“Tive que queimar todas as minhas plantas”

“Tive que queimar todas as minhas plantas”

Sobre as colunas

As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

O que poderia ser o primeiro habeas corpus do estado do Pará, se transformou em uma negativa um dia após o envio do processo.

O estudante Herbert Maracaípe começou a ter crises de ansiedade logo depois de entrar na faculdade. Mesmo depois de medicações fortes, como risperidona e depakene, ele só obteve melhora significativa através da cannabis.  

 Depois de calcular o valor alto que pagaria no óleo medicinal, ele resolveu fazer em casa. Contudo, com medo de arrumar problemas, entrou com um pedido de habeas corpus, que lhe dá o direito de cultivar sem ser indiciado.  

A decisão negativa saiu um dia depois do juiz receber o caso. “Eu acho que ele nem leu o processo”, acrescentou o estudante.

Foto: Arquivo Pessoal

Tratamentos convencionais

Morador do estado do Pará, ele passou no vestibular em dois cursos, direito e agronomia. Decidiu que não iria escolher entre um dos dois, então resolveu fazer ambas as faculdades ao mesmo tempo. 

Contudo, com a mente sobrecarregada com prazos, estudos e provas, ele começou a ter crises de ansiedade.

O Brasil é o país mais ansioso do mundo. Segundo dados da Organização Mundial das Nações Unidas (OMS), 93% da população manifesta algum tipo de sintoma, onde as mulheres são as mais afetadas. 

Condição que potencializa no ensino superior. De acordo com um estudo realizado pela Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais do Ensino Superior (Andifes) em 2018, 8 em cada 10 alunos relataram sentir ansiedade e desesperança.

 Outra pesquisa realizada na PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), revela ainda que a condição está associada ao ambiente de pressão e instabilidade, especialmente quanto à vida profissional. 

Herbert começou a utilizar remédios pesados, como Risperidona e Depakene para controlar as crises. No entanto, os medicamentos tinham muitos efeitos colaterais.

“No mesmo dia que a médica passou os remédios, eles atacaram a minha gastrite, passei a não se alimentar direito e tinha muita sonolência”, complementa.  

Curso Unifesp

Ele conheceu o tratamento com a cannabis a partir do curso de Cannabis Medicinal oferecido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). 

Antes, o curso era feito na Paróquia São Francisco de Assis, na zona leste de São Paulo. O projeto ajudou muitas famílias de pacientes que descobriram um alívio no óleo feito da planta. Como a história da Andreia Rodrigues, já contamos a história dela aqui

Contudo, devido a pandemia, as aulas precisaram acontecer de forma online, o que aumentou consideravelmente o número de alunos. 

O curso aborda temas como o proibicionismo, os principais tratamentos e como pode ser utilizada. Um dos assuntos ensinados também é o plantio e técnicas de extração. 

Não demorou muito tempo para que ele começasse a sentir os efeitos positivos do tratamento alternativo. E o melhor: sem efeitos colaterais. “Aquilo foi uma chave virada na minha vida”, disse. 

Antes de recorrer ao plantio, ele ainda tentou optar pelo óleo importado. Contudo, ele precisaria de dois frascos do chamado Hempflax, que resultaria em um custo total de 50 mil reais por ano. 

Ainda recorreu o custeio ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas o pedido foi negado porque o produto não está na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename).

Foto: Arquivo Pessoal

Receio

Cerca de 30% a 40% da ansiedade pode ser de origem genética, por isso, o estudante acredita que a sua condição é hereditária, pois a sua mãe também possui sintomas parecidos.

“Contudo ela tem receio de utilizar a cannabis porque o meu pai é usuário de drogas”, diz. 

Apesar de ver os benefícios, a mãe ainda é resistente ao tratamento. Isso porque o seu marido não consegue deixar de usar algumas substâncias químicas, como o crack. O longo histórico do pai de Herbert ainda é um empecilho para a mãe querer entender sobre o assunto.  

“Eu tento conversar com o meu pai sobre o assunto, tentar substituir as substâncias por maconha para a redução de danos”, acrescenta. 

A técnica nada mais é que um conjunto de práticas  e até políticas públicas que ajudam a tratar dependentes que focam na redução de danos, diminuindo os efeitos nocivos de substâncias. 

A cannabis pode ser útil na chamada “terapia de substituição”, trocando uma droga por outra. Segundo pesquisas feitas pelo Centro de Uso de Substâncias em Vancouver, no Canadá, a maconha é capaz de auxiliar na redução do consumo de crack.

Primeiro Habeas Corpus do estado?

Sem condições para importar ou obter pelo SUS, o estudante resolveu que iria plantar para fazer o próprio remédio. No entanto, obter um habeas corpus, que permite plantar sem medo, também seria uma tarefa difícil.

Herbert Maracaípe percebeu que o assunto ainda é bastante novo, principalmente no Pará. Ele tentou encontrar algum advogado que o ajudasse, mas ninguém entendia como o processo funcionava.

Por isso, ele mesmo começou a buscar por conta própria e usou o seu habeas corpus, que utilizou até como tema do seu TCC de Direito. 

Ele começou a pesquisar a fundo para entender como o processo funcionava até conseguir convencer um advogado para assumir o caso. 

Ao que parece, este seria o primeiro habeas corpus do estado do Pará.

Foto: Arquivo Pessoal

Negativa

O estudante conta que enviou o processo no dia 28 de julho, mas a resposta com a negativa chegou já no dia seguinte. “Isso me deixou revoltado, porque eu acho que ele nem leu”, acrescenta. 

“Depois de recusarem, tive que queimar as minhas plantas para não ser indiciado”, complementa. 

Segundo o documento, o motivo dado foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre um determinado caso no final de março deste ano. 

A decisão feita em unanimidade pela 5ª turma negou um HC para uma paciente do Rio Grande do Sul, com a justificativa de que não lhes competia a decisão.

Apesar de ser um entendimento coletivo do STJ, não é vinculante. Isso quer dizer que os demais juízes não precisam tomar a mesma decisão. Contudo o parecer do STJ tem um certo peso, que pode ser usado como justificativa para uma negativa. 

Herbert Maracaípe disse que vai recorrer.

Tags:

Artigos relacionados

Relacionadas