Para quem vê de fora, Amsterdã parece um paraíso para os amantes da maconha – uma cidade onde as pessoas podem se divertir na névoa de seus cafés icônicos, compartilhando baseados ou comendo bolos especiais em uma nação que parece ter aperfeiçoado um vibrante mercado de cannabis.
Mas isso está longe de ser verdade. Embora revolucionário quando começou há 50 anos, o modelo holandês de cannabis está cheio de problemas.
Como, por exemplo, a venda de maconha em seus cafés, que na verdade é ilegal de acordo com a lei da UE (União Europeia). Isso criou um mercado paralelo, o que levou ao aumento do crime organizado.
Houve apelos generalizados para ajustar o sistema, mas até agora pouco foi feito.
Em outras partes do mundo, a legalização da cannabis está avançando rapidamente, como no Canadá, Uruguai e 21 estados dos EUA. A Europa parecia ter ficado para trás até que a Alemanha anunciou recentemente um plano para legalizar a cannabis.
Por enquanto, o país terá de enfrentar as rigorosas leis da UE e criar uma infraestrutura totalmente nova, mas, se for bem sucedida, poderá servir de modelo para o resto do continente, incluindo seu vizinho pioneiro.
Contudo, a famosa associação holandesa com leis mais brandas sobre a cannabis começou na década de 1970, quando o país descriminalizou a substância, com base nas recomendações de uma comissão estadual de drogas.
Desde 1976, o país permite que as cafeterias vendam até 5 gramas de maconha aos clientes para consumo no local. Embora alguns municípios tenham restringido essa prática, a lei floresceu em Amsterdã, que possui um terço das lojas do país.
Inicialmente, o movimento pretendia isolar o mercado de substâncias leves, criando um espaço seguro para os jovens comprarem maconha sem interagir com traficantes de rua, que também os apresentariam a substâncias mais pesadas. “Antes disso, era o Velho Oeste”, diz Stijn Hoorens, líder sênior de pesquisa da RAND Europe.
Mas o sistema da cafeteria é meramente “simbólico”, diz Hoorens. A política (conhecida em holandês como gedoogbeleid ) não é tecnicamente legal, mas é “tolerada” porque, embora a lei da UE não permita o uso de cannabis para fins recreativos, ela deixa as penalidades para cada estado membro.
O governo holandês declara oficialmente que comercializar é uma ofensa criminal, mas optou por não processar as cafeterias por isso.
O sistema inicialmente mostrou alguns benefícios: atraiu o turismo e gerou cerca de 400 milhões de euros (cerca de R$ 220 bi) anualmente em receita tributária.
Mas existe o que os holandeses chamam de “problema da porta dos fundos”. Como o cultivo de cannabis para venda ao público ainda é ilegal, as cafeterias recebem suprimentos do mercado paralelo– para o qual as autoridades fecham os olhos.
Deixar de regular foi “um grande erro de projeto”, diz Hoorens.
Para o crime organizado, é um mercado seguro e estável, porque os perpetradores sabem que a polícia não está cumprindo as leis.
Com o tempo, à medida que a produção ilegal cresceu em grande escala, a Holanda tornou-se um centro para drogas mais pesadas das Américas – e um lar para a produção de drogas sintéticas como MDMA (ecstasy).
“Todo mundo na Holanda acredita que é uma situação insustentável que não pode continuar”, diz Blickman.
Isso motivou um impulso político para a mudança, particularmente nas últimas duas décadas.
Amsterdã agora proíbe a abertura de novas cafeterias (as lojas diminuíram de cerca de 400 na década de 1990 para 160 hoje). Além disso, cidades fronteiriças no sul estão aplicando licenças que proíbem não residentes de comprar em lojas.
Em outubro de 2022, a prefeita de esquerda de Amsterdã, Femke Halsema, pediu ao conselho municipal que tomasse a mesma medida para proibir os turistas de frequentar cafés, mas votou contra a medida.
A maior cidade holandesa quer limpar sua imagem de sexo e turismo de drogas para um “modelo de turismo de ponta”, diz Hoorens.
Por isso, Halsema é a favor da legalização da maconha, concordando que isso reduziria o crime organizado e eliminaria algumas de suas preocupações com a desordem pública.
Ainda assim, o movimento em direção à legalização nacional tem sido lento, já que o país está de mãos atadas pela UE, que proíbe o cultivo ou a venda de maconha.
