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Os lutos da fibromialgia



24/08/2024


Sobre deixar o velho morrer e abrir espaço para o novo

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Os lutos da fibromialgia

Tenho saudades de quem eu era antes da fibromialgia.

Não saberia dizer quantas vezes ouvi essa frase, dita das mais variadas formas. O artigo de hoje é sobre um tipo diferente de morte: a morte de nós mesmos.

Recentemente tive uma perda muito significativa, que foi o falecimento da minha avó. Grande parte da minha infância – e da minha vida – se passou na casa da Dona Antônia. Entrar em contato com a dor e a profundidade desse luto me trouxe até o tema desta semana.

Do diagnóstico à primeira morte

Quando recebemos o diagnóstico de fibromialgia, muitas vezes não temos a dimensão do impacto desse acontecimento e o que ele, de fato, significa. Ainda não sabemos, mas uma jornada longa e árdua se inicia naquele momento.

Aquela personalidade que era mais viva em nós, o corpo com o qual estávamos acostumados, a percepção de nós mesmos, os limites, as prioridades, a disposição, os sonhos, o trabalho, as relações… tudo isso começa a mudar.

Uma parte de nós morre ali. Só que aceitar e deixar o velho ir é um processo lento e assustador.

Os 5 estágios do luto

Talvez você já tenha ouvido falar no modelo de Elisabeth Kübler-Ross sobre os 5 estágios do luto. São eles: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Apesar de serem descritos como estágios, o que eu acho mais curioso é que o processo do luto não é linear e migramos entre estes sentimentos de formas e intensidades variadas.

Tenho vivido esses estágios em relação à minha avó. E venho notando que, de certa forma, eles são muito parecidos com o que experienciamos diante de um diagnóstico marcante como a fibromialgia. 

Percebo esses estágios claramente nas diversas pessoas que acompanhei ao longo dos últimos 7 anos de projeto De Bem Com a Fibro. Percebo também esses estágios em pessoas próximas a mim, que tiveram um diagnóstico recente de dor crônica.

Como não querer fugir diante da constatação de sentir dor para o resto da vida? Como não sentir raiva por uma situação tão difícil que foi imposta a você? Como não tentar negociar, reverter, fazer promessas para que aquele sofrimento vá embora? Como não se deprimir ao, finalmente, entender que aquela é sua nova realidade?

Porém, esses estágios doloridos e complexos não acontecem em vão. São eles os passos que nos levam para a paz que chega com a aceitação.

Morrer para renascer

Quando chegamos perto da aceitação, mais uma parte de nós precisa morrer. Quem morre agora é a pessoa que recebeu o diagnóstico. Ela não é mais você. Você já é outro, já é outra agora.

Claro, todos nós mudamos o tempo todo. Mas, para quem tem doença crônica, a mudança é compulsória e urgente – já que a resistência e o apego perpetuam nosso sofrimento.

É somente com a morte dessa pessoa inocente, que não sabia nada sobre sua condição, que se desesperou, se revoltou, que podemos seguir em frente. Entrar no estágio de aceitação é o momento mais libertador que você vai vivenciar na sua relação com a doença.

Nessa nova fase a doença existe, sim, mas ela já não define quem você é ou o que você faz. Ela faz parte, uma vez que é crônica, mas não é mais a protagonista.

Você reassume o controle. E desse lugar, apenas, é que podemos renascer. Talvez você se surpreenda com a pessoa que vai se tornar ou que, sem perceber, já se tornou. Flores bonitas podem surgir no meio da lama. É essa a parte que está nas suas mãos.

O novo só chega quando nos permitimos abrir mão do velho. Pense nisso.

Espero você para a próxima reflexão, no artigo seguinte. Um abraço e o meu desejo de que você encontre caminhos para fazer as pazes com sua condição, seja ela qual for.

Sobre as nossas colunas

As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

Lívia Teixeira

Farmacêutica-bioquímica formada pela Universidade de São Paulo (USP), PhD e pós-doutoranda pela Faculdade de Medicina da UNESP, paciente de fibromialgia e idealizadora do projeto De Bem Com a Fibro