A polícia me parou com cannabis medicinal. E agora?

A polícia me parou com cannabis medicinal. E agora?

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As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

Para ficar tranquilo tem que ter prescrição médica e autorização da Anvisa. Mas em casos de apreensão, é necessário um advogado e muita paciência

No dia 7 de dezembro, o chef de cozinha Caio Cezar, dono da página no Instagram Cozinha 4e20, publicou um vídeo registrando uma abordagem da Polícia Rodoviária Federal no Rio Grande do Sul durante sua viagem de retorno da Expocannabis, no Uruguai.

O Caio afirma que foi abordado pelos agentes e conduzido à delegacia depois que os policiais encontraram cannabis medicinal entre suas coisas. O chef só foi liberado depois de assinar um Termo Circunstanciado e ter seu medicamento apreendido, “mesmo apresentando receita, autorização de importação, etc.”, relatou na publicação.

Acontece que Caio estava portando um tipo de produto que não estava descrito exatamente na receita e na autorização de importação, o que culminou na assinatura do termo, mas será que isso está correto?

Muito se sabe sobre as consequências do porte ilegal de cannabis, mas pouco se fala sobre o que fazer ao ser abordado com cannabis medicinal regularmente prescrita e com autorização da Anvisa para sua importação. Então, vamos aos fatos.

Primeiro, o que é um Termo Circunstanciado?

Segundo o site da JusBrasil, o TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência) é um documento que registra “um fato tipificado como infração de menor potencial ofensivo, ou seja, os crimes de menor relevância, que tenham a pena máxima cominada em até 2 (dois) anos de cerceamento de liberdade ou multa.”

Portanto, o Termo Circunstanciado é uma “alternativa formal” ao “auto de prisão em flagrante delito”, útil para que a Polícia Civil ou Federal registre uma infração sem necessidade de abrir inquérito de investigação. 

Então, o TCO que o Caio teve que assinar é uma garantia de que a ele não será imposta prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, conforme descrito no parágrafo único do Artigo 69 da Lei nº 9.099 de 26 de Setembro de 1995

E a situação legal da cannabis no Brasil?

Vamos por partes.

A famosa “Lei das Drogas”, Nº 11.343/2006, trata o uso de cannabis como ilegal e o tipifica como crime. Nestes termos, o uso de cannabis é uma infração punida com advertência, prestação de serviços à comunidade ou medidas educativas, segundo o site Consultor Jurídico.

Mas o site lembra que, segundo o parágrafo único do artigo 2º da mesma lei, é permitida a manipulação e cultivo dessas substâncias para fins medicinais e científicos, desde que mediante licença prévia.

Atualmente, está na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Nº 399, de 2015, que pretende “viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação”. O PL aguarda deliberação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP).

Há também, parado no Senado Federal desde 2020, uma sugestão emitida via portal E-Cidadania, do Projeto de Lei n.º 514 de 2017, que visa permitir “o semeio, cultivo e colheita de cannabis sativa para uso pessoal terapêutico, em quantidade não mais do que suficiente ao tratamento, de acordo com a indispensável prescrição médica” está parado desde 2020.

Mas enquanto estes projetos não avançam, os documentos que garantem a legalidade do uso da cannabis em caráter medicinal são duas principais resoluções da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária):

  • Resolução Nº 327, de 9 de dezembro de 2019, que estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá outras providências;
  • Resolução Nº 660, de 30 de março de 2022, que define os critérios e os procedimentos para a importação de Produto derivado de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde.

Segundo a Resolução Nº 660, a autorização para importação do produto emitida pela Anvisa demanda prescrição emitida por profissional legalmente habilitado (artigo 3º) e é emitida por meio do formulário eletrônico disponível no Portal de Serviços do Governo Federal (artigo 5º). 

Para o cadastramento, também é necessário apresentar a prescrição do produto por profissional legalmente habilitado contendo obrigatoriamente o nome do paciente e do produto, posologia, data, assinatura e número do registro do profissional prescritor em seu conselho de classe (artigo 7º).

O cadastro é válido por dois anos (artigo 8º), e fica vedada a alteração de finalidade desta importação, sendo o uso do produto importado estritamente pessoal e intransferível e proibida a sua entrega a terceiros, doação, venda ou qualquer outra utilização diferente da indicada (artigo 15º).

