A Comissão Geral sobre cannabis medicinal acont eceu ontem no plenário da câmara. Além dos deputados, cerca de 24 convidados também foram ouvidos.
Com o intuito de discutir o projeto de maneira mais ampla, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pediu aos líderes partidários que apresentassem nomes das entidades ou representantes da sociedade civil para participar do debate de hoje, feito no plenário.
Ao todo, foram convidados 30 pessoas, entre líderes de associações, médicos, professores, advogados e até familiares de pacientes para falar contra ou a favor da pauta, mas nem todos participaram.
Os deputados integrantes da Comissão Especial de Cannabis ou representantes, tiveram um tempo total de 5 minutos para dar as suas opiniões sobre a proposta. Já o tempo dos convidados foi reduzido para 3 minutos.
Na comissão geral, todos concordaram que o uso medicinal da cannabis precisa ser viabilizado. Contudo, as desavenças continuam no cultivo e até no uso de outros canabinoides além do Canabidiol (CBD).
Contrários ao projeto, garantem que o cultivo em solo brasileiro será desenfreado e defendem a distribuição de remédios pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Mesmo depois de várias sessões, o deputado Osmar Terra (PMDB-RS) e a deputada bolsonarista Soraya Manato (PSL-ES) continuaram com o mesmo discurso. Segundo eles, apenas o Canabidiol possui propriedades terapêuticas e apenas para o tratamento de epilepsia refratária.
Terra também reafirmou que o Projeto de Lei vai facilitar o tráfico de drogas e que os danos causados pela maconha “não tem cura”.
A bolsonarista ainda completou que o cultivo não vai baratear o tratamento. Segundo ela, o que encarece o produto é o processo de fabricação e não a importação do insumo.
“Vamos lutar para que seja disponível no SUS, mas não podemos deixar que isso trate outras doenças sem comprovação científica” disse.
Contudo, a ciência já evidencia que a planta também serve para o tratamento de outras condições, como dores crônicas, esclerose múltipla e náuseas provocadas pela quimioterapia.
Eros Biodini (PTB-MG), em seu discurso, comentou que a proposta é praticamente desnecessária. Segundo ele, já há no Brasil resoluções que garantem a compra nas farmácias e a importação.
As resoluções 335 e 327 de fato viabilizaram a compra, contudo, os preços ainda são altos e inacessíveis.Ponto bastante criticado pelos favoráveis ao texto.
Outra justificativa usada é a de que o óleo da planta será distribuído no SUS, por isso não será necessário o plantio.
Fala reforçada pelo deputado João Campos (Republicanos-TO), que substituiu Bia Kicis (PSL-DF). “Quem é que não defende a vida e a saúde? Todos nós defendemos que se alguma substância da natureza pode ser usada, deve ser usada. Mas conseguindo o canabidiol no sus, não terá mais sentido esse projeto”, disse.
O deputado Diego Garcia (Podemos-PR), o mesmo que agrediu o presidente da comissão na última sessão, acrescentou que as famílias dos pacientes que precisam da cannabis medicinal estão sendo usadas para a aprovação da lei.
Argumento reforçado nos cinco minutos do deputado Pastor Eurico (Patriota-PE), que ainda acusou os representantes das associações de querer legalizar a maconha para o uso adulto.
Os dois deputados também compararam o novo texto substitutivo com a proposta original de 2015. Eles reafirmaram que o intuito não é apenas o uso medicinal, mas criar uma indústria no que Garcia chamou de “uma nova cultura de cannabis”.
Representando o PSC, o deputado Pastor Marco Feliciano reforçou as falas dos colegas e disse que o projeto de lei faria do país uma “zumbilândia”, em referência ao vício à maconha.
“Eu penso que alguns partidos aqui deveriam mudar as suas siglas e colocar PAM, partido do aborto e da maconha!”
Já o deputado Francisco Júnior (PSD-GO) argumentou que a impressão que ele tem é que estão falando de dois projetos diferentes. Segundo a sua avaliação, o discurso dos apoiadores da proposta contradiz com o texto e reforçou que voltassem ao texto original de 2015.
“Não tem sentido liberar uma droga perigosa para fazer remédio, não dá para tratar a maconha como agronegócio (…) não estamos votando a questão de medicamentos, mas algo mais grave”, discursou.
