Um ano de RDC 327/19: O que mudou?

Um ano de RDC 327/19: O que mudou?

Sobre as colunas

As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

A resolução que permite a produção e venda nas farmácias foi aprovada no final de 2019 e entrou em vigor em março. Contudo os avanços foram poucos.

No finalzinho de 2019 todos comemoraram a aprovação da Resolução 327/19, que autoriza a produção e comercialização de produtos à base de cannabis no Brasil.

Mesmo vetando o cultivo, a RDC era uma esperança para muitas famílias, que só precisariam ter uma receita médica para comprar o óleo de cannabis nas farmácias.

A resolução também prometeu uma facilidade de aprovação, uma vez que ampliou o leque de produção. Não seria apenas a venda só de remédios, mas também de produtos derivados.

Ao contrário do que muitos pensam, sempre foi possível obter o registro de produtos derivados da Cannabis, seguindo as guias e normas de medicamentos. Como o Mevatyl, por exemplo. Primeiro remédio à base da planta no país, obteve o registro em 2017 e atualmente é o único. 

Todos tiveram que esperar ansiosamente os três meses para que ela entrasse em vigor, o que aconteceu exatamente no dia 10 de março de 2020.

Mas o tão prometido “acesso mais fácil à cannabis” só ficou nas expectativas.

Tentativas

A primeira empresa que deu um passo na produção brasileira, foi a Schoenmaker Humako Agri-Floricultura do grupo Terra Viva. No entanto, não durou muito tempo.

Ela tinha conseguido uma liminar na justiça para o plantio e a venda desde dezembro. Mas o pedido foi suspenso um mês depois pelo juiz federal Ilan Presser do Tribunal Regional Federal da 1ª região.

Agora, ela teria que seguir a RDC se quisesse produzir produtos à base da planta no Brasil.

A princípio, antes de ser aprovada, a RDC contemplava também o cultivo, mas para que ela seguisse adiante, o tópico teve que ser retirado.

Contudo, ainda em abril, a Prati-Donaduzzi obteve o direito de produção e venda de produtos à base de cannabis. Com uma matéria prima de fora, o produto chegou com um preço bem salgado. Custando dois salários mínimos.  

Até agora, outras nove empresas também pediram autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas encontram uma série de dificuldades. Duas delas até desistiram do processo.

Segundo Camila Teixeira da Indeov, empresa que também tenta um registro, desde que chegaram ao Brasil em 2016 eles sabiam que não seria fácil. Mas o mais complicado era não ter um norte.

 “Por muito tempo ficamos no limbo em relação aos caminhos para a obtenção de registros desses produtos, se seguiram as resoluções dos medicamentos, fitoterápicos ou de suplementos alimentares.”, complementa. 

Mas também acrescenta que não é o ideal, uma vez que a maioria dos países não segue padrões tão rigorosos quanto os da Anvisa. 

Os pedidos estão sendo analisados pela pela Gmesp – Gerência de Medicamentos Específicos, Fitoterápicos e Gases Medicinais. Segundo a Anvisa, são pequenos detalhes, como alguns esclarecimentos e complementação de documentos, mas que não recusou nenhuma.

 “Não houve até o presente momento, nenhuma negativa por parte da Anvisa, dos pedidos de autorização sanitária de produtos de Cannabis, nos termos da RDC 327/2019. Diante deste cenário, não foi concluída nenhuma outra análise com publicação da decisão final pela Anvisa, impossibilitando estabelecer o tempo médio de resposta.” Disse em nota.

Fora a Prati-Donaduzzi, há um ano a agência diz que não negou nenhum pedido, mas também não autorizou.

Há pouco tempo a farmacêutica também conseguiu aprovar mais dois produtos à base de canabidiol (CBD) pela resolução.

Sem contar que o seu primeiro fitofármaco à base da planta pode entrar no rol de medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a tramitação está na fase de consulta pública. 

Camila Teixeira acrescenta que a Indeov ainda não desistiu e espera poder entrar com o pedido de análise na Anvisa no segundo semestre do ano. 

“Não desistiremos. Estamos desde o ano passado preparando a documentação. Fizemos uma longa validação técnica de fornecedores internacionais, que atendessem aos requisito da nova resolução, bem como diversos estudos financeiros para viabilizar a entrada de um produto competitivo no mercado”

As pessoas ainda preferem importar

Apesar da resolução em vigor, elas não compensam para os pacientes, que ainda preferem o óleo importado ao nacional. Segundo dados da Anvisa, os números de importações dos produtos terapêuticos à base da planta são maiores a cada ano.

Atualmente, mais de 14 mil brasileiros têm autorização para a importação.  Segundo a Coordenação de Controle e Comércio Internacional de Produtos Controlados (Cocic), foram mais de 5.100 solicitações de importação só até o mês de junho, 4.314 do ano passado, a mais que o ano todo de 2015.

Contudo, algumas importadoras também têm tido dificuldades com a RDC. No começo deste ano, duas empresas aparecem no Diário Oficial, por não seguirem a resolução para a comercialização de produtos aqui.

Elas foram notificadas e estão em um processo para se adequarem à resolução. Isso porque muitas delas seguem a RDC 335/20, que permite a importação por pessoa física.

Apesar de facilitar a importação, a resolução também é criticada por deixar qualquer produto entrar no Brasil apenas com uma receita médica.

Sem uma legislação precisa, o jeito é recorrer ao óleo ilegal

Por causa de toda a burocracia e das dificuldades, as pessoas acabam recorrendo ao óleo ilegal, que pode ser fornecido pelas associações, cultivadores e até o autocultivo.

Por mais que o plantio seja destinado para saúde e previsto na Lei 11.343/2006, sem uma autorização judicial, ainda é crime, com uma punição que pode chegar até 15 anos de prisão. 

Atualmente dezenas de entidades que oferecem apoio aos pacientes, com médicos, advogados e até o óleo de forma ilegal.  

Fora a Abrace Esperança e a Cultive, todas as outras entidades praticam desobediência civil.

Segundo Gabriel Pietricovsky, as associações nem estão previstas na resolução. “A 327 menciona apenas empresas, não falam das associações. As taxas da Anvisa são previstas de acordo com o tamanho da empresa, como as associações não são empresas, se elas forem se enquadrar na RDC, elas vão pagar a maior taxa. É uma situação difícil”, ressalta.

Mas segundo Felipe Faria da associação Reconstruir, algumas entidades preferem nem entrar na resolução. “A RDC pode ser mudada da noite para o dia, é um cavalo de Tróia. A solução seria criar uma Resolução Exclusiva para as associações.” Acrescenta.

Para ele, o que de fato seria uma solução seria o Projeto de Lei 399/2015, que possui uma cláusula direcionada para as instituições.

Além de ser um projeto para um lei específica e não uma resolução, a proposta também visa o cultivo em solo nacional, tanto para empresas quanto para associações.

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