Muito mais do que o filho do Seu Ivo

Muito mais do que o filho do Seu Ivo

Sobre as colunas

As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

Me chamo Filipe Barsan Suzin, sou paciente em tratamento há mais de dez anos para LMC – Leucemia Mieloide Crônica, aliada com o uso da Maconha vaporizada e em óleo.

Também conhecido como filho do Seu Ivo, por causa da página @curandoivo. Meu pai tem Alzheimer, e o tratamos há quase dois anos sem quaisquer medicamentos convencionais, apenas com o óleo da maconha completa com predominância em THC aliado com uma alimentação adequada.

Em 2009, fui diagnosticado com Leucemia. Assim como também iniciei o tratamento com quimioterápico de uso diário e continuo, as reações advindas do medicamento como já eram esperadas começaram a surgir.

Foi então que surgiu um gatilho, pois comecei a utilizar daquele meu uso inicialmente incorreto da Maconha para me auxiliar nas reações, como náuseas, dores, entre outras reações possíveis.

Minha qualidade de vida começou a ser outra. As reações se tornavam muito mais suportáveis assim como levar o próprio tratamento. Porém sempre tendo que fazer isso escondido pela dificuldade que é esse assunto dentro de casa.

Em 2010, já começaram a aparecer os primeiros sintomas ou indícios de que algo estava errado com meu Pai, isso aos 50 anos. E o primeiro foi a perda de memória recente.

A angústia de procurar um diagnóstico se estendeu por longos três anos, até que um médico de Curitiba confirmou a Doença de Alzheimer em 2013.

Mas até chegarmos neste diagnóstico, procuramos vários médicos e a resposta era sempre a mesma: estresse.

Foi uma época torturante para toda nossa família. A busca por respostas é desgastante, quando você vê todos os dias, que seu pai tem algo pior que apenas estresse e os médicos pareciam minimizar.

Iniciamos com tratamentos alopáticos, porém sempre muito inseguros, pela ineficácia visível dos medicamentos e pela pouca esperança que os médicos nos davam.

Trata-se de uma doença neurodegenerativa crônica, sem cura ou tratamento eficaz. Só diziam que teríamos que aceitar o fato que em algum momento meu pai ficaria preso em uma cama.

Não conformado a desistir do meu pai, comecei a fazer muitas pesquisas até encontrar a maconha medicinal.

Me deparei com vários artigos científicos no mundo sobre o Sistema Endocanabinoide, da interação dessa planta com este e todos os outros sistemas do nosso corpo (Efeito Entourage ou Comitiva) e que poderia ser uma alternativa.

Chamei minha mãe para uma longa conversa sobre maconha, sobre o uso social que eu já fazia, do meu uso medicinal e da possiblidade que tínhamos de conversar com os médicos sobre um tratamento natural com maconha.

Porém, nenhum médico quis prescrever, tampouco davam alguma resposta embasada na ciência que justificasse a negativa, mesmo depois de ler os artigos que eu levava.

A falta de conhecimento e preconceito em relação ao poder medicinal de uma planta era muito evidente e revoltante pra quem está vendo seu pai piorar a cada dia sem poder fazer nada.

O desespero e a sensação de injustiça eram tão grandes que não encontrava outra saída que não fosse cultivar maconha em casa, praticar desobediência civil. Já não tínhamos esperança alguma.

Comprei todos os equipamentos de cultivo, iniciei sem apoio médico algum e sem um total apoio da minha mãe, que ainda não estava tão convencida sobre a eficácia do tratamento.

Ela também tinha muito medo que eu pudesse ser preso por causa de uma planta que é cercada de mentiras, racismo e toda forma de preconceito.

Era até compreensível vindo de uma mãe, afinal, eu estava cultivando uma planta que é (injustamente) proibida por lei.

Morávamos em apartamento, eu não tinha experiência alguma com cultivo. Poderíamos ter problemas com vizinhos,por isso, fui obrigado a acabar com o cultivo antes mesmo da primeira colheita, ou seja, minha esperança literalmente tinha acabado.

Sem alternativas e nenhum apoio, de 2013 até 2018 ficamos reféns dos fármacos ineficazes, das doses altíssimas que mantinham meu pai como zumbi e colhendo aos poucos as consequências dos avanços dessa doença.

Em meados de 2018, minha mãe já não aguentava mais a angústia, a dor de ver Seu Ivo, seu marido, seu companheiro, chegando a um estágio cruel da doença, quase que um estado vegetativo, com olhar morto, perdido.

Nessa época, minha mãe conheceu um tratamento alternativo à base de suplementos vitamínicos, dieta cetogênica, aliado com o desmame dos medicamentos alopáticos.

Houve uma melhoria incrível na cognição dele, ou seja, ele realmente estava DOPADO demais como sempre relatamos ao médico. Porém sem qualquer outra alteração nas prescrições, a não ser aumentar mais a dose e continuar deixando meu pai excessivamente dopado.

Esta pequena melhora cognitiva teve um preço alto e veio acompanhada de crises intensas de agressividade.

