O adolescente Pablo Gabriel Batista da Cruz, de 15 anos, possui uma doença rara, chamada Síndrome de Mohr-Tranebjaerg. O diagnóstico só veio depois de um sequenciamento genético feito seis meses depois da internação.
Um ano depois, a vida da família virou de cabeça para baixo. Hoje a mãe, Adriana Garcia Batista, precisa cuidar do filho 24 horas por dia. Sem conseguir aguentar o peso do adolescente, o seu esposo teve que largar o emprego para ajudá-la.
A doença é bastante rara, atingindo cerca de 1 em 1 milhão de pessoas. Em um curto período ela foi responsável pela surdez do garoto, decorrente de uma neuropatia auditiva. A visão secundária também foi comprometida, devido a atrofia do nervo óptico.
A condição progride rápido de forma agressiva, e também envolve convulsões e distúrbios mentais. Todos os sintomas sentidos por Pablo.
“O primeiro sintoma foi a distonia. Ela dá em várias partes do corpo, mas nele foi no corpo inteiro. Os médicos disseram que é um caso raríssimo”, disse a mãe.
Hoje ele não anda, não fala e não reconhece mais os pais.
A família mora no município de Toledo, no Paraná, mas precisa se deslocar até a capital para ir a agendamento?utm_source=cannalize&utm_medium=textoancora&utm_campaign=agendamento” target=”_blank”>consultas e fazer exames. São mais de 500 quilômetros de distância, o que pode levar de 8 a 10 horas de viagem.
“ Toda vez que vamos, temos que chamar a ambulância. As idas diminuíram por causa da pandemia, mas eu não paro, porque a cada pouco eu estou indo para lá”, ressalta a mãe.
De acordo com os dados da Secretaria da Saúde, o Paraná tem mais de 20 hospitais no estado, incluindo os universitários e unidades específicas para algumas condições. Contudo, o tratamento do adolescente só pode ser feito na unidade de Curitiba.
Segundo a diretora da associação Casa Hunter, Ariadne Dias, isso reflete a quantidade pequena de centros voltados a pessoas com doenças raras. “O Brasil só tem 17 centros de doenças raras espalhados pelo país. A região norte, por exemplo, não tem nenhum.
Além da distância, a família luta por um remédio à base de cannabis, que ajuda a conter o avanço da doença. O medicamento não está disponível no Brasil e precisa ser importado por um valor bem alto.
Os pais entraram com uma ação para o custeamento pela rede pública e o juiz pode dar a sentença a qualquer momento. Enquanto isso, eles fazem rifas para arrecadar dinheiro.
“Enquanto o juiz não libera, estamos tentando pelo município, mas por quatro vezes a perita negou. A única coisa que ela respondeu é que o Canabidiol (CBD) não tem eficácia. (…)Caso ele fique sem ele morre, ele já corre risco de vida a cada segundo”, desabafa a mãe.
Segundo a OMS – Organização Mundial da Saúde existem de seis a oito mil tipos de doenças raras no mundo. 75% delas afetam crianças, onde 30% morrem antes de completar um ano de idade.
Ainda de acordo com a OMS, uma doença é denominada rara quando atinge até 65 a cada 100.000 pessoas. 70% são de origem genética. A estimativa é que existam cerca de 13 milhões de pessoas com algum tipo de condição incomum, onde apenas 4% possuem um tratamento efetivo.
A diretora da Casa Hunter acrescenta que os pacientes costumam enfrentar dois principais desafios: o diagnóstico e o tratamento. “ É muito comum falar de pessoas que demoram de 3 a 8 anos para chegar em um diagnóstico”, ressalta.
Isso porque o número de profissionais capacitados para descobrir e tratar doenças raras é bem pequeno.
Segundo um levantamento da SBPC – Sociedade Brasileira de Patologia Clínica, são apenas 150 profissionais especializados em doenças raras em todo o território brasileiro. E embora a maioria dos casos sejam de origem genética, há somente 300 geneticistas no Brasil aproximadamente.
Realidade refletida na vida de Augusto Saraiva, que convive com uma condição que impede a produção de enzimas para a produção de energia. Isso faz com que ele sinta fortes dores por todo o corpo, espasmos, rigidez muscular e distonia. Sintomas muito parecidos com a Esclerose Múltipla.
Há cerca de 300 casos da doença no mundo. “Desse número eu nem sei quantos estão vivos”, diz.
Já contamos a história dele aqui.
O agora aposentado conta que passou por vários médicos que abandonaram o caso ou diziam que não tinha muito o que fazer. Ele só conseguiu um diagnóstico depois da insistência e pesquisas sobre o assunto.
Aos 14 anos ele foi virado do avesso. Os exames sempre eram inconclusivos e alguns médicos chegaram a dizer que o problema era psicológico, ou até que ele estava mentindo.
O diagnóstico só veio depois de uma amostra de sangue que precisou ser analisada na Holanda, onde foi feito um sequenciamento genético.
Exames como este custam em média R$2.700,00. Segundo Ariadne o valor já é mais baixo que antes.
Em outubro do ano passado o governo anunciou uma iniciativa para a realização de pesquisas sobre sequenciamento genético. Os exames, feitos pelo Hospital Albert Einstein dentro do Proadis SUS – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde, coletou 850 amostras de pacientes com suspeita de doenças genéticas raras.