Na mesma linha de pensamento, David Soares (DEM-SP) comparou a proposta de cannabis com outros países, como Paraguai e Portugal. Segundo ele, a legalização da maconha sempre começa com o uso medicinal.
Em um tom agressivo, Caroline De Toni (PSL-SC) argumentou que o projeto de lei é uma tentativa da esquerda de liberar as drogas, no que chamou de “Cavalo de Troia”.
“O que estão tentando fazer é um marco legal da cannabis no Brasil” concluiu.
O relator do texto, Luciano Ducci, falou em seguida a Osmar Terra. Os seus cinco minutos foram dedicados para rebater as críticas do peemedebista.
O seu principal argumento foi o de que a cannabis no Brasil precisa ser regulamentada para atender os pacientes. “O que queremos é um medicamento com um custo mais baixo. Quem consegue é quem tem dinheiro, pois o medicamento é caro” disse.
Ele ainda chamou o deputado de mentiroso em relação ao canabidiol. Ainda acrescentou que a Academia Brasileira de Neurologia e o Conselho Federal de Medicina (CFM) já destacaram as evidências de outros compostos da planta.
Alex Manente (Cidadania-SP) também argumentou que o intuito do projeto é baratear os custos, uma vez que o óleo disponível nas farmácias chega a um custo de R$2.300,00.
“Podemos chegar a um custo 10 vezes mais barato. (…) E para as pessoas que falam que poderiam distribuir pelo SUS, isso seria uma irresponsabilidade com o nosso dinheiro”, completou.
O deputado Ricardo Izar ainda deixou o seu depoimento pessoal. Ele luta contra o Parkinson há 10 anos e só conseguiu dormir melhor e reduzir os tremores com o extrato da cannabis.
“Sou contra a liberação indiscriminada da maconha, mas não é o que diz o texto. Espero que as pessoas que são contra nunca tenham um familiar que precise. Ou então, se eles mesmos fossem acometidos, não haveria aqui ninguém contra a liberação”, concluiu nos seus minutos.
Zacharias Calil (DEM-GO) não é paciente, mas disse ter conversado com bastante gente, além de levantar dados para defender a proposta.
Através de dados ele comparou o custo mensal da importação com o cultivo no Brasil. Como referência, ele usou o óleo da associação Abrace Esperança, que possui um custo médio de R$460,00 por frasco e comparou com um óleo importado pela HempMeds, no valor de R$3.160,00.
Ele ainda citou os atrasos nos processos de importação e os empecilhos em conseguir o óleo pelo governo.
“Concordo que o SUS poderia fornecer os medicamentos, mas eles não teriam a garantia de quando iriam receber” disse.
Na mesma linha de pensamento, Fábio Mitidieri (PSD-SE), autor do projeto, ainda acrescentou que um óleo importado, dependendo da dosagem, poderia chegar a sete mil reais, mas se fabricado no Brasil, custaria em torno de R$300,00.
“Não é justo que o SUS disponibilize com um dinheiro público um medicamento 10 vezes mais caro”, complementou.
A deputada Natália Bonavides (PT-RN) ainda acrescentou que a cannabis medicinal no Brasil já é uma realidade. Contudo, os pacientes têm muitas dificuldades para conseguir o óleo.
Tiago Mitraud (NOVO-MG) ainda acrescentou a pesquisa feita pelo Civi-Co que mostra que 78% dos pacientes aprovam a cannabis medicinal.
Sobre o plantio, ele ainda disse que mesmo proibido, o tráfico continua acontecendo e que os traficantes não vão pedir autorização para cultivar.
Em seus minutos de fala, Sâmia Bomfim (PSOL-SP) acrescentou que o projeto de lei só chegou ao congresso graças às famílias que lutaram por avanços.
Contudo, fez um apelo para que o projeto de lei também acrescentasse o cultivo associativo e individual obtido pela justiça.
“As regras que estão impostas no projeto faz com que as associações não consigam se adequar, o que pode significar uma exclusão. É fundamental preservar a lógica do autocultivo, pois cada pessoa precisa de uma dosagem individual e somente a s associações e o plantio individual pode viabilizar a continuidade dos pacientes.” acrescentou.
Muitos dos convidados contrários à proposta eram médicos, pais ou representantes de entidades de dependentes químicos. Os seus argumentos eram pautados no perigo do uso adulto, embora o Projeto de Lei não contemple o plantio para fins recreativos.