Neste estágio, já não sabíamos o que era pior, antes ou depois deste tratamento. O outro lado do Seu Ivo foi acessado e começou a ameaçar a nossa segurança, da minha mãe e minha.

O simples ato de dar banho no meu pai já era perigoso e como ele não tinha mais controle sobre o corpo, eram necessários vários por dia.

Era um suplício pra minha mãe e eu, não podíamos deixar facas à vista porque ele poderia se ferir ou ferir alguém e o desespero tomou conta!

Foi quando decidi de última hora, passar o Ano Novo na Chapada dos Veadeiros pra espairecer a mente e tentar descobrir a melhor forma de conversar com minha mãe sobre internar meu pai, porque já não sabíamos mais o que fazer e a agressividade dele só aumentava e ameaçava a nossa segurança e a dele também.

Foi a melhor coisa que poderia ter feito! Um casal de amigos incríveis me recebeu de braços abertos de última hora e lá conheci quem se tornaria um grande amigo, exemplo de ser humano e também nosso médico: Dr. João Carlos Normanha, que “por acaso” era médico canabinoide e na época, Diretor Médico da Associação Ágape. Foi a partir deste contato que nossa vida mudou por completo.

Tivemos acesso ao óleo produzido pela associação, e como minha esperança com essa PLANTA já era antiga, comecei a registrar tudo desde a primeira gota que meu pai tomou.

Minha ideia era fazer um documentário ao final de um ano de tratamento, sem ter certeza alguma de como funcionaria. Queria me apoiar apenas na minha intuição e na esperança que minhas pesquisas e o contato com Dr. Normanha me proporcionaram.

Não tenho nem como definir o sentimento de vermos meu pai, depois de apenas três meses de tratamento com o óleo de maconha.

Ele teve uma melhora inimaginável, até então. Pensei que não poderia deixar de provar para o maior número de pessoas possíveis, o quanto a medicina canabinoide traz qualidade de vida, principalmente pra quem foi desenganado como nós por médicos tradicionais.

Seria muito egoísta não compartilhar nossa realidade e toda informação possível com tantas famílias que sofrem. Para que soubessem que elas também tinham uma alternativa natural.

Por décadas nos privaram de informações sobre todo o potencial medicinal da maconha por puro preconceito e eu precisava compartilhar todos os benefícios reais que tivemos para provar o contrário.

Assisti vídeo por vídeo, selecionei cada cena, montei um roteiro de edição e pedi ajuda pra minha amiga Lais Brito, que editou tudo lindamente e o transformou o vídeo em realidade.

Criei o perfil @curandoivo no Instagram, postei lá e na minha conta pessoal e a partir daí, a história viralizou e muita coisa mudou novamente.

O alcance do vídeo foi gigantesco e totalmente inesperado, comecei a receber mensagens de pessoas de todo o país e até de fora com pedidos de ajuda.

Isso me estimulou a continuar ainda mais no ativismo que iniciei mesmo sem perceber, apenas focado no nosso tratamento e pra quem mais precisasse.

Tentei me dividir ao máximo, entre minha empresa e este ativismo. Tentava responder a quantia enorme de mensagens que recebia no privado de pessoas desesperadas pedindo minha ajuda, pelo simples fato de termos compartilhado nossa história.

A cada nova publicação, era mais uma nova onda de busca por ajuda.

Esta divulgação massiva proporcionou o convite para participar do programa Encontro com Fátima Bernardes, da Rede Globo e aí que a procura por ajuda se intensificou demais.E a demanda por respostas, que eu já não conseguia suprir antes, se tornava cada vez maior.

Todos estes pedidos, sem eu ter como ajudar muito efetivamente, desencadearam um processo ansioso severo em mim.

Foi uma pressão muito grande que tentei administrar, me dividindo entre o tratamento do meu pai, meu tratamento, que ainda me causavam muitos efeitos colaterais e me deixavam de cama com frequência.

Também dividia o tempo com a minha empresa, a aprender a cultivar minha própria medicina e cometendo vários erros, gerando assim mais ansiedade. A superexposição por estar cultivando, correndo riscos das consequências por isso, foi uma época bem conturbada.

Até que chegou o momento de entrar na justiça com pedido de Habeas Corpus Preventivo pra Cultivo. Cheio de incertezas sobre a decisão, que por fim, nos privilegiou com sentença favorável, hoje podemos respirar tranquilos, cultivar nossa medicina sem medo.

E depois de passarmos por tantas dificuldades até chegamos nestes momentos felizes, com adoença do meu pai controlada, com qualidade de vida pra ele, pra mim, pra toda nossa família, nasceu o sonho de poder ajudar de fato muitas famílias com a fundação da Associação Curando Ivo.

Assim, com a ajuda de muitos amigos de valor inestimável, profissionais que se destacam em suas áreas, vamos finalmente poder ajudar aquelas pessoas que ficaram sem resposta, que precisam de acesso à informação e tratamento adequado pra suas patologias.

Baseadas em ciência e comprovação clínica, juntos, mudaremos esta realidade cruel e injusta, aproveitando o alcance do vídeo que mostra a realidade de uma família em prol de inúmeras outras.

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