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Ewé Igbó: A ancestralidade da cannabis é a maconha Ewé Igbó: A ancestralidade da cannabis é a maconha

A medicina negra que coexistiu com a medicina científica branca foi perseguida, garantindo um monopólio e condenando o saber milenar sobre plantas medicinais

Ewé Igbó: A ancestralidade da cannabis é a maconha

Ewé Igbó: A ancestralidade da cannabis é a maconha
Foto: Freepik

Uma discussão que está sempre presente nas rodas de amigos, mas acredito que em todo o setor é sobre qual seria o termo correto para podermos nos referenciar a essa plantinha sagrada. 

Lá fora, esse debate é muito quente, inclusive com um livro recentemente publicado, que joga mais gasolina no assunto e traz fortemente o racismo presente na palavra “marijuana”.

Por isso, atuar no setor de cannabis medicinal no Brasil é uma tarefa árdua por dois motivos:

O primeiro é a atualização em tempo real sobre a terapêutica, afinal estamos na vanguarda desse movimento. O segundo é o preconceito dos setores mais conservadores da sociedade. 

Maconha ou cannabis?

Aqui no Brasil não é diferente. Toda vez que a grande mídia vai falar sobre tráfico de drogas, a palavra maconha estampa o noticiário e ecoa da boca dos jornalistas.

Quando falamos dos benefícios medicinais e como ela pode contribuir com a melhora da qualidade de vida da população, parece que o anjo da cannabis toca o coração desses que têm a grande missão de reportar em tempo real os avanços não só da ciência, mas questionar como a sociedade tem evoluído.

Dentro de mim, ecoa apenas uma questão: por que é tão difícil associar que maconha e cannabis são a mesma coisa? Essa não é uma discussão sobre terminologia correta e sim sobre o racismo estrutural tão presente na sociedade brasileira.

Muito antes da dita cannabis

Primeiramente, é preciso relembrar que a primeira descrição nos moldes que hoje a ciência utiliza, foi cunhada em 1753 por Carolus Linnaeus, que trouxe a nomenclatura Cannabis sativa L. Mas a planta já era utilizada há pelo menos, 8000 anos a.C. 

Sua origem remonta ao sul da Ásia, mais especificamente à China e através de mercadores e navegantes se espalhou para a Europa, Oriente Médio e África. Aqui no Brasil, a plantinha chegou através dos escravos traficados pelos europeus. 

Os primeiros registros da cannabis aqui no Brasil são de 1549. Dentro de bonecas amarradas em suas vestes, povos pretos escravizados traziam sementes da planta sagrada muito utilizada não só em rituais religiosos do povo Bantu e Iorubá, mas também como ferramenta terapêutica. Registros remontam mais de 400 “receitas” para cura e magia.

Ao longo de 524 anos de história, Ewè Igbó, maconha ou cânhamo-verdadeiro, esteve presente no dia-a-dia do povo brasileiro. Dentro das rodas de samba, nos clubes diambistas e até mesmo dentro do candomblé é possível encontrar referências a essa erva, normalmente relacionada ao Orixá Esù 

Proibição

Ao mesmo tempo que todas essas manifestações culturais foram perseguidas pela política higienista, a planta também foi perseguida.

Leis como a “Pito de Pango” foram publicadas para evitar uma “contaminação” das camadas mais “abastadas” e brancas da sociedade colonial e imperial. Não faltam relatos históricos sobre a perseguição sofrida pela população negra durante toda a construção do ideal de nação.

Com o fim da escravidão e os avanços europeus no campo da ciência ocidental na segunda metade do século XIX, não houveram muitas mudanças, pois agora a política higienista utilizava do argumento científico para perseguir e invalidar o que veio de África. 

A medicina negra que coexistiu com a medicina científica branca foi perseguida, garantindo um monopólio e condenando o saber milenar sobre plantas medicinais e suas utilizações empregado por mães e pais de santo no processo de cura não só de seus filhos, mas de uma população que foi e ainda é perseguida de maneira velada. 

O que antes era visto como uma cura, foi perseguido e punido sobre a alcunha de feitiçaria, magia negra e macumba.  

A atuação no mercado hoje

A criação de mecanismos seculares por meio do Estado, garantiu que apenas médicos clínicos e sanitaristas regulamentados pelo mesmo pudessem aplicar meios curativos à população, extinguindo o cargo de curandeiro.

O potencial terapêutico da planta sempre foi conhecido, porém o eugenismo presente em nossa sociedade teve um papel fundamental para demonizar tudo o que veio de África, como seus termos, estilo de vida e sua própria existência. 

Ao longo de 136 anos após a libertação dos escravos, ainda enfrentamos diversos desafios como sociedade para o fim do racismo estrutural. A ciência teve um papel fundamental na construção do mesmo e hoje, ela tem o dever de corrigir os erros do passado, afinal um homem que conhece de sua história evita sua própria desgraça.

Nós, como trabalhadores do setor da cannabis, somos ferramentas ativas nessa batalha, não só de descriminalização, mas também de regulamentação, para garantir acesso a todo um povo que foi punido apenas por viverem suas crenças e costumes. 

Apropriar-se do termo maconha é resgatar a ancestralidade de cura envolvida nessa planta milenar que não só esteve presente em toda a história da humanidade mas que também auxilia na resolução de seus problemas.

Referências:

SAAD, Sylvia de Oliveira. Rituais de cura e encantamento: uma visão etnobotânica do Candomblé. In: Estudos Interdisciplinares em Etnobotânica. São Paulo: SciELO – Editora UNESP, 2021. Disponível em: https://books.scielo.org/id/xtmmc/pdf/saad-9786556302973-06.pdf. Acesso em: 16 jun. 2024.

História e ancestralidade: o uso da maconha pelos negros no Brasil. Elástica, 2021. Disponível em: https://elastica.abril.com.br/especiais/maconha-negros-historia-ancestralidade-cannabis. Acesso em: 16 jun. 2024.

Cannabis ou Maconha? Entenda as diferenças. Cannalize, 2021. Disponível em: https://cannalize.com.br/cannabis-ou-maconha-livro/. Acesso em: 16 jun. 2024.

https://cannalize.com.br/ewe-igbo-a-ancestralidade-da-cannabis-e-a-maconha/