Mesmo após a legalização, pais não conseguem pagar pelo tratamento com CBD

Mesmo após a legalização, pais não conseguem pagar pelo tratamento com CBD

Sobre as colunas

As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

Famílias de crianças com epilepsia grave do Reino Unido dizem que se sentem impotentes porque não podem pagar pelo tratamento que mantém seus filhos vivos.

Matt e seu filho Charlie/ Reprodução

Texto traduzido do BBCNews

A cannabis medicinal foi legalizada há quatro anos no Reino Unido, mas apenas um pequeno número de prescrições foi emitida.

Matt e Ali Hughes, que moram em Norwich, pagam £ 600 (cerca de R$3.380) por mês pelo óleo de cannabis chamado Celixir20 para seu filho de cinco anos, Charlie.

Charlie tem uma forma rara de epilepsia resistente ao tratamento chamada síndrome de West, que o deixou com atraso no desenvolvimento.

Ele estava tendo até 120 convulsões por dia antes de começar a usar cannabis medicinal em maio de 2019, mas agora está praticamente livre de convulsões.

Futuro incerto

Charlie começou com o Bedrolite, um óleo que custava à família £ 1.000 por mês (mais de R$5 mil), mas mudou para o o produto mais barato, que é importado de Israel.

No entanto, pode não estar disponível a partir do próximo ano.

A Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde (MHRA, sigla em inglês) diz que está trabalhando para resolver o problema de abastecimento, mas Matt ainda está preocupado.

“A vida de Charlie foi transformada com o óleo”, diz seu pai Matt. “Simplesmente não podemos pagar a versão mais cara, então estamos voltando à estaca zero e colocando a vida de Charlie em perigo”, desabafa.

Charlie Hughes / Reprodução

O pai comenta que eles tiveram que mudar de casa por causa das necessidades de mobilidade de Charlie, o que aumentou o valor da hipoteca. E isso sem contar com o valor pago por terapias particulares.

“Charlie está atingindo marcos que pensávamos que nunca seriam possíveis. Ele está quase andando, começou a escola e está feliz, está brilhando. Mas todo esse aprendizado pode acabar porque os ataques apagam sua memória.”

Dificuldade de obter uma prescrição

Os médicos da rede pública se recusaram a prescrever qualquer um dos medicamentos para Charlie, apesar da mudança na lei em 2018 que permitiu a prescrição de cannabis medicinal.

O Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados (NICE, sigla em inglês) produziu orientações na época dizendo que não havia evidências suficientes para recomendar medicamentos à base de cannabis para epilepsia grave.

Depois que Matt e Ali iniciaram uma contestação legal, o NICE esclareceu a orientação para acrescentar que “não havia recomendação contra o uso de produtos médicos à base de cannabis”.

Mas a Associação Britânica de Neurologia Pediátrica (BPNA, sigla em inglês) produziu mais orientações que Matt descreve como “um bloqueio fundamental “.

De acordo com Matt, os médicos estão com muito medo de prescrever. Para ele, o NHS (sistema de saúde público britânico) e o BPNA deveriam considerar uma abordagem de redução de danos para prescrever medicamentos de cannabis não licenciados, em vez de forçar as famílias a não utilizarem o óleo.

“Como pai, me sinto completamente desamparado. Estamos em desespero absoluto. Charlie finalmente está estável, mas sinto que ele estará de volta aos cuidados intensivos a partir do próximo ano. Não há nada que possamos fazer e fico acordado preocupado com isso toda noite.”

Associação canábica

Matt fundou a MedCan Support, uma entidade sem fins lucrativos de interesse comunitário, que apoia mais de 600 famílias de crianças que usam cannabis medicinal.

A MedCan também apoia Steph e Jon Micklesen, de Woodbridge em Suffolk, que gastam £ 1.900 (mais de R$10 mil) por mês em cannabis para seu filho de seis anos, Rocco.

Rocco Micklesen/Reprodução

Rocco tem uma forma rara de epilepsia e estava tendo várias convulsões por dia antes de iniciar o tratamento, que custava £ 800 (cerca de R$4.500)  por mês.

“Meu marido disse que devíamos experimentar, não acreditei e tive que ver com meus próprios olhos”, diz Steph.

Contudo, recentemente eles tiveram que mudar para outro óleo com um custo muito maior.

“Sou assistente social e meu marido é encanador, então estamos realmente lutando e nos perguntando como podemos pagar isso. Meu salário zera todos os meses para pagar o óleo de cannabis medicinal e estamos ficando endividados”, diz Steph.

Eles ainda falaram sobre vender a casa, mas a família não teria para onde ir. Agora eles precisam arrecadar fundos para o próximo ano.

