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Qual a percepção dos meus alunos quando falo sobre a planta?



08/03/2025


Eu não posso dizer da percepção deles sobre a planta, mas posso dizer da minha percepção sobre a percepção deles! Vamos lá!

Qual a percepção dos meus alunos quando falo sobre a planta

Qual a percepção dos meus alunos quando falo sobre a planta

Leciono as matérias Botânica Econômica, Etnobotânica e Etnofarmacologia na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), para os cursos de graduação em Ciências Biológicas e Ambientais, desde 2006. Há 19 anos.

Nestas matérias tem sido cada vez mais comum trazer a pauta sobre a planta Cannabis sativa, tanto do ponto de vista das suas propriedades medicinais, aspectos culturais, religiosos, e de sustentabilidade, entre outras.

Nas aulas discutimos sobre a enorme gama de possibilidades terapêuticas dela, mas também o quanto a planta está envolvida em questões ambientais (remediação, fornecimento de fibras para diversos segmentos industriais, como alternativa para a bioenergia, enfim); além dos usos rituais envolvidos, ao longo da história.

Mas nem sempre foi assim

Em 2016 foi a primeira vez que eu trouxe para a sala de aula a possibilidade de incluirmos nas avaliações, temas relacionados à planta. 

Preciso admitir que fui surpreendida por algum estranhamento! A ideia era dividir a sala em grupos e cada um deveria investigar como era a política, a medicina, os aspectos culturais e legais do uso da planta em cada continente (destacando alguns países). Depois, trazer para discussão na sala de aula. 

E para minha surpresa, três dos 10 grupos não quiseram estudar sobre a planta, e escolheram outros temas para seus seminários avaliativos. Eram jovens na faixa dos 20 anos. 

O que os fizeram se recusar a estudar e discutir as questões envolvendo a planta? Por outro lado, as discussões junto aos que quiseram investigar o tema, foi maravilhosa! Eu aprendi muito sobre o uso nos outros continentes (países).

Precisou de bastante persistência minha

Três anos depois, em 2019, o CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), na pessoa do Prof. Carlini, estava organizando o Simpósio Cannabis Terapêutica no Brasil: erros e acertos, na Faculdade de Direito no Largo São Francisco (USP – Universidade de São Paulo).

Fui convidada por ele para ajudar na organização. e achei oportuno convidar meus alunos, para que pudessem participar de um debate nacional que aconteceu naquele evento; tendo a presença e fala de vários ex-presidentes da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Lamentavelmente nenhum aluno se interessou ou foi ao evento.

Mas eu não desisti. 

E ano após ano, comecei a levar vídeos do Prof. Sidarta Ribeiro nas salas de aula para que pudéssemos debater o tema, depois de assisti-los. Ainda, procurava recomendar que assistissem ao filme ILEGAL: a vida não espera em casa com os pais e familiares e/ou passava um trecho em sala de aula. 

Porque eu sabia que era praticamente impossível assistir àquele filme e não ser “tocado” pelo tema. 

Aos poucos, o mundo foi sendo tocado, porque na casa de várias pessoas existem questões de saúde que podem ser favorecidas com o uso adequado dessa planta. E então começou a ficar mais fácil falar do tema em sala de aula, sem um estranhamento por parte dos alunos

E hoje?

Se por um lado ainda existem vários alunos que se constrangem em falar sobre a planta, por outro, o diálogo em sala de aula tem promovido mudanças nas suas próprias vidas. 

Muitos deles têm buscado médicos para avaliar a possibilidade de seus pais, irmãos, parentes e amigos. Ou até eles mesmos.

Hoje, ao final da minha aula sobre a planta e o Sistema Endocanabinoide, já aparece uma fila com três ou quatro alunos pedindo ajuda em busca de suporte para possíveis tratamentos. 

Casos de autismo, anorexia, convulsões, ansiedade, depressão, são apenas alguns que me lembro neste momento. Alguns desses alunos me mandam mensagens por whatsapp, ou me encontram ao final da aula, agradecendo pela transformação na vida das suas famílias. 

Alguns deles foram tocados com o tema. Tanto que no ano passado, decidiram selecionar artigos científicos, transformá-los em roteiros e fazer vídeos a serem postados no Canal do Youtube e Instagram, CANABinALL: tudo sobre canabinoides. 

E isso foi muito potente, porque este é um projeto de extensão da UNIFESP. Então todos devem contribuir, como cidadãos, divulgando os conhecimentos científicos, que não são poucos, e favorecendo a saúde mental e física da nossa sociedade!

A educação sempre foi, e ainda é, a melhor ferramenta de transformação social. E por isso, nós educadores, devemos seguir oferecendo o melhor que podemos.

Sobre as nossas colunas

As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo. Além de de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

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Eliana Rodrigues

Bióloga com mestrado em Geografia pela Universidade de São Paulo. Doutorado e pós-doutorado pela Escola Paulista de Medicina. Desde 1995, vem desenvolvendo mais de 40 projetos de etnobotânica entre indígenas, afro-brasileiros, ribeirinhos amazônicos, com foco em substâncias psicoativas; somando cerca de 70 publicações. É professora titular e coordenadora do Centro de Estudos Etnobotânicos na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Atualmente, vem desenvolvendo atividades de divulgação científica sobre a Cannabis sativa L., por meio do Canal do Youtube “CANABinALL: tudo sobre canabinoides", e pelo curso “O Uso Terapêutico da Cannabis sativa L.”, ambos pela UNIFESP. Desde 2004 vem organizando simpósios, cursos, audiovisuais e realizando pesquisas na área desta planta.