Andreia Rodrigues de 43 anos é filha do ex-militar Carlos Marinho, evangélico e conservador. Ambos moram em Mogi das Cruzes, e ela cresceu ouvindo que deveria ficar longe das drogas a todo o custo.
Na adolescência, nunca chegou perto da maconha e nada do tipo, nem sabia o que a palavra “cannabis” significava.
Hoje ela se declara ativista, vai à Marcha da Maconha e indica a cannabis para todo mundo que conhece. Agora, suas duas filhas gêmeas e até o seu pai conservador utiliza a cannabis.
Andreia tem três filhas, duas delas são as gêmeas têm seis anos e são especiais. A Isadora é autista, tem epilepsia refratária e também tem apneia do sono; e a Isabela também sofre com epilepsia, que começou depois de uma paralisia cerebral por erro médico.
A epilepsia refratária ou de difícil controle é como uma epilepsia comum, mas caracterizada pela resistência aos remédios. Ela pode persistir por vários fatores, desde a introdução de medicamentos pesados muito cedo ao diagnóstico tardio.
Desde que as meninas nasceram, ela e o seu marido, Djovaldo Rodrigues, nunca mais conseguiram dormir uma noite inteira. Os dois tinham que revezar para ficar de olho nas meninas, que tinham fortes convulsões, “Eu já presenciei a Isabela tendo 50 crises” relata.
As meninas tomavam oito tipos de anticonvulsivantes, mas as crises persistiam. Os remédios também causavam reações adversas que preocupavam a mãe.
Além das reações, a Isabela tinha crises uma atrás da outra, e a Isadora, tinha convulsões que só paravam no hospital.
Há três anos, a filha mais velha do casal de 18 anos comentou que a maconha poderia ajudar as meninas, no entanto, o preconceito de Andreia falou mais alto.
A mãe gritou e a repreendeu com veemência, e a filha ficou com receio de falar sobre isso novamente.
“Pedi tanto perdão para minha filha, porque ela queria me mostrar os benefícios e eu fui ignorante” lembra Andreia.
Apesar de cada dia mais as propriedades terapêuticas da cannabis serem conhecidas, o preconceito ainda é forte. Pessoas que utilizam o óleo extraído da planta ainda precisam encarar os olhares além de toda a dificuldade de acesso.
No mês passado, foi aprovado um projeto de lei no Rio de Janeiro que havia sido vetado pelo governador Wilson Witzel sobre o plantio de cannabis por associações universidades, em uma votação da Alerj que teve 41 votos a favor e 16 votos contras. O argumento da oposição era o mesmo a analogia ao preconceito da cannabis como droga.
Como por exemplo, a fala do deputado Paulo Teixeira (REP), que votou “não” sustentando o pensamento de que as farmácias de manipulação, segundo ele, têm a probabilidade de virar um “ponto para o tráfico”.
Quem voltou a falar sobre a cannabis para a Andreia foi a vizinha, que também tem um filho especial. Ela disse que em Ermelino Matarazzo, da zona leste de São Paulo, estavam oferecendo um curso sobre cannabis medicinal, e que ela deveria ir.
Foi com muita insistência e sem saber o que a palavra “cannabis” queria dizer, que a mãe das gêmeas foi conhecer o curso. No primeiro dia, Andreia ouviu o depoimento de outras mães, a palavra dos médicos, e a sua ideia sobre a planta começou a mudar.
“Fui na primeira (aula), na segunda e na terceira. A vizinha parou de ir para o curso, mas eu continuei até o fim. Comentei com o meu esposo que também, me deu muita força.” ressalta.
Uma das pessoas do curso doou um frasco de canabidiol (CBD) para Andreia, que resolveu testar nas filhas.
“Eu trouxe o óleo tremendo. Nós (ela e o marido) levantamos o óleo para o céu e oramos”.
Com um conta-gotas, ela deu o óleo nas meninas que dormiram em quinze minutos e, depois disso, ela e Djovaldo começaram a chorar.
