Há três meses, Marilene Oliveira ajuda cerca de 58 mães e pacientes a obterem o óleo de cannabis. Ela auxilia tanto na obtenção do óleo, quanto nas orientações sobre dosagens e questões jurídicas para a obtenção do habeas corpus.
Agora, a entidade com sede no Rio de Janeiro está levantando documentos para pedir um salvo-conduto coletivo, que dá o direito de cultivar a planta para extrair o óleo sem medo.
No entanto, a história de Marilene com a cannabis começou bem antes disso.
Para entender um pouco mais, basta voltarmos lá para o ano de 2005, quando o seu filho Lucas, na época com apenas quatro anos, começou a ter convulsões.
A família descobriu que Lucas tinha uma condição rara, chamada Síndrome de Rasmussen. Também chamada de encefalite focal crônica ou encefalite de Rasmussen, ela consiste em uma alteração neurológica que gera ataques epilépticos severos.
A síndrome não tem cura. O que resta são anticonvulsivantes, corticoides e em alguns casos necessitando até de cirurgias. Contudo, são poucos os casos ao redor do mundo, por isso não há um tratamento claro.
Marilene conta que Lucas tinha cerca de 50 crises convulsivas todos os dias. Pesadelo que durou cerca de nove anos.
“Um período cheio de indas e vindas no hospital por causa de infecções, crises ou complicações dos remédios. Até que em 2014, ele entrou em estado de mal convulsivo. Ele perdeu tudo, não podia mais se mexer, andar, falar, só mexia os olhos. Eu nem sabia se meu filho ainda me reconhecia”, disse Marilene.
O estado de mal epiléptico é caracterizado por crises contínuas e com longas durações. A condição pode prejudicar algumas funções do cérebro, como foi o caso de Lucas.
Marilene conta que as convulsões pareceram piorar quando Lucas viu a avó morrendo em seus braços. Foi um momento bastante doloroso da família, onde Marilene perdeu a mãe em um assassinato.
Com o filho no hospital sem poder se mexer, ela resolveu que as coisas não poderiam ficar do mesmo jeito.
“Eu sabia que tinha que fazer algo com aquela situação, precisava dar um sentido a tudo isso”, acrescenta.
A mãe conta que começou a fazer festinhas de aniversário todos os meses para as crianças do hospital. Logo, o movimento foi para as praças e para a praia da cidade, onde Marilene mostrava que crianças com síndromes eram crianças normais.
Segundo ela, as mães geralmente ficam acuadas, com medo de sair com os seus filhos por causa dos olhares ou ficam com medo delas terem alguma convulsão em público.
“A gente colocava plaquinhas nelas com frases como ‘a minha doença não é contagiosa’, ‘preciso de um abraço’”, conta.
Em 2006 o projeto resultou no Lucas Esperança, uma entidade que ajuda famílias até hoje no que elas precisam, seja fraldas, leite, atendimentos, apoio jurídico ou o que for.
Por meio de doações e trabalhos voluntários a entidade atende cerca de 280 famílias que precisam de um apoio maior.
Os medicamentos já não ajudavam mais e o menino, que estava praticamente em estado vegetativo. Depois de esgotados os meios de tratamento, foi o próprio médico que sugeriu a cannabis.
O neurologista Eduardo Faveret foi um dos primeiros a prescrever cannabis no Brasil e defende abertamente o uso do fitofármaco. Ele trabalhou no Instituto do Cérebro do Rio e também foi a pessoa que descobriu a síndrome rara do Lucas.
Marilene conta que estranhou a indicação, mas foi atrás assim mesmo.
“A mãe sempre quer o melhor para o seu filho. Se fosse outra planta eu iria dar do mesmo jeito, se tivesse que ir buscar na boca de fumo eu iria também”, diz.
Ela recorreu ao óleo da associação Abrace Esperança, primeira entidade a conseguir o aval para o cultivo no Brasil.
Localizada na Paraíba, ela atende mais de 19 mil pacientes. Em fevereiro o seu cultivo foi suspenso por não se enquadrar as a uma resolução criada anos depois do surgimento da entidade.
Depois de um acordo, a associação voltou a funcionar, mas precisa se enquadrar às normas estabelecidas pela resolução.
A melhora do Lucas foi rápida. Nos primeiros quinze dias as crises já estavam bem menores que antes. Marilene conta que ela conseguiu tirar os opiáceos e anticonvulsivantes e atualmente o menino só utiliza o óleo extraído da planta.
Aos poucos ele também voltou a recuperar os movimentos e agora, aos vinte anos, ele é independente.
“Hoje o meu filho anda, fala, dança, estuda, namora, anda de bicicleta. Posso sair de casa e deixá-lo sozinho, porque sei que ele vai ficar bem”, diz.
Marilene acrescenta que hoje o seu filho não está curado porque não existe cura, mas agora ele tem qualidade de vida. “ Eu não vi o meu filho crescer porque a maior parte da vida dele, ele tava ou dormindo ou convulsionando” complementa.
A decisão de utilizar o óleo da planta não foi fácil. Em 2014, o uso medicinal não era conhecido pelas pessoas e muito menos reconhecido como terapia.
Na época, a importação, mesmo que medicinal, era proibida e não haviam resoluções para a compra. Por isso, Marilene conta que sofreu preconceitos não só da família, mas da sua médica também.
Tempo depois que Lucas começou a usar o Full-Spectrum com uma dosagem de canabidiol (CBD) e tetraidrocanabinol (THC) em proporções iguais, o neurologista Eduardo Faveret assumiu outro cargo e o Lucas começou a ser tratado por outro profissional.
A médica não aceitava que as melhoras do menino eram em decorrência do extrato derivado da cannabis e também foi contra o desmame.
Mesmo assim, Marilene tirou os medicamentos aos poucos, sem indicação médica. “A doutora desistiu da gente e abandonou o caso”, complementou.
Em casa, os familiares a chamavam de louca e na escola de Lucas, a mãe até foi chamada porque o menino estava cantando uma música com a palavra “maconha”.
“Eu lembro que uma vez eu fui na marcha da maconha com o pessoal da Apepi e aquilo foi uma vitória muito grande, pois meu filho estava andando, ele caminhou lá. Quando estávamos saindo, alguém gritou ‘maconheiro’ no ônibus para o meu filho” disse.
Com a visibilidade da entidade, muitas mães também quiseram o tratamento para os seus filhos com o óleo de cannabis. Ela indicava associações e ajudava como podia e foi aí que veio um estalo: por que não fundar uma associação também?
A AbraRio foi criada no ano passado, mas só começou a funcionar há três meses. Ainda assim, já são 58 associados.
Apesar de possuir o salvo-conduto, que dá o direito de cultivar de forma legal, Marilene tem planos de conseguir um habeas corpus para o plantio coletivo. Caso consigam, todos os associados poderão plantar sem medo.
Até hoje, apenas a associação Cultive possui esse tipo de autorização. Caso consigam, elas serão a segunda das mais de 40 entidades a plantar sem receios.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Facom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós doutoranda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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