Um deles foi o médico Ronaldo Ramos Laranjeira. Professor, psiquiatra e coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo.
Segundo ele, a proposta facilitaria sim o desvio. Com o mesmo pensamento de deputados como Soraya Manato e Eros Biodini, ele também defende a ideia de que com a distribuição no SUS, a proposta não é necessária.
O membro da associação de psiquiatria, Marcel Allevato, ainda acrescentou que “o uso compassivo é diferente do uso indiscriminado”, que a proposta estava sugerindo.
Ainda argumentou que os estudos sobre o uso da cannabis são limitados. “o Sistema Endocanabinoide é um sistema que deve ser estudado, mas atualmente temos evidências limitadas da utilidade dessas medicações fora o uso compassivo” argumentou.
Contudo, o projeto de lei prevê a compra do óleo apenas com receita médica.
A convidada e vereadora do Maranhão, Michele Collins, também falou dos “perigos” que a futura lei poderia apresentar.
Ela é representante de algumas comunidades terapêuticas de dependentes químicos e fez um apelo pelas famílias que têm filhos nas drogas.
“Eu sei que as mães que precisam do remédio devem ser atendidas, mas peço que não se esqueçam das mães que lutam contra a dependência dos seus filhos”. concluiu.
Em um tom mais leve, o cientista Marcus Guimarães Debiase ainda acrescentou que a proposta tem uma boa intenção, mas o resultado será outro.
Segundo o seu ponto de vista, quando se tem um interesse econômico, propostas como esta acabam visando apenas o comercial e não a saúde.
Embora o Conselho Federal de Medicina (CFM) tenha lançado uma cartilha em 2019 reconhecendo as propriedades medicinais da cannabis não só para epilepsia, mas para esclerose múltipla, dores crônicas e náuseas, o médico representante que falou sobre o conselho não pensava bem assim.
Emanuel Fortes Silveira Cavalcanti, vice-presidente do CFM, foi contra a proposta. Segundo ele, a discussão não estava mais pautada no uso medicinal da planta, mas no plantio, o que o conselho era contra.
Ele ainda complementou que a cannabis é usada como último caso e que já há métodos de se conseguir o medicamento, seja por associações, importação ou nas farmácias.
A primeira convidada a falar foi a Dra Carolina Nocetti, médica da Academia Internacional de Medicina. Ela argumentou que a demanda por cannabis medicinal já é uma realidade que as associações não conseguem suprir.
“Falar que só o CBD serve e só para epilepsia, nós cansamos! Não tem overdose, é aprovado em Israel e se não fosse seguro e eficaz, não seria mencionado no CFM. São 77 milhões de pessoas com dores crônicas que poderiam ser beneficiadas.” argumentou.
A farmacêutica e representante do Conselho Regional de Farmácia (CRF), Margarete Akemi, ainda pontuou que as pessoas que fazem pedidos de importação na Anvisa somam mais de 26 mil e são pacientes que não respondem ao tratamento convencional.
“É preciso uma humanização do sistema, a redução de riscos e agravos” concluiu.
Outra profissional que também falou a favor do projeto foi a Dra Eliane Nunes, da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis (SBEC). Ela foi a primeira uma das primeiras médicas a receitar cannabis no Brasil e hoje prescreve para centenas de pacientes. Segundo ela, todos melhoraram.
“Nós podemos prescrever compassivamente para todas as condições e os profissionais que dizem que não tem evidências científicas estão enganados. 50 países já defendem a cannabis para uso medicinal e são campeões em ciência porque buscam o interesse da população” disse.
Ela ainda completou que a planta inteira é mais eficaz que o CBD isolado e ainda pediu que o projeto também contemplasse as farmácias vivas do SUS.
Representando a Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal, Leandro Cruz da Silva adotou um tom mais forte.
“O projeto de lei limita a prescrição com menos de 0,2% de THC, que não carece sequer de receita pela OMS. Não adianta falar de canabidiol, vocês não sabem nada!” disse.
Nos seus três minutos, a médica ortomolecular Janaína Barbosa dedicou o seu tempo para explicar como a cannabis funciona através do Sistema Endocanabinoide.
Como Leandro Cruz, ela também aumentou o tom. “O Brasil precisa discutir de forma científica e sem interesses farmacêuticos, precisam se atualizar para não passar vergonha!” completou.