Durante a formação das fronteiras abertas da União Europeia, a França e a Alemanha argumentaram que suas políticas dificultavam o cumprimento de suas próprias leis sobre drogas – o que pode ser o motivo pelo qual os holandeses têm resistido em assumir a liderança na legalização desde então.
Agora, a Alemanha está fazendo seus próprios movimentos. O país, que é a maior economia da UE e compartilha uma fronteira com a Holanda, anunciou em outubro que planejava legalizar totalmente a maconha.
É um plano ambicioso que vai muito além do atual modelo holandês. Isso legalizaria a posse de até 30 gramas, o cultivo pessoal de até três plantas em casa e, principalmente, o cultivo para venda pública em dispensários ou farmácias licenciadas.
Blickman observa que os alemães não querem o sistema holandês – “e eles estão certos, porque é uma loucura.”
Mas a Alemanha enfrentará uma pressão da UE. Até agora, Malta é o único país que legalizou a maconha, mas apenas para uso pessoal, e não há dispensários (a droga circula por “clubes de maconha”, onde os membros a distribuem entre si).
Luxemburgo anunciou planos de legalização em 2018, mas teve que voltar atrás depois de ir contra as leis da UE. O mesmo destino pode aguardar a Alemanha, que estabeleceu uma meta de 2024 para a legalização total.
A UE disse que julgará a viabilidade do plano apresentado pela Alemanha.
“No momento, para ser honesto, não consigo ver como eles aprovariam isso”, diz Hoorens. Se a Alemanha quisesse lutar contra uma decisão dissidente, isso exigiria o uso de capital político – e aliados de nações afins – para denunciar as Convenções de Drogas da ONU ou forçar uma mudança na lei europeia.
“Esse é realmente um obstáculo difícil, mesmo para a Alemanha, o maior e mais poderoso país da UE”, diz Blickman.
Mas na Holanda a mudança está finalmente se formando. Em 2017, o governo organizou um experimento de vários anos para ver como a legalização se sairia.
O experimento, previsto para ser lançado este ano, essencialmente vai descriminalizar o cultivo para consumo público.
Ele vai estabelecer uma cadeia doméstica de fornecimento de cannabis fechada com várias empresas de cultivo de cannabis pré-selecionadas, principalmente para limpar o mercado clandestino e o crime associado.
Projetado com informações de epidemiologistas, especialistas em vícios, acadêmicos em crime e direito e saúde, o experimento também visa proteger a saúde pública e a segurança dos jovens e melhorar a ordem pública.
O governo escolheu 10 produtores de cannabis de origens variadas (nenhum que tenha participado do mercado paralelo). Durante quatro anos, esses produtores abastecerão todas as cafeterias de 10 municípios holandeses, incluindo alguns arredores de Amsterdã, representando uma população de cerca de 1,5 milhão.
Os resultados deste estudo – que vai considerar tudo, desde atendimentos de emergência a reclamações sobre desordem pública em torno de lojas – serão comparados com sete municípios de controle.
Mas o trabalho de campo do projeto só começará em meados de 2023 e com quatro anos para completá-lo. Nada mudará até 2027, no mínimo (e pode ser estendido por mais 18 meses para a coleta de mais dados).
André Knottnerus, doutor em epidemiologia e pesquisador da Universidade de Maastricht e presidente do Conselho Científico para Políticas Governamentais, que chefiou o comitê do experimento, diz que quatro anos não são grande coisa.
“Não é uma corrida. Eu ainda acho que vale a pena ter mais tempo. Depois de legalizar totalmente, é muito difícil melhorar o processo.”
Ele está otimista de que isso provavelmente trará algum progresso, porque seria difícil para o governo justificar o retorno a um sistema totalmente ilegal.
Mas se a Alemanha encontrar uma maneira de romper a burocracia da UE, Stijn acredita que o governo holandês poderia contornar o experimento e se mover para igualar seu vizinho. “[A Alemanha] é altamente influente. Acho que isso terá ramificações consideráveis para o resto da Europa”.
Ainda assim, Knottnerus duvida que a Alemanha terá uma vida fácil e aconselhou o governo alemão a fazer um experimento semelhante ao da Holanda, principalmente porque o país não possui infraestrutura de cannabis existente.
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Tainara Cavalcante
Jornalista pela Facom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós doutoranda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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