Os pais tinham que monitorar as meninas todas as noites, principalmente a Isadora por causa da apneia do sono.
A condição pode trazer engasgos e falta de ar enquanto a pessoa dorme, o que pode ocasionar consequências ainda mais sérias no sistema nervoso.
O canabidiol é uma substância da planta cannabis que não causa reações alucinógenas, ele é muito utilizado em vários países para o tratamento de Parkinson, Alzheimer e principalmente, a Epilepsia Refratária.
A cannabis é conhecida como um dos poucos tratamentos que funcionam para as crises de difícil controle. No Brasil, estima-se que cinco mil pessoas utilizem a cannabis medicinal para o tratamento da doença.
Isso porque a planta funciona no Sistema Nervoso Central (SIC). O CBD tem o poder de controlar as descargas dos neurotransmissores o que pode reduzir a intensidade das crises e também a frequência delas.
Um tempo depois da introdução do óleo de canabidiol, a Isadora e Isabela nunca mais tiveram crises. “Elas não iam para a escola, não tinham uma vida social (…) minha filha chama de olinho da alegria” ressalta Andreia.
A mãe conseguiu retirar todos os remédios que as meninas tomavam. Hoje, é apenas a cannabis e um remédio para a ansiedade da Isadora, que agora, consegue falar frases completas.
As professoras também disseram que as meninas evoluíram bastante na escola, as meninas dormem a noite inteira, deixaram de ir ao hospital com frequência e até o déficit de atenção foi diminuindo.
Atualmente, Isabela, que teve a paralisia cerebral, consegue beber água, já está dando os primeiros passos e também consegue gesticular para se comunicar com alguns sons.
“Cada uma evolui no seu tempo” complementa Andreia.
Em março do ano passado, a Isadora também tinha retirado um tumor debaixo da língua, mas ele voltou. Neste meio tempo, os pais da menina estavam dando o óleo para tratar a epilepsia e notaram que o tumor estava diminuindo. No dia da cirurgia de remoção, ele não estava mais lá.
A família deduziu que foi por conta da cannabis medicinal, pois a médica ficou intrigada quanto ao sumiço da massa e chegou até a perguntar se eles mesmos não tinham arrancado.
A cannabis no tratamento de alguns tipos de tumores não é novidade. Apesar de poucos estudos realizados, foi observado a ação dos chamados canabinóides (substâncias como o canabidiol), na indução da morte celular, pois agem diretamente nas células.
Isso quer dizer que eles podem agir como anti tumorais, inibindo o crescimento celular e na formação de um novo tumor.
No ano passado, (2019), o Instituto Nacional do câncer dos Estados Unidos declarou que a cannabis poderia ser útil para o tratamento do câncer, matando as suas células cancerígenas enquanto protegem as células normais.
Ao contrário do que muitos pensam, a cannabis é autorizada no Brasil para o uso medicinal. No entanto, a recomendação para os profissionais da saúde, é que prescrevam apenas quando for o último recurso.
Outro problema, é que ainda assim, são poucos os médicos que concordam em prescrever. Foi o caso da Andreia. “Começamos a usar ilegalmente, continuei dando óleo para elas e insistindo para conseguir receita” lembra.
O neurologista infantil das meninas é muito conceituado em Mogi das Cruzes, mas proibia terminantemente a adesão da cannabis medicinal.
Com muito custo, ela encontrou outro neuro na cidade, que prescreveu um remédio à base da planta importado, esta era a primeira vez que a médica Fernanda Moura receitou cannabis. Mas ainda assim, era absurdamente caro, era impossível comprar a medicação.
Andreia continuou dando o óleo artesanal. Com os resultados progressivos nas meninas, ela conseguiu que mais dois médicos receitassem, e fez questão de voltar ao primeiro neurologista. “Eu falei que ele poderia ajudar vidas que estão sofrendo, porque a cannabis é a melhor coisa. (…) E ele reconheceu através das minhas filhas”, ressalta.
