutor do sono”, explica.

O médico alerta: “Qualquer uma das opções farmacológicas agem no efeito, quando o que precisa da maior atenção é a causa. Ansiedade, estresse, estímulos visuais, sonoros, depressão, má alimentação, excesso de estimulantes… a maioria dos quadros de insônia são acompanhados de hábitos de vida ruins.”

André acredita que o uso do medicamento “deveria seguir uma estratégia de adaptação”, e o uso ideal do zolpidem seria para queixas específicas e pontuais, como a ‘dificuldade para pegar no sono’, numa pessoa que precisa de performance em trabalho ou estudo. 

“É fundamental combater a causa. Você dá suporte medicamentoso enquanto o paciente vai aprendendo a equilibrar naturalmente os neurotransmissores, e tratando a causa base, por exemplo, com psicoterapia.”

Cannabis como tratamento da insônia

Um dos efeitos mais comumente associados ao uso da cannabis é a sonolência, mas para além do senso comum, muito se estuda para identificar o potencial da planta no tratamento de distúrbios do sono.

Exemplo disso é um estudo publicado em abril de 2020, no periódico Experimental and Clinical Psychopharmacology e realizado na Universidade da Austrália Ocidental, que apontou uma melhora de 36% nos voluntários que receberam a cannabis no tratamento da insônia crônica.

Outro estudo, publicado em 2014, no Jornal of Psychopharmacology, mostrou que o CBD (canabidiol) pode aumentar o tempo de sono.

O funcionamento é simples: o SEC (Sistema Endocanabinoide) é responsável por estabelecer uma comunicação entre o cérebro e os processos do organismo. Através deste sistema, os canabinoides elevam a biodisponibilidade de um neurotransmissor chamado serotonina, que regula o sono e outros processos do corpo. 

Além da serotonina, os canabinoides trazem níveis de equilíbrio a outros neurotransmissores, como a anandamida, dopamina e endorfina, ou seja, substâncias que controlam a fome, o humor, a memória e muito mais, que também estão ligados, mesmo que indiretamente, à regularidade do sono.

Para o neurologista André Millet, o tratamento com cannabis deve servir a quem tem “uma visão menos alopática”, ou seja, quem queira tratar a raiz do problema, e não queira apenas tratar um dos sintomas.

A justificativa para o tratamento da insônia com a cannabis está nos “resultados em longo prazo”, diz o neurologista.

“Bem ajustados, os componentes do óleo ‘brilham no ajuste fino’. Uma configuração racional de canabinoides te permite ter um melhor controle dos efeitos colaterais. Com a cannabis você consegue aproveitar uma ansiólise [diminuição da ansiedade] mais leve durante o dia, sem necessariamente induzir o sono, e consegue uma dose noturna com maior potencial sedativo.” 

E a lista de benefícios em longo prazo se estende: “A cannabis combate a dependência de álcool, a dor lombar de longa data e uma lista enorme de ‘pequenos’ problemas que vão se acumulando, enquanto que o zolpidem ‘só faz dormir’”, finaliza o médico.

Consulte um profissional

É importante ressaltar que qualquer produto feito com a cannabis precisa ser prescrito por um profissional de saúde habilitado, que poderá te orientar de forma específica e indicar qual o melhor tratamento para a sua condição.

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