Mal demos as boas-vindas ao tão esperado 2021 e logo nos despedimos do Padre Ticão. A dança da vida tem dessas. A passagem de alguém querido sempre gera dor, mas vou me poupar do sofrimento, porque o que este homem fez como ativista canábico pelas pessoas que precisaram é para ser aplaudido e lembrado como muita alegria. É puro legado, é pura manifestação é puro plantio de amor, neste caso, amor em formato de pequenas sementes de maconha.
O padre Ticão fez o que muita gente que se diz cristã é incapaz de fazer. Viu a dor do outro, teve compaixão, encontrou uma alternativa e lutou para que todos tivessem acesso a ela, independente do que a lei do homem diz.
Estive na primeira Missa da Cannabis Medicinal do Brasil promovida por ele no início de dezembro. No púlpito vi este pároco falar sobre a importância da desobediência civil diante de um cenário de ignorância e ilegalidade do que o governo e outras autoridades veem como uma droga, mas ele via como esperança de cura e tratamento a tantos pacientes com doenças e distúrbios diversos.
Mas não era só para a Cannabis que o padre Ticão abria as portas da igreja em que passou grande parte da sua vida, a São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo, na zona leste da capital paulista. Esse homem teve a coragem de permitir a promoção de tratamentos holísticos diversos, como a ayahuasca e tantas outras opções da medicina ainda considerada alternativa. Isso é revolucionário.
Fora o respeito e a união das linhas religiosas e espirituais que ele promovia dentro da paróquia. Hinos do Santo Daime foram entoados na missa da Cannabis medicinal. No seu escritório na paróquia havia a imagem de seus santos, mas também do padrinho Sebastião, figura daimista que trazia a força de Santamaria para os rituais, num processo de consagração da santa erva. Ele gostava de mostrar uma imagem totalmente psicodélica que mostrava um ser metafísico com a cannabis.
Quando o entrevistei no meu programa, o Namastreta, em novembro de 2020, perguntei para ele como os representantes da igreja viam sua atividade. Ele apenas respondeu que nada que era feito naquela igreja era de desconhecimento da instituição católica.
Porém, não foi dentro da conservadora igreja ele encontrou resistência, e sim fora com os fundamentalistas religiosos e perseguidores políticos, que, em nome de seu odioso e manipulador deus, passaram a ameaçá-lo de diversas maneiras por lutar pela legalização e amplo acesso a Cannabis Medicinal.
Tive o prazer de apagar inúmeros comentários em meu canal do YouTube que o chamavam de herege para baixo e desejavam o inferno como destino para sua alma.
Eu poderia escrever muitas palavras para falar sobre a importância desse homem não só no ativismo canábico, mas para a humanidade.
Baita privilégio poder ter dividido o mesmo espaço tempo como um ser humano como ele. Toda a minha admiração a este homem que deixou essa esfera, mas que mostrou que não precisa ser santo para seguir os caminhos de Jesus e botar em prática a força crística, que é a força do amor, da compaixão e do perdão.
Sua divina desobediência salvou vidas, expandiu consciências, acolheu quem estava em total desespero.
Viva o Padre Ticão! Viva a Santamaria.
Assista ao relato da primeira Missa da Cannabis Medicinal
Assista a entrevista com padre Ticão no Namastreta
https://www.youtube.com/watch?v=oNQvx3-0goY
As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.
Carol Apple
Caroline Apple é jornalista especializada na cobertura de Cannabis e editora-chefe da Cannalize. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, Agora SP, R7 e UOL. Foi repórter do Sechat, onde adentrou para o universo da cannabis, atuando posteriormente na comunicação de diversas empresas do ramo. É uma entusiasta da planta e de todo o seu potencial terapêutico, além de acreditar no cânhamo como o futuro da indústria como uma forma de colaborar com a regeneração da Terra.
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