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Descobrindo limites na fibromialgia



12/10/2024


Descobrindo limites na fibromialgia

Conhecer os seus contornos é fundamental

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Descobrindo limites na fibromialgia

Uma das coisas mais importantes que você vai aprender a fazer por si mesma e pela sua saúde – física e mental – é descobrir e respeitar seus limites.

Essa história de “limite” é muito frequente entre pessoas com condições crônicas, em especial as invisíveis como a fibromialgia, mas, na prática, ela é um bastante complexa.

O que são exatamente esses limites? Como descobri-los? Como preservá-los?

Vou compartilhar com vocês uma história que aconteceu comigo, na esperança de trazer um pouco mais de clareza para o nosso papo de hoje.

O dia em que sentei no chão e chorei

Era uma vez uma menina que foi chamada para conhecer um parque aquático. Apesar de não ser o meu passeio preferido, aceitei a proposta. Estava visitando uma amiga em Ribeirão Preto, São Paulo, e pegamos a estrada para Olímpia, uma cidade a quase 2 horas de distância onde existe um parque famoso na região.

Eu não sei se vocês já tiveram a oportunidade de ir em parques assim, mas diria que a minha experiência foi um tanto quanto traumática. Entrar e sair da água o dia inteiro, filas longas e brinquedos que deveriam ter sérios avisos sobre riscos.

Para além do tranco na coluna que sofri em um dos primeiros brinquedos (pode rir), depois de um dia inteiro andando pra lá e pra cá, ali estávamos nós diante da atração mais esperada por todos: a montanha-russa aquática.

A fila estava levando em média duas horas. Duas horas, de biquíni, molhada, em pé. Se você que está aqui me lendo também tem fibromialgia, imagino que deva estar passando na sua cabeça: “oi??????”

Mas, naquela época, minha consciência sobre minha condição física e, naturalmente, meus limites, não era das melhores. O fato é que naquela fila eu vivi intensas emoções. 

A começar pela visão tenebrosa das pessoas que disparavam em alta velocidade em seus botes, após serem atingidas por um forte jato de água que funcionava como “motor” do brinquedo. Eu só conseguia olhar e pensar: “e meu pescoço?”

Já estava há 1 hora na fila e fui ficando cada vez mais nervosa, morrendo de dor, percebendo a fadiga crescer a cada minuto. 

Obviamente deixei a situação chegar no ponto em que já não aguentava mais ficar em pé, e enfim avisei que ia sair. Minhas amigas, muito queridas, acabaram saindo da fila comigo, o que também não me agradou nem um pouco.

Eu não queria estragar o passeio de ninguém. Ninguém tinha que lidar com os meus desafios, só eu.

Parece bobo, mas o estresse foi tanto que eu explodi. Sentei no chão, desolada, aos prantos, sabendo que ainda tinha que arrumar as coisas, me trocar, caminhar até o estacionamento e pegar 2 horas de estrada para chegar em uma casa que não era nem minha.

Para conhecer nossos limites, é preciso extrapolá-los

Bom, sobrevivi.

Assim como sobrevivi a muitas outras situações parecidas. Não foi a primeira vez que levei meu corpo ao extremo, nem a primeira vez que cheguei ao nível de chorar. Aliás, isso aconteceu de forma quase sistemática por anos na minha vida.

A dura verdade é que, muitas vezes, para saber até onde podemos ir, acabamos tendo que ultrapassar nossos limites. Só descobrimos nossos contornos quando atravessamos para o outro lado. Nessas situações, é importante ter estratégias de controle de danos.

Para onde você corre quando extrapola seus limites?

Quais são as coisas que te nutrem, te acalmam e te equilibram?

Como você se recupera quando chega no fundo do poço?

Banho quente, chás, meditação, terapia, um ombro amigo, comida afetiva, oração… Ou mesmo o uso de substâncias. No caso da fibromialgia, a gente sabe que as opções medicamentosas são escassas, especialmente na hora da crise. Para mim, um dos recursos mais importantes nesses momentos é a cannabis.

Canabidiol e THC funcionam muito bem no meu organismo para acalmar, aliviar a dor física, o estresse mental, e até para combater a fadiga. 

Além do tratamento que faço diariamente com os óleos, a vaporização é como um kit SOS no meu dia-a-dia. Mas cada organismo reage de um jeito, e somente através da experiência você vai conseguir descobrir o seu.

O que podemos refletir com toda essa história? 

Seu corpo tem as respostas. Ele sabe do que precisa e provavelmente já vem tentando se comunicar com você. Se você é um adulto, com certeza já viveu experiências suficientes para ter repertório. 

Desenvolver a nossa “escuta” a esses sinais do corpo é um recurso importantíssimo para quem tem doença crônica. 

Quando eu entrei naquela fila, meu corpo já começou a dar sinais de que não ia dar conta. Mas eu não consegui ouvir – não por mal e nem por descaso, mas pelo simples fato de que é muito duro ter que abrir mão dos nossos planos ao constatar as nossas limitações.

Em outros casos, somos pegos de surpresa. A fibromialgia é uma síndrome complexa com oscilações que nem sempre fazem sentido ou avisam com antecedência. Ainda assim, seu corpo vai se expressar de alguma maneira.

Para limpar esse canal de comunicação, além de estar atento, é necessário trabalhar a frustração e a aceitação, aprendendo a se fazer confortável na presença dessas sensações desagradáveis. 

Quando desviamos nossa atenção ou quando tentamos desesperadamente resistir às coisas como elas são, a vida fica muito mais difícil.

Aceita que doi menos?

Apesar de achar essa frase horrível, o conceito aqui é um pouco nessa linha. Em sintonia com o que falei nos meus últimos textos, sobre os lutos e evitar abrir os braços para a vida como ela é agora, abrir os braços para a fibromialgia, com os sintomas como estão, é o começo de uma jornada mais leve com a doença.

E sim, talvez você precise de ajuda para passar por isso. Talvez você precise de muita terapia, muita coragem, muita força. Talvez precise aprender a aceitar o cuidado dos outros, como as minhas amigas saindo da fila para me fazer companhia. Pelo menos eu precisei.

Por fim, limites são dinâmicos. O que eu dou conta de fazer hoje não necessariamente vai ser o que dou conta de fazer amanhã. Em um dia posso escalar uma montanha, e no outro mal conseguir preparar o meu chá pela manhã. Um dia de cada vez.

Para os dias de luto e os dias de glória, o que nos norteia e nos mantém conectados às nossas necessidades é nada mais, nada menos, do que a presença. Estar presente vai ajudar você a entender, a cada minuto, o que você precisa e o que pode fazer, agora, para se cuidar com mais amorosidade e compaixão. Sempre.

Seguimos juntas.

Sobre as nossas colunas

As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

Lívia Teixeira

Farmacêutica-bioquímica formada pela Universidade de São Paulo (USP), PhD e pós-doutoranda pela Faculdade de Medicina da UNESP, paciente de fibromialgia e idealizadora do projeto De Bem Com a Fibro