Na guerra às drogas, você também é vítima

Na guerra às drogas, você também é vítima

Sobre as colunas

As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

A Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas, em parceria com a Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas, lança a Agenda Emergencial pelo Fim da Guerra às Drogas no Brasil

Não é preciso usar drogas para sentir os impactos do estado de proibição, que atingem não só corpos e territórios marginalizados, mas permeiam várias camadas da sociedade brasileira, como saúde e segurança pública, ciência, justiça e economia.

Dessa forma, é mais que urgente construir uma agenda propositiva para não apenas acabar com a lógica de criminalização e manutenção do empobrecimento das verdadeiras vítimas da guerra às drogas, mas criar uma narrativa de liberdade e autonomia para os indivíduos, com reparação histórica, justiça e controle social, apologia ao cuidado e fomento à pesquisa e ao ensino, a partir de uma perspectiva antiproibicionista.

“Para existir guerra, é preciso existir um inimigo. E nós, pretos e pretas, favelados e periféricos, fomos eleitos os inimigos”, diz Dudu Ribeiro, cofundador da Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas.

“Para existir guerra, precisa existir orçamento, e é por isso que estamos dizendo que mesmo as pessoas que não estão usando ou comercializando drogas também são impactadas pela guerra às drogas, que sequestra o orçamento público e define o investimento nas nossas comunidades a partir dessa lógica”.

Luta por uma nova política de drogas

Por isso, a Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas, em parceria com a Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas, reuniu as principais vozes do debate nacional para uma reflexão sobre as implicações e os danos da atual política para a sociedade.

Durante o 1º Encontro Nacional de “Políticas de Drogas, Democracia e Direitos Humanos”, representantes de dezenas de entidades, incluindo a Smoke Buddies, se debruçaram sobre o tema com o intuito de construir uma agenda propositiva para acabar com a guerra às drogas e reverter as desigualdades produzidas durante décadas de proibicionismo.

Na ocasião, foi lançado o manifesto da Agenda Emergencial pelo Fim da Guerra às Drogas no Brasil, que elenca ações de promoção de direitos para reverter as desigualdades produzidas por décadas de guerra, sob quatro eixos:

cuidado, justiça e segurança, regulação para reparação e participação e controle social.

“Nossa política de drogas deve ser de cuidar, com foco no desenvolvimento humano e não no aprisionamento de sujeitos e destituição de autonomia, com compromisso no cuidado à liberdade, pautado na redução de danos”, afirma a socióloga Nathalia Oliveira, cofundadora da Iniciativa Negra Para Uma Nova Política sobre Drogas.

Dentro dessa perspectiva, a Agenda Emergencial propõe o desenvolvimento de programas de promoção de saúde, prevenção e educação comunitária comprometidos com práticas que diminuam os danos associados ao uso de álcool e outras substâncias.

Também a ampliação de investimentos nos serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde e Sistema Único de Assistência Social nas áreas de acolhimento, cuidado e redução de danos.

Assim como o investimento continuado em formação para trabalhadoras dos serviços de saúde e assistência social e práticas intersetoriais, como soluções em moradia e geração de renda destinadas a pessoas de alto grau de vulnerabilidade associado ao uso de álcool e outras drogas.

JUSTIÇA E SEGURANÇA

“A gente tem visto o superencarceramento da população jovem do nosso país em nome da guerra às drogas, mas a gente não vê o núcleo mais poderoso do narcotráfico sendo desarticulado. A gente vê pessoas vulneráveis, onde os projetos e as políticas de vida não chegaram, mas a política de morte chega. A gente precisa dizer não a esse pacto”, afirma a antropóloga Luana Malheiro, membra fundadora da Rede LatinoAmericana e caribenha de Pessoas que Usam Drogas (LANPUD) e da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (RENFA).

Dessa forma, a Agenda Emergencial pede a anistia para presos provisórios por delitos relacionados a drogas, muitas vezes privados de liberdade em decorrência do porte de uma baixíssima quantidade de substâncias ilícitas.

Além de investimento em programas destinados à integração de pessoas egressas do sistema prisional e o fortalecimento da Defensoria Pública e de comissões externas para a fiscalização das atividades desenvolvidas pelas instituições de Segurança e Justiça, com ampla participação da sociedade civil.

“Não há democracia possível enquanto mantivermos esse sistema penitenciário, essa proibição, e enquanto matar pessoas negras em favelas for algo tolerável. É a lógica policialesca, repressiva, violenta, manicomial, racista que, na verdade, é uma grande hipocrisia, porque a gente sabe que nunca trouxe nenhum resultado positivo”, afirma Luciana Boiteux, advogada, pesquisadora e professora de Direito Penal e Criminologia da UFRJ.

REGULAR PARA REPARAR

“Nós temos que disputar qual legalização queremos”, diz Boiteux. “E não será uma legalização para o mercado, para que as pessoas que hoje são atores do mercado ilícito sejam exploradas por uma outra indústria que surge”.

Nesse sentido, o manifesto pede a regulação em caráter de urgência das substâncias, permitindo a tributação e o monitoramento eficaz da sua produção, do seu comércio e do seu consumo.

A criação de um fundo para a reparação de populações que habitam territórios afetados diretamente pela guerra às drogas; a discussão do modelo de produção de cannabis no Brasil que fortaleça a produção local e a agricultura orgânica familiar.

E, por fim, o fomento de pesquisas em universidades públicas relacionadas à implantação e avaliação dos impactos de nova legislação sobre drogas.

PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL

“O nosso papel enquanto movimento negro dentro do debate pela legalização, de combate à cultura proibicionista, é puxar esse movimento para a periferia, para a comunidade negra”, diz Joel Luiz Costa, advogado, fundador e coordenador do Instituto de Defesa da População Negra, integrante da Coalizão Negra Por Direitos.

“É muito importante pra mim, enquanto homem negro e favelado, criado e forjado pelo movimento social do Rio de Janeiro, em que há um protagonismo da comunidade negra, das mães, ver hoje essa plataforma tão plural”.

Para incluir as pessoas que usam substâncias, trabalhadores de serviços de saúde, assistência social, justiça e organizações da sociedade civil na criação e controle de políticas relacionadas às drogas.

A Agenda Emergencial propõe a reconfiguração do Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas (CONAD), para que seja paritário entre sociedade civil e representações institucionais do Estado.

Além da realização da I Conferência Nacional de Políticas Sobre Drogas, precedida de etapas estaduais e municipais, para que as populações mais afetadas por estas políticas possam tomar o protagonismo.

Também o fortalecimento da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, de forma a garantir a intersetorialidade da formulação, execução e monitoramento desta política.

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