Desde o mês passado, a Comissão Especial de Medicamentos Formulados com Cannabis tem se reunido para discutir o Projeto de Lei 399, que busca regulamentar o uso da cannabis medicinal no país.
Contudo, a proposta tem gerado polêmicas e divisões entre apoiadores e contrários. Não só dentro da câmara dos deputados, mas também por outras esferas da política.
O próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já disse que não irá sancionar o projeto caso chegue as suas mãos.
Aliados do governo que participam da comissão também já deixaram a sua posição bem clara. Na maioria das sessões eles buscam adiar a pauta, alterar o texto ou até mesmo trocar os membros do colegiado.
Isso porque a maioria dos membros é a favor do projeto de lei. Na última sessão, o deputado Eduardo Costa (PTB-PA) foi ameaçado de expulsão pelo seu próprio partido por se posicionar a favor.
Um dos principais nomes contrários ao Projeto de Lei é o deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que se posiciona contra o projeto de forma firme há anos.
O seu principal argumento é o de que a única comprovação científica está no canabidiol (CBD) isolado, onde os demais componentes da planta não passaram por testes clínicos.
Contudo, a afirmação não é verdadeira. Estudos já têm mostrado que a ação dos canabinoides da planta juntos pode potencializar em até 10 vezes o efeito medicinal da planta.
O chamado Efeito Entourage está até no segundo produto à base da planta aprovado no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Segundo o psiquiatra e professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR) Wilson Lessa, as evidências não são apenas para o tratamento de crises convulsivas, mas também para dores crônicas, espasticidade por causa da esclerose múltipla e até para náuseas e vômitos provocados pela quimioterapia.
Condições que por sua vez, são tratadas com o tetraidrocanabinol (THC), componente da planta que gera os efeitos da maconha.
O professor Wilson Lessa lembrou que Osmar Terra ainda disse que mais de 200 países da Organização das Nações Unidas são contra o plantio de maconha. Contudo, a entidade conta com apenas 193 países membros.
Sem contar que vários países como Estados Unidos e Canadá já faturam bilhões com o plantio.
O deputado também disse que não existe maconha medicinal. Contudo, como mencionamos acima, várias evidências mostram que não só o canabidiol, mas outros componentes da planta também tem propriedades terapêuticas.
“Para que Israel criou em 2013 uma Agência Israelense de Cannabis Medicinal se não existe uso terapêutico?”, indagou o professor Lessa.
Outro argumento usado na última sessão da comissão foi o de que a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) não recomendou a distribuição da cannabis medicinal no Sistema único de Saúde.
Embora em partes seja verdade, a história não é bem assim. O que o órgão não recomendou foi a adesão do Canabidiol da Prati-Donaduzzi, o primeiro produto a ser aprovado no país.
Sem contar que cada organismo funciona de forma única, por isso, pode precisar de concentrações e canabinoides diferentes. O óleo não seria eficaz para todos os pacientes, mesmo em casos de convulsões.
Assim como vários governistas, o deputado Paulo Gonçalves (PP) argumentou que o plantio no Brasil, que faz parte do projeto de lei, vai facilitar o tráfico.
“ Eu como médico há 40 anos, tenho convicção de que a gente coloca a população brasileira em vulnerabilidade com a plantação” disse na sessão.
Contudo, a proposta prevê um plantio estritamente rigoroso, com critérios de segurança do cultivo para fins medicinais bem rígidos, para que a possibilidade de tráfico seja bem difícil.
“Para se ter uma ideia, você terá que estabelecer cotas de quantas plantas irá cultivar e reportar o quanto colheu para o governo. Eu não vejo que não vai facilitar o tráfico.” acrescenta o consultor jurídico na área de regulamentação de saúde, inclusive de cannabis, Pedro Gabriel Lopes.
Em uma de suas falas, Diego Garcia (Podemos – PR) disse que autorizar fitofármacos não era papel do congresso, mas da Anvisa. E que o mais viável seria distribuir o remédio à base de cannabis no SUS.
“O caminho lógico para a incorporação de um medicamento não é o congresso nacional, mas a indústria e a Anvisa. Depois vai para a análise da Conitec e lá vamos saber se será incorporado ou não (no SUS).
No entanto, as coisas não são bem assim. O consultor jurídico Pedro Gabriel Lopes, ainda lembrou que a Anvisa já se manifestou sobre o assunto, dizendo que não era sua prerrogativa regulamentar a cannabis.
“O objetivo do Projeto de Lei não é aprovar um medicamento, mas viabilizar o cultivo da cannabis para ter matéria prima no Brasil. Hoje já tem uma lei que considera o cultivo da cannabis como ilegal. Não existe nada que regulamente um medicamento específico, mas que se permita a produção de um medicamento no Brasil”, acrescenta.
Ele ainda complementa que não cabe ao congresso delegar a um órgão executivo a responsabilidade de regular um tema.
Na mesma fala, Diego Garcia ainda acrescentou que já há um acesso ao óleo feito da cannabis no Brasil, de acordo com as resoluções 335, 327 e outras RDCs, que determinam as regras para a importação e comercialização da cannabis no Brasil.
No entanto, mesmo com as resoluções de produtos à base de cannabis continuam inacessíveis para boa parte dos brasileiros. Um frasco do óleo não custa menos de 300,00 seja ele importado ou comprado nas farmácias.
O plantio em solo nacional é proposto justamente para baratear o tratamento.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Fapcom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós graduanda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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