Hoje o neurologista vai a congressos sobre o tema e também está receitando a cannabis medicinal.
Pela ANVISA, qualquer médico pode prescrever, mas para o Conselho Federal de Medicina (CFM) somente neurologistas, neuropediatras e psiquiatras são recomendados, sujeitos a cassação do CRM.
De acordo com a profissional de saúde Stephanie Lins, o preconceito à cannabis medicinal pelos médicos pode estar relacionada ao fato da cannabis ser pouco discutida na medicina brasileira.
Os médicos começaram a perceber os benefícios da cannabis há poucos anos, mas ainda não há matérias nas grades curriculares das faculdades sobre Sistema Endocanabinóide, por exemplo.
Depois que a mãe conheceu as propriedades da planta, começou a pesquisar e indicar para todo mundo. Descobriu por exemplo, que a cannabis é indicada também para tratar Parkinson e logo insistiu para que o seu pai pudesse usar também.
Carlos Marinho, ex-militar, conservador e evangélico, tinha a mente muito fechada. Andreia demorou bastante para tentar convencê-lo, mesmo vendo o avanço das netas.
Por causa da doença, o aposentado já não andava mais e precisou também usar fralda e sonda para se alimentar.
Embora os estudos da Cannabis para o tratamento de Parkinson ainda sejam limitados, há pesquisas clínicas, inclusive brasileiras, sobre os benefícios da planta tanto para as funções motoras, quanto para os distúrbios psicológicos.
A cannabis age no cérebro auxiliando no funcionamento neuroquímico prejudicado pela doença, além de modular as alterações ocasionadas pela condição.
Depois que o ex-militar finalmente cedeu, ele voltou andar, a se alimentar pela boca e a usar o banheiro. “Por causa da minha filha, ele também chama de olinho da alegria” ressalta Andreia.
A mãe das gêmeas conta que também indicou para a sua colega Cilene, que tinha três tumores na cabeça. Depois de uma cirurgia, a amiga ficou em coma e os médicos disseram que ela havia a possibilidade de ficar em estado vegetativo. “Eu ia lá nas visitas e pingava o óleo escondido” lembra Andreia.
Depois que Cilene voltou, ela ainda resistiu ao usar o óleo de canabidiol, mas também acabou cedendo. Nas agendamento?utm_source=cannalize&utm_medium=textoancora&utm_campaign=agendamento” target=”_blank”>consultas posteriores, os médicos constaram que o tumor menor havia reduzido de tamanho.
A história da Cilene não é única. Em maio, a biomédica Gizele Thame de 61 anos também ganhou as páginas dos jornais quando começou a usar a cannabis para tratar as dores do tumor cerebral. Depois de dois anos, o tumor havia reduzido 5cm.
“Há 10 anos eu perdi a minha mãe de tumor, se por acaso eu conhecesse antes, a história poderia ter sido diferente” completa Andreia.
Além do seu pai, a sua comunidade cristã também não a olhava mais da mesma forma. Ela precisou trocar de igreja por causa do preconceito.
Hoje, ela e o marido lutam para tirar o Habeas Corpus para o plantio doméstico, mas não é uma tarefa fácil. Segundo o advogado que trabalha ajudando famílias a conseguir o salvo-conduto, há uma série de requisitos burocráticos, que incluem inclusive, saber cultivar.
“O meu esposo é moreno e nós já pensamos em plantar ilegalmente, mas se de repente a polícia chegasse e se fosse meu esposo que abrisse a porta ele iria preso. Eu vi no curso o testemunho de pessoas que foram presas” complementa.
O advogado Erik ressalta que mesmo obtendo o habeas corpus, há uma possibilidade de fiscalização do cultivo, para saber se a pessoa está realmente plantando cannabis para fins medicinais.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Fapcom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós graduanda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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