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Estudo inédito traz 18kg de psilocybe cubensis ao Brasil



24/06/2025


Pesquisadores brasileiros desenvolvem medicamento experimental com cogumelo psicodélico. A proposta busca tratar casos de depressão resistente. 

Psilocybe cubensis, também conhecido como "cogumelo mágico"

Psilocybe cubensis, também conhecido como “cogumelo mágico”

O uso terapêutico de substâncias psicodélicas avança em todo o mundo. Estudos recentes mostram que compostos como a psilocibina, presente em alguns tipos de cogumelos, podem ser eficazes no tratamento de transtornos mentais, especialmente a depressão resistente. 

Embora essa abordagem ainda enfrente desafios regulatórios no Brasil, projetos científicos começam a ganhar força no país. Um deles acaba de dar um passo inédito: 18 kg de Psilocybe cubensis, conhecido como “cogumelo mágico”, chegaram legalmente para produzir o princípio ativo de um medicamento experimental contra a depressão maior. 

Cientista comemora a chegada de 18kg de psilocybe cubensis para estudo inédito

Cientista comemora a chegada de 18kg de psilocybe cubensis para estudo inédito

De projeto com cannabis à aposta nos psicodélicos 

O desenvolvimento do primeiro medicamento psicodélico brasileiro para depressão maior surgiu durante a pandemia. Na época, a Biocase Brasil, empresa referência em pesquisa com cannabis medicinal, planejava criar um medicamento à base de canabinoides. 

Porém, ao conhecer melhor os dados científicos sobre psicodélicos, a equipe decidiu mudar o rumo. “Quando a gente percebeu a quantidade de estudos sobre psicodélicos no Brasil, a gente resolveu parar com o desenvolvimento do medicamento canábico e acabamos elegendo a psilocibina”, explica Sérgio Fadur, diretor executivo da Biocase Group e representante do projeto. 

A partir dessa decisão, o trabalho se concentrou no Instituto Alma Viva, que é o braço de ensino e pesquisa da Biocase Brasil. Hoje, são dois estudos clínicos aprovados pela CONEP/CEP e registrados na Plataforma ReBEC. 

O primeiro estuda o uso do cogumelo picado em pacientes oncológicos com ansiedade existencial, ligada ao medo da morte. O segundo, mais avançado, busca tratar pessoas com depressão maior, especialmente aquelas que não respondem aos tratamentos tradicionais. 

Por que escolher o Psilocybe cubensis? 

A escolha do Psilocybe cubensis tem razões científicas e estratégicas. Sérgio explica que o cogumelo foi escolhido pela robustez dos estudos internacionais. Diversas pesquisas, publicadas em revistas como JAMA, Nature e New England Journal of Medicine, comprovam seu potencial terapêutico. 

Além disso, no Brasil, o Psilocybe cubensis não tem associação direta com rituais religiosos, diferentemente da ayahuasca e do DMT, o que facilita o desenvolvimento regulatório. 

Outro ponto relevante é que trabalhar com o cogumelo inteiro permite um processo mais natural e, em alguns aspectos, mais simples do que sintetizar moléculas como o LSD ou o MDMA. 

No entanto, nem tudo é simples. “Tem um trabalho regulatório grande e desafiador porque a substância que tem no cogumelo é proscrita. Tivemos a ideia de importar justamente por isso, para trazer de um local onde o cultivo é regular”, explica Sérgio. 

Assim chegaram ao Brasil, de forma legal e autorizada, 18 kg de Psilocybe cubensis, que servirão para a produção do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) e para os testes iniciais. 

 Corrida científica para desenvolver um medicamento 

Em entrevista à Cannalize, Sérgio revelou que o objetivo do projeto é claro: transformar a psilocibina em um medicamento registrado na Anvisa, dentro dos padrões farmacêuticos brasileiros. 

Sérgio Fadul, em entrevista à Cannalize

Sérgio Fadul, em entrevista à Cannalize

Atualmente, a equipe inicia os ensaios pré-clínicos, nos quais avaliam toxicidade, estabilidade e definem dosagens seguras. A expectativa é começar a fase 1 dos estudos clínicos, com 18 voluntários saudáveis, já nos próximos meses. 

