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Histórias Reais

“Quando rompemos o silêncio, percebemos que não estamos só” 



22/07/2021



Conheça a história da escritora Maíra Castanheiro, que perdeu o emprego e luta pela guarda da sua filha por falar abertamente sobre maconha e outras drogas.

Diário de uma Mãeconheira. Esse é o nome do segundo livro da escritora baiana, Maíra Castanheiro, de 37 anos. O livro foi publicado no começo desse mês, mas a mãe da pequena Maria Alice já tinha virado destaque há anos.

Atenção que teve um preço.Falar abertamente sobre o tema lhe custou o emprego e a guarda provisória da filha, onde ela luta na justiça até hoje para conseguir o documento definitivo.

Contudo, a mãe assumidamente maconheira acrescenta que não se arrepende de nada, e que cada crítica é uma razão para continuar.

foto: Cristina Souza, @odaracris,

Início de tudo

Tudo começou em 2015, quando a escritora começou um diário em uma de suas redes sociais sobre ser uma mãe que usa substâncias. 

“Sempre quis ser escritora, sempre escrevi muitos diários quando era menina. Em 2015 eu me separei e comecei o Diário de Mãeconheira, mas não tinha nenhuma intenção com isso, tanto que os primeiros textos são bem curtos”, relata.

Além de dar atenção a sua filha, ela também trabalhava em uma escola e fazia mestrado, e o sonho de escrever um livro estava cada vez mais distante. “Eu pensei: como vou exercer a minha escrita se não tenho tempo?”, acrescenta.

A alternativa veio por meio de exercícios, que ela fazia nos seus intervalos,mesmo. Os textos não eram trabalhados e redigidos espontaneamente. Maíra Castanheiro conta que a escrita era um espaço de desabafo, de entender a sua própria história.

“Os comentários (do facebook sobre os seus textos) me traziam reflexão, construção à minha escrita”, acrescenta.

Repercussão

Contudo, a cada novo comentário e compartilhamento, a visibilidade dos seus textos tinha  proporções cada vez maiores.  Começou a aparecer mulheres parecidas com ela e também pessoas que criticavam a sua postura. 

Mas as postagens ficaram sérias quando a repercussão também trouxe algumas consequências para a sua vida. Depois que a escola onde ela lecionava viu os seus textos, ela foi demitida. Em 2019 o seu ex-marido também solicitou a guarda da filha, na época com seis anos.

“Ele (o ex-marido) anexou no processo os prints dos meu textos e esse foi um peso para a decisão do juiz (…) Eu estava sem emprego e sem a minha filha”, complementa.

 Para ser admitida em um novo emprego, Maíra Castanheiro precisou excluir a sua conta do Facebook. Essa foi uma condição imposta pela escola. 

foto: Cristina Souza, @odaracris,

Livro dedicado a filha

A professora publicou um livro dedicado a sua filha de forma independente. “Em Cartas para Maria Alice eu conto para ela a nossa situação. Quem eu sou, qual a realidade em que vivemos e que eu não a abandonei”, relata. 

O livro foi lançado no dia do aniversário de 7 anos da pequena e para a felicidade da mãe, o número de vendas subiu e o estoque esgotou bem rápido.  

Uma mãe pode usar drogas?

O Diário de uma Mãeconheira foi lançado no dia 4 deste mês pela editora canábica Moluscomix, e reúne os seus melhores textos desde 2015 a 2020, quando ainda escrevia no Facebook. 

Maíra Castanheiros conta que a importância do livro é ainda maior que ela.

“Começou com uma brincadeira, mas depois eu comecei a perceber a importância desse debate, pois mães também fumam. Eu tenho várias amigas que não tem problemas em sua vida porque não falam sobre isso. Uma mãe precisa ser santa ao olhar da sociedade”, acrescenta.

No livro ela não fala apenas sobre maconha, mas sobre outras drogas, como cocaína e LSD, pois acredita que é possível ter uma relação saudável com estas substâncias quando se tem consciência do que elas são e até que ponto podem ser utilizadas.

“Temos muitas referências de livros que falam sobre pessoas viciadas e dependência. Por isso, precisamos de livros que desmistificam a droga no lugar de derrota”, comenta.

foto: Cristina Souza, @odaracris,

Romper o silêncio

Segundo a escritora, drogas e maternidade são assuntos que englobam a todos, ninguém fica de fora. O que faz o debate ser importante.

Ela conta que quando excluiu o facebook, pensou em desistir de tudo isso, se realmente valia a pena. Mas foi o desabafo de outras mães parecidas com ela que a motivou a continuar. 

 “Eu já vi muitas coisas, as pessoas questionavam se valia a pena a exposição quando isso implica na profissão, que eu não deveria se expor para ficar com a sua filha. Mas quando rompemos o silêncio, e outras pessoas se identificam, percebemos que não estamos só. Romper o silêncio é um ato político”, enfatiza.

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Tainara Cavalcante

Jornalista pela Facom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós doutoranda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.