Atualmente a estudante de farmácia, Bruna Fernanda Dias de 37 anos, planta cannabis medicinal para os seus três filhos que tem autismo.
Moradora do Rio de Janeiro, ela conseguiu o habeas corpus sozinha, sem a intermediação de um advogado e em meio a pandemia de COVID-19.
Tudo começou em 2002, quando ela e o marido, que já eram ativistas da maconha, começaram a descobrir outros benefícios medicinais da planta, além da Epilepsia Refratária, como o autismo.
Embora distintas, as duas condições podem estar relacionadas. Estima-se que 30% dos autistas também sofram com epilepsia de difícil controle. Por isso, pesquisas sobre a síndrome e a cannabis também começaram a aparecer.
O Brasil não possui um número exato, nem dados oficiais de crianças e adultos com autismo. Segundo o CDC (Center of Deseases Control and Prevention) uma em cada 110 pessoas é autista no mundo. Com isso, podemos presumir que no Brasil existam cerca de dois milhões.
Não há remédios propriamente para autismo, mas para os problemas causados pela síndrome, como o tratamento da hiperatividade, impulsividade e mudança de humor.
O Mateus, filho mais velho da Bruna, começou a usar o medicamento aos 5 anos, óleo que era plantado e extraído pela mãe, que aprendeu a cultivar. No entanto, o medo e o receio de ser denunciada, a fez recorrer às vias legais da importação.
Tanto para ele como para Isaque e Rebeca, os outros dois filhos mais novos da Bruna que também foram diagnosticados com autismo severo.
“Meus filhos voltaram a ter uma vida normal. O Mateus não falava, hoje ele está em uma escola inclusiva sem a necessidade de alguém para auxiliar e tira notas acima da média.” Ressalta a mãe.
Mas o custo era alto, os gastos só com o mais velho chegavam a 115 mil reais ao ano. Valor que subiu para 200 mil quando a carioca percebeu que os outros dois filhos precisavam da cannabis também.
Os pais recorreram à justiça para custear o tratamento, mas os pagamentos vinham em atraso e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também sempre segurava o medicamento.
O que era uma dor de cabeça para a mãe. “Tratamento à base de cannabis precisa ser contínuo, principalmente para autismo”. Ressalta Bruna.
No dia 18 de outubro do ano passado, a mãe que estava grávida de 8 meses do seu quarto filho, havia feito uma importação bastante cara do produto, mas ficou retida na Anvisa. Isso porque a importação de medicamentos à base da planta não é tão fácil assim.
Primeiro que o envio pelos correios é proibido. Ele só pode ser feito por meio de remessa expressa, Através do Licenciamento de Importação no Sistema de Comércio Exterior (Siscomex) ou simplesmente bagagem acompanhada.
Quando o medicamento chega ao país, ele pode ficar em alguns postos da Anvisa que ficam nos aeroportos brasileiros.
A estudante de farmácia conta que foi até um dos postos e ficou das 14h às 18h30 tentando pegar o remédio. A preocupação no atraso do tratamento dos filhos acabou gerando um estresse, que resultou no nascimento prematuro do seu quarto filho, no dia 28.
O bebê morreu alguns dias depois e o medicamento só chegou em dezembro.
Além do acontecimento, que já tinha sido um divisor de águas na vida da família, a carioca conta que o atraso aconteceu outra vez e ela percebeu que a única forma para garantir o medicamento, seria através do cultivo, mesmo que de forma clandestina.
“Era difícil, pois eu não podia ter balança e nem materiais de laboratório, pois poderia ser considerado tráfico” acrescenta.
Bruna conversou com o advogado próximo da família para fazer o pedido de habeas corpus, para conseguir o salvo- conduto, que dá o aval para o plantio doméstico.
Para conseguir o documento, há uma série de requisitos, mas resumidamente você tem que provar que a cannabis é o melhor tratamento e também que sabe plantar.
O pedido pode ser arriscado, pois entendendo que a pessoa já cultivava de forma ilegal, há a possibilidade de prisão, caso não prove que a planta era para fins medicinais.
Por esse motivo, os pacientes ficam receosos até em pensar no salvo-conduto. Atualmente há pouco mais de 100 habeas corpus concedidos no Brasil para o cultivo de cannabis, apenas.
André Barros, advogado próximo de Bruna, não podia sair, estava isolado por causa da pandemia e não poderia representá-la. “Ele me explicou que eu podia ir sozinha, mas também me falou todos os riscos. Eu calculei e cheguei a conclusão de que era melhor eu ser presa do que correr o risco do meu filho ficar batendo a cabeça e se machucar pela falta do medicamento” ressalta, Bruna.
Bruna foi ao fórum do Rio de Janeiro, tentar o habeas corpus. Seguindo todas as recomendações do advogado, ela levou os laudos médicos, receita, certificado do curso de extração do óleo de cannabis, a situação com a Anvisa e até as notas escolares dos filhos, para mostrar que ela precisava cultivar.
O salvo conduto foi permitido no começo de agosto e em meio a pandemia. “É a história de uma família de muita militância e liberdade” conclui.
Diante das suas dificuldades, ela e o marido perceberam que a situação era ainda pior para quem não tinha condições de plantar.
Apesar de qualquer pessoa ter o direito de pedir o habeas corpus, nem todo mundo consegue cultivar. Isso porque o plantio de cannabis é trabalhoso, demanda um espaço, uma terra especial, sementes caras e que correm o risco de não germinar. Bruna conta que pagava em média R$60,00 por semente.
Se for plantado em lugar fechado, é necessário usar luzes especiais, energia, fertilizantes e fora o processo de extração que também demanda uma série de produtos para conseguir o óleo.
Pensando nisso, a família fundou em 2017 a Associação Humanitária Canábica do Brasil, que auxilia pessoas que não tem condições a ter acesso ao óleo.
Eles auxiliam tanto na ponte entre médicos prescritores, quanto medicamentos, acompanhamentos e até com um incentivo a pesquisas científicas.
“É gratificante ver uma criança que tem uma paralisia cerebral e não se mexia e hoje poder engatinhar e balbuciar” acrescenta.
Atualmente, a entidade busca o cultivo associativo. No dia 02 de junho, o estado do Rio de Janeiro aprovou uma lei que permite o cultivo para centros de pesquisas e associações.
Agora, as entidades podem fazer a solicitação para plantar cannabis para os seus associados.
A estudante de farmácia também tem um canal no youtube que ensina a como fazer o cultivo, quais os cuidados, o que comprar e como manter a planta.
https://www.youtube.com/watch?v=fYctue8XcuI
A estudante de farmácia também comentou sobre o Projeto de Lei 399/2015, que visa tanto o cultivo de cannabis medicinal, assim também como o plantio industrial a nível nacional. A proposta foi entregue em agosto e pode ser votada nos próximos dias.
No entanto, muitas entidades reclamam sobre a falta do cultivo doméstico no texto. A PL só permite associações, centros de pesquisas e empresas cultivarem, mas para muita gente, isso não é o bastante.
“Uma criança especial gera muitos mais custos, ela não tem só a necessidade de medicamentos, mas de várias outras coisas como uma alimentação diferenciada, terapias e muito mais. (…) A nova lei não traz equidade. A equidade só vai vir quando todas as pessoas poderem plantar e a cannabis ser livres. Essa nova lei não deixa a cannabis livre.” Conclui.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Facom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós doutoranda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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