Advogados especializados consultados pela Cannalize também apontaram o laudo médico detalhando a prescrição e a dosagem apropriada para o diagnóstico do paciente como o documento que garante ao paciente o direito de fazer uso do produto de maneira legalizada e entendem que “apreensão é medida de exceção e tem que ter justo motivo.”

Leia também: Justiça Federal cassa liminar que permitia AbraRio a trabalhar com cannabis

Equívocos

O advogado criminalista André Feiges, membro e fundador da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Rede Reforma), alerta que cabe apreensão do produto e instauração de Termo Circunstanciado de Ocorrência quando há “um descompasso entre o produto que foi prescrito e o produto que acompanha o paciente.”

No entanto, se houver correspondência plena entre o produto que está descrito na autorização da Anvisa e o produto que está sendo portado pelo paciente, o proceder de apreensão deste produto não se justifica e, de acordo com André, “a abordagem neste tipo de situação por parte da polícia seria característica de abuso de poder ou abuso de autoridade”.

No caso da planta in natura, que tem sido receitada por muitos médicos, pode haver alguns impasses, uma vez que é difícil de aferir a “correspondência plena” do produto, já que aparentemente são iguais, mas podem ter uma composição química completamente diferente. Por isso, andar com a embalagem pode ajudar nesses casos.

Outro advogado especializado, Pedro Figueiredo, diz que é comum que aconteçam equívocos por parte dos agentes de segurança que conduzem o indivíduo e apreendem a planta. “Isso ocorre porque há um equívoco na compreensão desses agentes quanto ao enquadramento da conduta nos tipos penais da Lei de Drogas.”

Pedro explica que o intuito que guiou a proposição da Lei de Drogas brasileira é combater o tráfico, mas isso pode ser mal interpretado por alguns agentes policiais. 

“As forças públicas de policiamento não têm formação suficiente – muito decorrente do preconceito que permeia a questão da cannabis por todos esses anos – para compreender e lidar com essa nova realidade que está surgindo, do crescente uso da cannabis para fins medicinais”, argumenta.

Consequências

Para Figueiredo, as normas que diferenciam o uso do tráfico são vagas e impõem uma “situação de aleatoriedade em relação às consequências jurídicas de uma apreensão.”

“Nesses casos, é possível que o agente tenha aberto contra ele [Caio] um procedimento de inquérito policial e até mesmo se veja respondendo a uma ação penal. Mas também é possível, mesmo que numa hipótese mais difícil, que se compreenda desde já que aquela conduta não se enquadra em nenhum tipo penal”, pondera.

Em resposta à Cannalize, o Caio, do Cozinha 420, explicou que os agentes policiais confiscaram as flores de cannabis por constatar que aqueles produtos não eram os especificados pela autorização da Anvisa. Foi por isso que o Termo Circunstanciado de Ocorrência foi aplicado e o paciente autuado por porte de drogas. 

“Meu advogado pretende questionar o mérito disso. Talvez eu responda um processo destes que terminam em cesta básica… mas não sei ainda”, diz Caio.

Mas o advogado André Feiges alerta que, caso o paciente entenda que as autoridades tenham de alguma forma abusado do direito de abordá-lo, como, por exemplo, “ter ofendido, ignorado ou alegado invalidade da documentação ou violado objetivamente a autorização de importação que o paciente detenha” cabe ao paciente, sim, mover uma ação contra o Estado.

“O Estado é responsável e tem o dever de reparar o dano causado ao paciente, não só o dano material, como a perda do produto, ou o tempo que ele fica sem o tratamento, ou os custos que ele vai ter para a aquisição de um novo produto medicinal, mas, sobretudo, o dano de ordem moral, pelo constrangimento público, pela humilhação, pela violência que é ser abordado pela polícia”, explica.

André salienta que mover esta ação não é algo simples, mas existem meios possíveis para conduzir esta situação. “O que o paciente deve fazer é buscar, através de advogados particulares, da Defensoria Pública ou, a depender do caso, até mesmo do Ministério Público, a responsabilização do Estado por estes atos que sejam entendidos como abusivos ou excessivos.”

Consulte um médico 

É importante ressaltar que qualquer produto feito com a cannabis precisa ser prescrito por um médico, que poderá te orientar de forma específica e indicar qual o melhor tratamento para a sua condição.

Caso precise de ajuda, disponibilizamos um atendimento especializado que poderá esclarecer todas as suas dúvidas, além de auxiliar na marcação de uma consulta com um médico prescritor, passando pelo processo de importação do produto até o acompanhamento do tratamento. Clique aqui.

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