Há 15 anos, Ivone Soares Farias, hoje com 49 anos, luta contra uma doença autoimune rara, chamada Polineuropatia Inflamatória Desmielizante Crônica (PIDC). Ela destrói a cobertura gordurosa dos nervos das pernas e dos braços, causando fraqueza muscular, perda da sensibilidade, formigamento, queimação e espasmos.
Ivone conta que a doença começou a aparecer nas mãos, primeiro na esquerda e depois na direita, atrofiando os dedos até ficaram no formato de garras. A PIDC também atingiu a sua perna direita, o que trouxe limitações.
Foi difícil descobrir o que era, pois a enfermidade não é comum. Ela atinge em média de cinco a sete pessoas a cada 100.000, sendo muito mais comum depois dos 50 anos, mas no caso da Ivone foi precoce.
Foi quando começou a tratar com um neurologista que ela começou a fazer o tratamento direcionado ao PIDC. No entanto, a doença não tem cura, mesmo com o tratamento, Ivone continuava sentido fortes dores, formigamentos, inflamações e espasmos, que não a deixavam dormir direito.
Uma das características da doença rara são os sintomas progressivos, o que causa a necessidade de sempre mudar o tratamento específico para uma melhora. Por isso, Ivone tomava alguns medicamentos com gabapentinóides, muito utilizados para aliviar as dores crônicas.
Um deles era um remédio chamado gabapentina, mas os benefícios eram poucos. A pouco mais de um ano, um estudo realizado na Universidade da Carolina do Sul, mostrou que na maioria dos casos o remédio não funciona muito bem, fora os efeitos colaterais que envolvem tontura e dificuldades para andar.
Por isso, frequentemente ela ia parar no hospital com crises, que só melhoraram quando ela tomava corticoide junto com morfina. “Cada vez era mais complicado, eu fazia fisioterapia, hidroterapia e era sempre assim.” Ressalta.
Quem falou da cannabis foi a sua filha Gabriela, que estuda Biomedicina. Através de pesquisas, em simpósios, estudos clínicos e artigos sobre o tema, ela descobriu o canabidiol (CBD), um composto da cannabis sativa que atualmente muito utilizado para tratar epilepsia refratária comprovado cientificamente. Ele não tem efeitos psicoativos, por isso, não causa a sensação de “brisa”.
O método sugerido pela filha causou estranheza na mãe, mas como Gabriela é do ramo da saúde, ela resolveu confiar.
Coube a filha explicar que o uso é bem diferente do recreativo.
A cannabis é proibida no Brasil e os estudos relativamente novos, por isso, são poucos os médicos que prescrevem cannabis. Foi quando Gabriela teve que se envolver mais uma vez. As duas procuraram uma neurologista, que junto aos conhecimentos que ela havia adquirido, chegaram a uma dosagem mínima. Uma gota de extrato por dia, depois um aumento gradual, até chegar a 10 gotas.
Entre as dores e os formigamentos, o que mais incomodava Ivone eram os espasmos que ela tinha durante a noite. Eram crises tão intensas que a deixavam com dores por todo o corpo no dia seguinte.
Pois foi bem nesses sintomas que o óleo de canabidiol agiu primeiro. Ao começar o tratamento e testar a dosagem, o primeiro sinal de sucesso foi exatamente na redução significativa dos espasmos.
No dia primeiro de Maio deste ano, ela conseguiu o óleo com uma associação chamada Santa Cannabis. Foi lá que ela soube qual era o tipo ideal de extrato para o seu sistema endocanabinóide, onde precisava ter mais tetra-tetraidrocanabinol (THC) do que canabidiol, composto que também está presente na cannabis.
O médico cardiovascular Marcelo Iost Bausells ressalta que a dosagem certa depende da genética, cada ser humano vai se sentir melhor com um tipo de óleo, com mais THC ou com mais CBD.
Encontrar uma dosagem certa para cannabis, principalmente de CBD é um longo processo de tentativas e erros. Primeiro, que é preciso considerar o peso da pessoa, a rota de administração, a potência do produto (a concentração de CBD ou THC), e até o efeito desejado.
No Brasil , o uso do fitofarmacêutico precisa ter receita médica e autorização, e só pode ser usado se todos os tratamentos convencionais não fizerem efeito.
Em 2017, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) havia autorizado a importação do Mevatyl, medicamento à base de THC que pode ser adquirido mediante a um pedido excepcional no órgão, mas que ainda custa mais de dois salários mínimos.
No final do ano passado, a ANVISA liberou a produção do óleo de CBD no Brasil e a venda nas farmácias. Com o plantio proibido, a matéria prima é exportada e terminada por uma empresa brasileira, no entanto, o preço ainda é superior a R$2.000,00 (dois mil reais).
Ivone conta que graças a Associação, ela paga R$350,00 em um frasco, mas precisa de dois ao mês. “Já está sendo difícil, porque fica caro, e pela ANVISA nem pensar. Eu não sou uma pessoa que tem uma renda financeira alta, mas graças a Deus a gente está conseguindo comprar.”
Atualmente, são cerca de 7 mil brasileiros que precisam do óleo, 5 mil deles tratam epilepsia refratária. No entanto, muitos não tem condições de custear o remédio e precisam recorrer a associações e em outros casos até mesmo à justiça. Hoje, 67 pessoas receberam o direito de plantar. O processo é restritivo e burocrático, mas está ficando mais popular.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Fapcom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós graduanda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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