Quando Gilberto Castro de 46 anos descobriu que tinha esclerose múltipla há vinte anos, a sua vida virou do avesso. Principalmente depois que os médicos disseram que o mais provável que na próxima década ele vivesse acamado.
O aposentado, que vivia no Mato Grosso do Sul, desfez o casamento, se desentendeu com a família e se mudou para São Paulo, na tentativa de tratar a doença.
Ele sobreviveu à estimativa de vida útil dos médicos, no entanto, passou 12 anos na busca por um tratamento que fosse eficaz.
A esclerose múltipla é uma doença autoimune, na qual o sistema imunológico do corpo ataca por engano os tecidos no sistema nervoso central, principalmente o cérebro e a medula espinhal.
Ela não tem cura e é progressiva. Causa formigamentos, espasmos, dormência tremores e uma lista de sintomas que podem causar agravamentos, principalmente a medida em que a doença avança.
Existem alguns tratamentos que ajudam a retardar o progresso da doença, mas os medicamentos sempre precisam ser trocados por uma medicação mais forte.
Isso acontece porque o corpo começa a criar uma espécie de defesa contra os remédios, que passa a não gerar mais efeito. Era o que acontecia com Gilberto, que só podia ficar com uma medicação por no máximo, por 4 anos.
No entanto, o seu organismo ainda está aceitando o remédio Natalizumab há oito anos. Além disso, a doença não progrediu mais, graças ao complemento do tratamento alternativo com a cannabis.
Quando Gilberto Castro descobriu a esclerose e se mudou para São Paulo, ele começou a trabalhar como designer, na editora Abril. Nas suas pesquisas sobre a doença, ele soube que a cannabis poderia ser uma aliada, mas as informações não eram tão fáceis como hoje, também não tinha quase nada aqui no Brasil.
“Eu tinha que entrar com um IP americano, para não dar bloqueio.” Gilberto diz que até hoje não entende o porquê as buscas pela palavra “cannabis” não dava para ser feita aqui no Brasil.
O aposentado começou a usar o prensado em 2012, que conseguia por amigos e colegas. Ele usava da forma mais conhecida hoje, o fumo. Gilberto conta que desde que começou a usar a cannabis tudo mudou.
As dores e os sintomas amenizaram e a progressão da doença parou. Isso porque a cannabis age diretamente no Sistema Nervoso Central, auxiliando as funções do organismo a nível celular.
No entanto, a maconha prensada é muito inferior, tanto pelas suas propriedades medicinais, quanto e sem uma regra ou legislação, o consumidor nunca sabe o que realmente está consumindo.
A maconha prensada brasileira pode ser um tanto quanto perigosa. Há relatos da mistura de urina, café, esterco, parte de animais e árvores, o que faz a ilegalidade ser apenas a ponta do iceberg.
Por isso, em 2014 ele resolveu plantar. Mudou de casa para fazer o seu próprio jardim sem enfrentar olhares, conheceu pessoas que também plantavam para fins medicinais e conseguiu as sementes.
Atualmente ele fabrica a própria medicação, que usa de várias formas. De dia, ele utiliza a cannabis em forma de vaporização e também na forma mais convencional de fumo.
Segundo o aposentado, isso ajuda a ter uma ação mais rápida no alívio das dores e também é mais fácil de controlar a dosagem.
Antes de dormir, ele também utiliza o óleo para passar à noite. Gilberto continua fazendo o tratamento convencional no Hospital São Paulo, a cannabis serve como um tratamento alternativo que ajuda nos sintomas e a retardar a progressão da esclerose múltipla.
O aposentado conta que demorou anos para conseguir tirar o Habeas Corpus, que dá o direito de plantio. Ele teve que enfrentar quatro processos para garantir que não seria preso.
Todas as vezes que ele entrava com uma ação, os juízes encerravam alegando que não tinham capacidade técnica para jugar.
Na quarta vez, a juíza levantou a alegação de que ele poderia estar traficando, por isso, enviou a Denar (Delegacia de Proteção ao Narcotráfico) até a sua casa.
No dia, as plantas não estavam lá, pois ele havia levado para outro lugar. Elas tinham pegado pragas, mas ele não negou que fazia o plantio.
“Eu já esperava a polícia na minha casa há muito tempo. Quando eles chegaram, eu até brinquei que eles tinham demorado muito” lembra Gilberto.
O aposentado foi acompanhado até a delegacia, onde assinou alguns papéis e foi liberado. Apesar de ter saído ileso, ele sabia que as coisas poderiam ser muito piores.
“Eu sei que se eu fosse um negro na favela, por exemplo, estaria ferrado” destaca.
Apesar dos brasileiros terem direito ao porte de maconha, de acordo com a lei não há uma quantidade definida para dizer se é ou não tráfico. Por isso, cabe ao juiz interpretar se a pessoa vai ser condenada ou não.
O volume de presos por tráfico é alto. De acordo com dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de dezembro de 2019, mais de 200 mil pessoas estão na cadeia por tráfico. Isso corresponde a quase 21% de todos os crimes, e está à frente de assédio e agressão.
As mulheres são as que mais são presas. De acordo com os dados, 50% das prisões nas penitenciárias femininas são por tráfico.
Gilberto também acrescenta que já viu amigos sendo presos por plantar o seu próprio medicamento.
Apesar de possuir o salvo-conduto (direito de plantar), o aposentado tem que recorrer a associações para conseguir a cannabis extra, pois a doença causa muitas limitações.
“A esclerose causa enfraquecimento, falta de resistência, intolerância ao calor. Por isso, mexer com vaso, planta e terra é complicado pra mim.” Ressalta.
A maioria das pessoas que conseguem o HC por meio da justiça, geralmente têm o apoio da família, que faz todo o trabalho de jardinagem pelo deficiente. Para quem morou por muito tempo sozinho como Gilberto, a situação fica mais difícil.
Com a total falta de apoio do estado, o preconceito, a desinformação e as limitações, a cannabis medicinal é cada vez mais cada vez mais inacessível para quem mais precisa.
“Por isso eu me tornei ativista, eu conto a minha história em todos os lugares que me chamam” acrescenta.
Ele participa de algumas associações como a ACuCa e a Cultive, onde dá aulas de cultivo e dicas para quem está começando a cultivar agora.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Fapcom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós graduanda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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