Creio ser hoje desnecessário comentar a importância e o impacto da depressão na nossa sociedade atual. É a doença psiquiátrica mais frequente e seguramente não há ninguém que não tenha tido já um diagnóstico ou que não seja próximo de alguém que tenha depressão.
Tendo certeza do impacto da depressão no dia-a-dia nosso, de nossa família ou de nossos amigos, vou me dispensar de trazer números e mais números de epidemiologia para convencê-los da gravidade do problema. Imagino, pois, que todos já tem noção desta gravidade.
Historicamente, acho muito interessante estudar depressão, pois foi uma doença que ajudou a aproximar as “doenças da alma” às “doenças do corpo”. No século XIX e ainda na primeira metade do século passado, muitos ainda consideravam que as enfermidades da mente pertenciam a outro local ou entidades e não ao corpo físico do paciente.
Estas divisões começam a cair quando se verifica que algumas drogas, como a reserpina, era capaz de “induzir” comportamentos do tipo depressivo em algumas pessoas, embora haja contestação sobre a real indução de depressão por este fármaco.
A reserpina era um fármaco utilizado para hipertensão e que funcionava muito bem. No entanto, muitos destes pacientes a despeito da redução da pressão arterial, começavam a ficar deprimidos.
E por que ficavam deprimidos? Porque a reserpina reduz a liberação da noradrenalina – mecanismo pelo qual reduz a pressão arterial. Porém, sabemos que noradrenalina é um neurotransmissor importante também para a manutenção do nosso humor, dentre outras várias funções.
Não só isso, a reserpina também reduz a atuação da serotonina, o principal neurotransmissor responsável pela manutenção do nosso humor. A reserpina então ajudou na construção da mais importante teoria bioquímica da depressão, a teoria Monoaminérgica, que diz basicamente, que baixos níveis de monoaminas (serotonina, noradrenalina e dopamina) induzem à depressão ou comportamento tipo depressivo.
Resumindo, a reserpina era um bom tratamento para a pressão arterial, mas deixava as pessoas tristes.
Esta observação ajudou a confirmar o seguinte: a depressão não está na alma – seja lá o que a alma for ou se ela existe ou não – mas sim no nosso cérebro, pois usando uma droga que atua no sistema nervoso central é capaz de alterar nosso humor e níveis de alegria, prazer ou felicidade.
Eureka! Poderíamos então também tratar a depressão com substâncias químicas como fármacos?
E assim se fez, se iniciaram tentativas de tratamento com substâncias que pudessem fazer o contrário da reserpina, ou seja, ao invés de reduzir a atuação de neurotransmissores como noradrenalina e serotonina, essas drogas aumentariam os níveis e efeitos destas substâncias, chamados de neurotransmissores ou de monoaminas.
Assim, surgiram algumas classes de antidepressivos, tais como inibidores da monoamino oxidase (IMAO), antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) e inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN) e outros.
Todos estes fármacos atuam de alguma maneira aumentando os níveis dos neurotransmissores citados anteriormente.
Mas infelizmente, nem todos pacientes com depressão tem seus sintomas revertidos por estes medicamentos. Pelo contrário, em torno de 50% dos pacientes deprimidos não têm nenhum ganho significativo quando tratado com um medicamento antidepressivo e até um terço dos pacientes não responde mesmo a múltiplos tratamentos.
Esta informação começou a sugerir então que não apenas baixos níveis de monoaminas seriam responsáveis pela depressão, mas outros processos bioquímicos deveriam estar envolvidos.
Logo se chegou também à conclusões que níveis elevados de cortisol (hormônio do estresse), de inflamação e de estresse oxidativo também estão relacionados com depressão de humor.
Não apenas isso, descobriu-se que substâncias chamadas de fatores neurotróficos – indutores de trofia (crescimento) neuronal – quando em baixos níveis poderiam facilitar o aparecimento da depressão. Todos estes dados foram confirmados experimentalmente em estudos com animais.
Vislumbrou-se então que não apenas os níveis das monoaminas estão relacionados com a depressão, mas também uma série de processos bioquímicos e neuronais. Talvez por este motivo, os antidepressivos em grande parte falham em tratar os pacientes.
Aí surge a cannabis e seus canabinoides. Alguns estudos com animais têm demonstrado que o Canabidiol (CBD) é capaz de reduzir o comportamento depressivo em ratos. Em alguns estudos, o Tetrahidrocanabinol (THC) também pode auxiliar este efeito.
Sabemos que o CBD atua positivamente sobre o sistema serotoninérgico ou potencializa de alguma forma a serotonina. Desta forma, o CBD faria algo parecido com o que os antidepressivos fazem.
Porém, não só isso. O CBD e outros canabinoides também possuem efeito anti-inflamatório, antioxidante e neuroprotetor.
Todos estes efeitos interessantes e importantes quando falamos de pacientes com depressão, que apresentam estados inflamatórios (via inflamação e estresse com o hormônio cortisol), estresse oxidativo e morte neuronal.
Ou seja, vários dos mecanismos bioquímicos envolvidos na depressão poderiam ser tratados ou melhorados com canabinoides.
Há muitas pesquisas clínicas necessárias, como já falei em outro texto aqui nesta coluna, para podermos chegar e dizer que a cannabis ou algum dos canabinoides seja de fato eficaz para tratamento da depressão.
Todavia, evidências em estudos com animais e inclusive, pequenos estudos com humanos, além de uma pletora de relatos anedóticos, reforça um bom caminho para chegarmos a tratamentos mais eficazes e seguros para depressão nos próximos anos utilizando Cannabis ou canabinoides.
Sim, Cannabis poderá ser o futuro para tratamento da depressão!
O que nos falta para chegarmos lá? Na minha opinião, faltam apenas bons estudos clínicos com diferentes delineamentos experimentais, pois mais cedo ou mais tarde este potencial canabinoide para a depressão deverá ser uma realidade.
As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.
Francisney Nascimento
Francisney P Nascimento - Farmacêutico e Mestre em Farmacologia (UFSC). Doutor em Farmacologia (UFSC/Dalhousie University). Pós-doutorado em Neurofarmacologia (McGill University). Professor de Farmacologia Clínica e de Canabinologia Médica nos cursos de Medicina e Mestrado em Biociências na UNILA (Foz do Iguaçu). Coordenador do Lab de Neurofarmacologia Clínica. Sócio-fundador da empresa 3F Clinical Trials e Inovação Canabinoides. Realiza pesquisa clínica com canabinoides desde 2017. Instagram: neypnascimento
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