O neurocientista Sidarta Ribeiro também participou da comissão geral como convidado. Assim como os demais, ele destacou os benefícios da planta através da ciência e destacou que a cannabis é um caminho sem volta.
“A maconha não é plutônio, tentar combatê-la é tapar o sol com a peneira. Precisamos da seriedade para reconhecer os benefícios. A maconha medicinal não mata neurônios, mas protege. (…) Quando as pessoas adoecem ficam menos preconceituosas, estamos discutindo o acesso” concluiu.
O advogado Rodrigo Mesquita, representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), lembrou ao Plenário que a Anvisa já reconhece as propriedades medicinais não só do CBD, mas de outras substâncias da planta.
Ele citou o Mevatyl como exemplo, o primeiro remédio à base de cannabis autorizado no país destinado ao tratamento de Esclerose Múltipla. A sua composição é feita com o CBD e THC em proporções iguais.
“É falso que apenas um pequeno número de crianças com epilepsia refratária poderiam se beneficiar. Das pessoas que pedem importação estão pacientes com Parkinson, Alzheimer e Dores Crônicas. Uma regulação que não contempla o cultivo não vai poder atender essa demanda” argumentou.
Pais de pacientes também não ficaram de fora das discussões. A primeira mãe a falar foi a Dra Vanessa de Brito, médica e mãe de criança com paralisia cerebral.
Ela contou como a cannabis foi a única esperança para que a sua filha, hoje com cinco anos, tivesse uma qualidade de vida melhor. “Somos pais e mães que estávamos apenas sobrevivendo”, disse.
Ela ainda complementou que pagava cerca de 3 mil reais por mês em um óleo importado, o que depois de um tempo não era mais viável. Motivo principal pelo qual defende a proposta.
Roberto Fischer, que junto a sua esposa foram os primeiros a lutar pela importação de remédios à base de cannabis no Brasil, não deixou de compartilhar a sua experiência.
Um ponto destacado por ele foi que não deveriam limitar o acesso aos pacientes por causa das consequências de pessoas com má fé.
“ A gente percebe que a maioria das leis são feitas pela exceção e aquela lei que poderia fazer o bem, acaba prejudicando. Se no futuro alguém puder fazer o mau uso da lei, então simplesmente cancela? É isso é fazer o bem para a sociedade?”, indagou.
Cidinha Carvalho da associação Cultive também contou a sua história de vida, destacando principalmente o óleo artesanal.
A entidade foi a primeira no país a obter um habeas corpus para o cultivo coletivo, que ajudou 21 associados.
Ela ainda criticou a falta de atenção do projeto as associações. “Não nos contempla como pacientes ou associação, mas é necessário. São as associações, que não possuem recursos econômicos que estão fazendo o que o estado deveria fazer” concluiu.
Além de contar a sua história, Margarette Brito da APEPI também defendeu o cultivo associativo e mostrou, através da sua instituição, que não há riscos de desvio.
Ela ainda destacou que há anos o Estado lhe prometeu disponibilizar o óleo de cannabis, mas nunca aconteceu.
“Por isso, nós resolvemos arregaçar as mangas e iniciamos uma plantação aqui no Rio de Janeiro. Fizemos um esforço enorme para permitir o cultivo e integração com as autoridades locais, a juíza local. (…) mesmo que tenha pena de morte, vamos continuar plantando” acrescentou.
Assim como ela, Cassiano Teixeira da Abrace Esperança também questionou a atuação do governo.
“Nós iniciamos a Abrace na época, tentando o acesso pelo SUS, mas tivemos problemas, porque o SUS não forneceu mais o óleo. (…) O problema é a descontinuidade do tratamento, isso sim é perigoso. Não podemos depender da importação”, completou.
Teixeira ainda destacou que cumprir a resolução atual é praticamente impossível. Em fevereiro a entidade teve as suas atividades paralisadas por não se enquadrar na RDC 327. Foi depois de um acordo que a entidade voltou a funcionar.
“A nossa única esperança é a proposta 399. Mesmo assim, vários artigos escapam pq não foi feita para associações”, desabafou.
Sheila Geriz, presidente da Federação das Associações de Cannabis do Brasil, também defendeu as entidades.
Além de contar a sua história como mãe e destacar que o que ajudou o seu filho foi o THC e não o CBD, ela ainda completou que as entidades estão pedindo ajuda há tempos, mas os parlamentares não estão escutando.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Facom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós doutoranda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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