Ana Carolina Ruver-Martins – Mestre em Biociências UNILA e Doutoranda em Farmacologia UFSC. Aluna do professor Francisney Nascimento, ela conta a sua experiência ao conduzir o estudo.
A Cannabis pode ser um ótimo remédio para a doença de Alzheimer. Esse é o tema que tem ganhado repercussão no último mês nos principais canais de notícias sobre canabinoides, como da Associação Internacional de Medicina Canabinoide, NORML e ICBC, após publicarmos um estudo de caso sobre o tratamento à base de Cannabis de um paciente portador da doença de Alzheimer.
Uma grande novidade, além do potencial dos compostos presentes na planta para o tratamento, é que em nosso estudo de caso, verificamos que doses baixas de canabinoides, abaixo de 1mg ao dia, já podem ser suficientes para alcançar o efeito terapêutico.
Essa descoberta foi essencial porque dessa forma o paciente não apresenta efeitos colaterais significantes e nenhum efeito inebriante parecido com o que se sente ao fumar maconha.
Você sabia que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil, pelo menos 1,2 milhões de pessoas sofrem com alguma demência e cerca de 100 mil novos casos são diagnosticados por ano?
Se considerarmos o mundo todo, esse número chega a 50 milhões de pessoas. Esses dados levam a pensar que essa doença tem tomado proporções importantes por ser uma doença relacionada ao envelhecimento, considerando que o aumento do envelhecimento populacional.
A maior preocupação está em não existir cura ou tratamentos realmente eficazes até o momento, além do grande impacto que causa na qualidade de vida dos pacientes.
De forma geral, o Alzheimer é uma doença neurodegenerativa, progressiva e que impacta na memória, linguagem e percepção do mundo, além de poder alterar o comportamento e o humor do paciente.
Foi com base nisso que decidimos realizar o acompanhamento de um paciente que foi tratado com cannabis durante o período de quase 2 anos.
O paciente é um senhor de 75 anos de idade, agricultor e residente de um pequeno município paranaense diagnosticado há mais de um ano com Alzheimer antes do uso de Cannabis.
Ele apresentava problemas de memória que chegavam a afetar as atividades do dia a dia. Sem alguém supervisionar, colocava as coisas no lugar errado com frequência, tinha dificuldade para comunicar-se, também desorientação no tempo e no espaço, dificuldade de raciocínio, perda da iniciativa para fazer as coisas, e grande perda de sua autonomia.
O tratamento convencional que ele realizava com acompanhamento neurológico não estava amenizando os sintomas e o paciente vinha piorando muito rapidamente.
Então foi que após suspender a medicação que ele estava usando, resolvemos realizar a experiência com o tratamento com Cannabis.
Primeiramente, o óleo a ser utilizado foi analisado e vimos que continha 8 vezes mais THC do que CBD. O tratamento foi realizado iniciando com uma dose de 500µg de THC, e então foi feito escalonamento de dose, de acordo com a resposta do paciente, para encontrar a melhor dose para o paciente.
Essa prática de escalonamento, começando com uma dose baixa e aumentando aos poucos é a forma mais usada para ajustar a dose. Isso se dá pela falta de estudos clínicos que determinem a dose terapêutica dos canabinoides para a grande maioria das doenças.
Pois bem, ao longo de 22 meses o paciente foi acompanhado, e chegamos a uma resposta mais eficaz com a dose de 500µg ao dia de extrato contendo THC.
Surpreendentemente o paciente, além de experimentar a estabilidade, ou seja, a não progressão da doença, ele também obteve melhora sobre os seus sintomas cognitivos, e isso não acontece com nenhum medicamento disponível atualmente.
Segundo os relatos do próprio paciente e da família, em menos de um mês de tratamento ele já passou a se sentir melhor, ter mais disposição e se esquecer menos das coisas e até a dormir melhor.
Com o tempo ele voltou a ter sua autonomia, fazer suas atividades diárias, como cuidar dos animais e da lavoura normalmente e até conseguia viajar sozinho para suas avaliações durante o estudo.
Este resultado foi inédito, porque realmente nenhum medicamento disponível é capaz de fazer isso. Nós vimos essa melhora tecnicamente com exames de estado mental, usado mundialmente para diagnosticar e acompanhar a evolução das demências, o principal exame utilizado é chamado mini-mental.
Neste teste, quanto maior a pontuação do paciente, ou seja, quanto maior as barras, melhor o paciente está, e como percebem na figura. Comparado com a primeira barra, que é antes do tratamento, o paciente teve uma grande evolução.
E sabe o que é melhor? Com estas doses testadas não houve efeitos colaterais, o que fez desse tratamento muito seguro e confortável para o paciente.
Atualmente, quase 4 anos após o início desse tratamento, o paciente segue estável, com sua autonomia preservada, podendo realizar todas suas tarefas do dia-a-dia e sem a necessidade de associar nenhum medicamento, apenas o extrato de cannabis.
A resposta para isso é: estudos clínicos. Esse estudo de caso que publicamos foi o pontapé inicial para a realização de outros estudos com maior número de pacientes e com metodologias que auxiliem a determinar uma dose efetiva comum entre os pacientes, além de confirmar a eficácia e segurança do uso de Cannabis no Alzheimer.
Sem sombra de dúvidas, o potencial está demonstrado e agora faltam mais estudos clínicos e mais amplos com um número maior de pacientes e grupos controle, para avançarmos em direção a demonstrar de maneira inequívoca que a Cannabis pode tratar o Alzheimer, esta doença tão grave e debilitante.
Leia o estudo completo aqui.
As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.
Francisney Nascimento
Francisney P Nascimento - Farmacêutico e Mestre em Farmacologia (UFSC). Doutor em Farmacologia (UFSC/Dalhousie University). Pós-doutorado em Neurofarmacologia (McGill University). Professor de Farmacologia Clínica e de Canabinologia Médica nos cursos de Medicina e Mestrado em Biociências na UNILA (Foz do Iguaçu). Coordenador do Lab de Neurofarmacologia Clínica. Sócio-fundador da empresa 3F Clinical Trials e Inovação Canabinoides. Realiza pesquisa clínica com canabinoides desde 2017. Instagram: neypnascimento
Inscreva-se grátis na nossa Newsletter!
Copyright 2019/2023 Cannalize – Todos os direitos reservados
Solicitação de remoção de imagem
Termos e Condições de Uso