Sem a ajuda do sistema público de saúde

Quando a família recebeu a receita privada pela primeira vez, eles esperavam que o sistema de saúde público do Reino Unido concordasse em prescrevê-la assim que vissem como Rocco estava melhor.

Em vez disso, Steph diz que o sistema público tentou dar alta a Rocco até que a família fez uma reclamação e foi designado um novo especialista.

“Não sei o que mais podemos fazer. Não entendemos por que nosso filho não é importante o suficiente para obter a ajuda médica certa”, diz Steph.

Ajuda mútua

Uma mãe cujo filho conseguiu uma das primeiras prescrições de maconha medicinal pelo sistem público, criou uma organização pedindo aos fabricantes que a fornecessem gratuitamente o óleo por um determinado período para ajudar algumas famílias.

Charlotte Caldwell, do condado de Tyrone, organizou para Marie Siddans, de Dunmow, Essex, obter cannabis medicinal gratuita para seu filho de 15 anos, Harry, e sua filha de 13 anos, Rose, que têm epilepsia.

Harry usa cannabis medicinal há dois anos e meio a um custo de até £ 1.500 (mais de R$8 mil) por mês. Isso permitiu que ele vivesse sem convulsões, andasse e fosse à escola.

“Gastamos mais de £ 30.000 (quase R$170 mil) para manter Harry bem até agora. Nenhum outro tratamento estava funcionando. Ele estava sem vida e me disseram para diminuir minhas expectativas. Mas com a cannabis medicinal, ele simplesmente voltou à vida”, disse Marie

“Quando descobrimos que o receberíamos de graça, parecia que tínhamos ganhado na loteria”,acrescentou.

Qualidade de vida

Hannah Deacon fez a campanha ao lado de Charlotte Caudwell para legalizar a cannabis medicinal para ajudar na epilepsia de seu filho Alfie.

Alfie está livre de convulsões nos últimos anos e sua qualidade de vida melhorou drasticamente, de acordo com Hannah, que fundou a MedCan com Matt.

“Alfie está bem o suficiente para ficar fora do hospital, e isso significa que pude voltar ao trabalho, o que também transformou minha saúde mental”, diz ela.

Hannah, de Kenilworth, Warwickshire, esperava que o caso ajudasse outras crianças a ter acesso ao medicamento que transformou a vida de seu filho. Mas ela se sente “devastada” por isso não ter acontecido.

Mais de 700.000 pessoas assinaram sua petição pedindo um melhor acesso à cannabis medicinal para crianças epilépticas.

Hannah Deacon /Reprodução

“Vimos orientações extremamente restritivas do NICE, que estão deixando os médicos e os fundos com muito medo de emitir uma receita”, diz ela.

“Fomos informados de que eles não podem ser emitidos devido à falta de pesquisa, mas essas crianças não têm tempo para esperar que a pesquisa seja totalmente concluída. Há uma grande quantidade de evidências do mundo real e dados observacionais que o NICE deveria considerar”.

Sem estudos, sem apoio

Um porta-voz do NICE disse que até que haja evidências claras da segurança e eficácia dos medicamentos à base de cannabis, os médicos especialistas precisam considerar as circunstâncias individuais do paciente, condição clínica e necessidade e avaliar, com o paciente ou cuidador, o riscos relativos e benefícios na escolha de tratamentos.

Um porta-voz da BPNA também se manifestou. Ele disse que são extremamente solidários com as famílias que cuidam tão bem de crianças com epilepsias complexas e resistentes a medicamentos.

“Embora o BPNA possa conversar regularmente com organizações governamentais e instituições de caridade registradas, não podemos responder a perguntas sobre nossa posição sobre medicamentos à base de cannabis”.

A diretora de saúde, qualidade e acesso da MHRA, Dra. Laura Squire, disse que reconhecem a importância desses produtos de óleo de cannabis para crianças com formas graves de epilepsia.

“É por isso que permitimos o acesso contínuo do paciente a eles, aceitando pedidos de importação. Nenhum pai deve ter motivos para se preocupar com suprimentos contínuos”.

Ela ainda acrescentou que eles continuam a trabalhar com o importador do Celixir20 para tentar resolver as preocupações sobre a não conformidade com os padrões do Reino Unido.

Embora o acordo atual se estenda até o final deste ano, este cronograma será estendido caso seja necessário no interesse da saúde de cada paciente.

Consulte um médico 

É importante ressaltar que qualquer produto feito com a cannabis precisa ser prescrito por um médico, que poderá te orientar de forma específica e indicar qual o melhor tratamento para a sua condição.

Caso precise de ajuda, disponibilizamos um atendimento especializado que poderá esclarecer todas as suas dúvidas, além de auxiliar na marcação de uma consulta com um médico prescritor, passando pelo processo de importação do produto até o acompanhamento do tratamento. Clique aqui.

Tags:

Artigos relacionados

Relacionadas