Diferente de muitas regiões, a cannabis medicinal é bastante conhecida na cidade de Foz de Iguaçu, no Paraná.
Ela é mergulhada na cachaça ou no álcool, depois utilizada como uma forma de chá, para tratar dores e outras condições.
Mas não para beber, mas a utilizam como um tópico, para passar diretamente no lugar da dor.
As pessoas obtêm a maconha prensada ilegalmente, principalmente do Paraguai, que é vizinho do Estado.
No entanto, o conhecimento sobre as propriedades da planta na cidade é passado de boca a boca, nada científico.
Foi depois que o professor de Medicina e Biociências da Universidade Federal da Integração Latino-América (UNILA), Francisney Nascimento, acompanhou uma paciente que estava utilizando o óleo, que a planta se tornou um objeto de pesquisa na cidade.
O docente conta que a pesquisa foi por acaso. Uma mulher apareceu na universidade com espasmos, dificuldades motoras e uma série de condições devido a um acidente de carro.
Indicado por amigos, ela começou a usar o óleo para tratar a condição.
Infelizmente situações como estas não são raras. Segundo dados do Seguro de Danos Pessoais Causados Por Veículos Automotores de Via Terrestre (Seguro DPVAT), mais de 100 mil acidentes no Brasil acabam em invalidez todos os anos, principalmente para motoristas.
Os familiares da paciente procuraram a universidade, para que eles pudessem monitorar a progressão do tratamento da mulher.
“Até então nós nem sabíamos do que era feito o óleo, só vimos que ela estava progredindo, mas não entendíamos o porquê” disse o professor Francisney Nascimento.
O fitofármaco havia sido doado e nem a paciente sabia do que se tratava.
Além dos espasmos, a mulher tinha problemas na cognição, que dificultavam a fala, o andar e até a forma de comer.
Segundo o docente, o acidente havia causado um “Traumatismo cranioencefálico”, que a fez perder parte da memória também.
Ele conta que foi a partir do tratamento com o óleo que as funções voltaram, inclusive as lembranças.
“Depois nós descobrimos que o óleo era rico em tetraidrocanabinol, (THC) e isso me instigou a estudar o tema” ressalta o professor.
O THC é o que chamamos de canabinoide. Presente na cannabis é ele quem provoca o famoso “barato” da planta.
Apesar de ser bastante conhecido, ele não é o protagonista. Diversos medicamentos e produtos são feitos com o canabidiol (CBD), principalmente por não possuir as reações alucinógenas.
Por causa disso, o THC é visto como algo ruim, o que não é verdade. Diferente do que muitos pensam, o tetraidrocanabinol também tem as suas propriedades benéficas.
Que muitas vezes, como lembra o professor, é mais vantajoso que o CBD. Algumas condições neurológicas como Parkinson e Alzheimer, por exemplo, precisam de produtos ricos em tetraidrocanabinol.
O nosso organismo também produz canabinoides, eles nos ajudam a manter o equilíbrio de várias funções do organismo, como fome, sono, humor, sistema nervoso, sistema imunológico e por aí vai.
Eles funcionam através do sistema endocanabinoide, que a partir de receptores sinalizam quando algo não vai bem.
No entanto, a produção de canabinóides pode diminuir por uma série de fatores, e o avanço da idade é uma delas.
Por isso, o professor explica que as pesquisas feitas pela equipe da UNILA coordenadas por ele são voltadas a reposição de canabinoides por meio da cannabis.
“A partir de doses bem baixas de extratos ricos em THC, dosagens com 1 miligrama ou até menos, conseguimos regredir o estágio das doenças” ressalta o docente.
A princípio, foi difícil convencer o Comitê de Ética da universidade a aceitar o estudo de cannabis em pessoas. No entanto, depois do sucesso do estudo experimental, eles não tiveram mais problemas.
Outro caso experimental que influenciou na decisão e que também serviu de inspiração para um estudo que teve início no mês passado, foi a regressão dos sintomas de Alzheimer em um idoso de 77 anos.
Delci Ruver é avô de uma das alunas de mestrado do professor Francisney. Ela quem chamou o avô para o experimento, que começou em fevereiro de 2018.
A equipe de pesquisa percebeu que o senhor de idade não só teve os sintomas estabilizados, como também recuperou parte das funções que ele havia perdido.
Os resultados vieram de forma rápida, em apenas dois meses.
Hoje o idoso tem uma vida normal, como se não tivesse a doença.
O Alzheimer é uma doença progressiva que não tem cura. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), ela é a forma mais comum de demência no mundo.
A associação brasileira de Alzheimer estima que mais de um milhão de brasileiros sofram com a doença no país.
Ela é caracterizada pela perda de neurônios, por causa do mal funcionamento de neurotransmissores como a acetilcolina, que é responsável pela regulação da memória, o sono e a capacidade de aprendizado.
Medicamentos comuns podem retardar o agravamento dos sintomas, mas os efeitos não duram mais que nove meses.
Além do mais, medicamentos comuns como Donepezila carregam uma série de efeitos colaterais, como diarreia, fadiga, insônia, câimbras entre outros sintomas.
Eles também precisam ser introduzidos no começo da doença para gerar os efeitos.
No entanto, segundo os estudos da universidade do Paraná coordenadas pelo professor Francisney, a cannabis tem se tornado uma ótima opção.
Os estudos com o tetraidrocanabinol começaram em outubro de 2020 e tem 36 voluntários.
O estudo randomizado duplo cego, visa dividir os pacientes entre aqueles que usam a cannabis e placebos.
Depois dos resultados em 90 dias, ambos irão receber a cannabis.
O professor acrescenta que não há qualquer chance de o medicamento causar as reações alucinógenas e físicas da cannabis, pois as doses são 50 a 100 vezes menor que a quantidade de THC encontrada na cannabis.
Cada organismo é único, por isso, é preciso acertar a quantidade certa em cada paciente.
“Uma curiosidade é damos uma quantidade mínima, micro dosagens apenas para repor os canabinóides. Quando aumentamos a dose, o paciente não melhora, quando baixamos ele fica melhor” acrescenta o docente.
Outros estudos clínicos iguais a estes, mas com Parkinson e Fibromialgia também serão feitos no próximo ano.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Facom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós doutoranda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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