A expectativa é criar um grande banco de dados genéticos do povo brasileiro para pesquisas e também melhorar os tratamentos oferecidos pelo SUS.
De acordo com o informações do Proadi, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HIAE e está na etapa de inclusão dos Centros de Referência em Doenças Raras para início da coleta de amostras.
A diretora da Casa Hunter também acrescenta que a ação dos ativistas e associações é muito importante para fazer o governo enxergar o assunto.
Em abril, por exemplo, o Senado aprovou o Projeto de Lei 5.043/2020, que ampliou o número de comorbidades rastreadas pela triagem neonatal, o famoso teste do pezinho. De seis doenças, o número pode passar para 50, em 14 grupos diferentes, o que inclui também condições raras.
A aplicação dos exames vai ser feita aos poucos ao longo dos anos, mas Ariadne complementa que isso já é um importante avanço para tratar as condições no início. “Existem doenças que se forem identificadas na primeira hora, é possível tomar as medidas necessárias para que ela não evolua”, completa.
Se o próprio diagnóstico é difícil, conseguir um tratamento também não é uma tarefa fácil, principalmente porque a maioria dos tratamentos são paliativos. Como no caso do adolescente Gabriel, citado no início.
Além da distância até um centro de doença rara, os remédios são outro desafio. Chamados de “medicamentos órfãos” eles geralmente são bem caros, pois são destinados a um número bastante específico de pacientes.
Para se ter uma ideia, uma dose da chamada “terapia genética”, que modifica genes específicos, custa cerca de R$2 milhões de dólares.
Sem contar que o acompanhamento médico também é fundamental. “Não se trata só de exames, mas de profissionais preparados para identificar essas patologias. Vemos cada vez mais a necessidade de conscientização (dos médicos) de que algo de errado pode ser uma doença rara”, comenta Ariadna.
Augusto Saraiva lembra que quando finalmente foi diagnosticado, lá na década de 90, achou que um tratamento seria mais fácil, mas não foi. Todos os médicos rejeitavam o seu caso com a justificativa de que não tinha nenhum tratamento ou se sabia muito pouco sobre a condição e por isso, não tinha o que fazer.
“Os médicos diziam que eu iria viver até os 25, mas eu não aceitava muito bem isso”, completa.
Por isso, foi pesquisar por conta própria. Ele começou a estudar biotecnologia para entender um pouco mais sobre a doença e até fez uma dieta personalizada para auxiliar.
A mudança na alimentação auxiliou bastante e retardou o progresso da condição.
Mas com o tempo passando, os sintomas ficaram piores e ele sentia cada vez mais dores. Ele chegou a tomar cerca de 27 medicações, inclusive a oxicodona, um remédio quatro vezes mais forte que a morfina.
No final, foi também o extrato da cannabis combinado à fisioterapia e os demais tratamentos que o ajudou a ter autonomia.
Quando Saraiva soube que a doença era progressiva, ele sabia que um dia teria que se aposentar por invalidez. “Eu tive que programar toda a minha vida”, disse.
No trabalho, nunca dizia o que tinha, pois temia não ser compreendido. Sofria calado, até não aguentar mais. Quando disse para o chefe que tinha uma doença rara, foi demitido.
“Todo mundo me disse que 98% dos pedidos por invalidez são negados e eu fiquei apavorado e pensava, como é que alguém vai ter coragem de me negar?”, ressalta.
Segundo dados abertos do INSS, só nos primeiros seis meses de 2021, o governo negou 1.803 pedidos de aposentadoria por invalidez ou acidente de trabalho. Isso sem contar os mais de 285 mil pedidos indeferidos para amparo a idosos ou a pessoas com deficiência.
No consultório médico da previdência, Augusto Saraiva mostrou todos os documentos da doença que guardou desde a sua adolescência para garantir. “Eu nunca vou esquecer quando o médico olhou para mim e disse que ia me aposentar, não tinha muito jeito”, complementa.
Contudo, segundo o advogado Gabriel Pietricovsky, nem todo mundo tem a mesma sorte. Ele explica que a chamada Aposentadoria por Incapacidade Permanente não é suscetível para qualquer doença.
Em tese, pessoas com doenças raras têm direito à aposentadoria por invalidez, mas conseguir não é tão fácil assim. É preciso praticamente provar que não é possível trabalhar. Não é incomum a judicialização do caso.
“Não é que ele (o INSS) não vai reconhecer a doença, mas vai falar que não tem autorização legal para te conceder o benefício”, complementa. Mas entrar com uma ação é um processo que pode levar até 2 anos para obter o resultado.
Segundo a LEI Nº 8.213 de 1991, há uma lista já fixa de doenças que podem ser aposentadas por invalidez. O advogado ainda explica que as perícias são feitas periodicamente e em alguns casos, a pessoa precisa se afastar do trabalho durante um tempo para só então obter o direito.
Outro ponto que torna a vida da pessoa com doença rara ainda mais difícil é o valor da aposentadoria. Depois da reforma da previdência em 2019, a aposentadoria por invalidez corresponde a 60% do salário por 20 anos de contribuição.
Isso quer dizer que se uma pessoa se aposentou ganhando R$2.000,00, o valor será de R$1.200,00 por mês. Um valor ainda menor que o auxílio doença.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Fapcom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós graduanda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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