“A fase 1 deveria ser em janeiro, mas tivemos alguns problemas com a burocracia logística para trazer os cogumelos pro Brasil. Agora já estamos fazendo a estrutura para produzir o IFA, que deverá estar pronta em janeiro próximo”, relata Sérgio. 

Se tudo correr bem, o próximo passo será avançar para os testes de fase 2 e fase 3, que avaliam eficácia e segurança em pacientes. Só então o medicamento poderá ser registrado oficialmente. 

 O que é depressão maior? 

O foco do estudo é a depressão maior, também chamada de depressão resistente. Esse quadro afeta pessoas que não apresentam melhora com os tratamentos convencionais, mesmo após tentativas com diferentes medicamentos e terapias. 

“Quando a pessoa já passou por todos os tratamentos tradicionais aprovados nos sistemas de saúde, ela pode ser considerada dentro do padrão de depressão maior”, explica Sérgio. 

Os números são alarmantes. No Brasil, cerca de 22 milhões de pessoas sofrem de depressão. Apenas 5 a 6 milhões estão em tratamento, e, dentro desse grupo, aproximadamente um terço não responde bem aos medicamentos disponíveis. 

Esses pacientes são o principal público-alvo do estudo com Psilocybe cubensis. 

Afinal, os antidepressivos tradicionais falham? 

Segundo Sérgio, os antidepressivos convencionais têm limitações importantes. “Eles trabalham numa zona cinza, ou cor de rosa, onde a pessoa é medicada e tem uma constância emotiva, sem realmente saber [como está se sentindo]”, explica. 

Esses medicamentos atuam no equilíbrio dos neurotransmissores, mas não necessariamente ajudam o paciente a acessar e entender as causas profundas do sofrimento. 

Por outro lado, os psicodélicos oferecem uma abordagem diferente. Eles promovem estados ampliados de consciência, capazes de facilitar processos de autoanálise, ressignificação de traumas e neuromodulação profunda. 

“Você atua pondo luz nas situações que levaram a pessoa àquele ponto. O psicodélico abre uma porta que estava há tanto tempo fechada que você nem sabia que existia, e vem com uma lanterna pra você ver tudo que está desorganizado”, resume Sérgio. 

 E como funciona o tratamento psicodélico? 

O modelo adotado segue os protocolos de Psicoterapia Assistida por Psicodélicos (PAP). O paciente passa por uma preparação, vive a experiência com a substância em ambiente controlado e, depois, participa de sessões de integração, nas quais processa os conteúdos que surgiram. 

A diferença em relação aos antidepressivos tradicionais é clara. Aqui, não há uso contínuo. “A pessoa faz duas tomadas da substância por ano, uma vez a cada seis meses”, explica Sérgio. 

 O papel da Anvisa e os desafios no Brasil 

O processo regulatório é complexo, mas avança. “Eles exigem, a gente faz. São degraus pequenos e compridos, e pra subir cada degrau é uma bela caminhada”, afirma Sérgio sobre o relacionamento com a Anvisa. 

O projeto tem uma vantagem: como envolve um IFA produzido no Brasil, segue um caminho mais ágil do que pesquisas baseadas em medicamentos importados. Ainda assim, não existe uma previsão definitiva para a liberação do produto no mercado. 

Além da pesquisa científica, o Instituto Alma Viva também investe na formação de profissionais. A instituição oferece a primeira pós-graduação em Psicoterapia Assistida por Psicodélicos aprovada pelo MEC no Brasil, com docentes que atuam internacionalmente nos Estados Unidos e no Canadá. 

Leia também: Instituto lança pós-graduação em psicodélicos

 Uma esperança concreta para a saúde mental 

Se bem-sucedido, o desenvolvimento do medicamento à base de Psilocybe cubensis poderá transformar a história da saúde mental no Brasil. A proposta oferece uma nova esperança para milhões de pessoas que convivem com a depressão e não encontram respostas nos tratamentos tradicionais. 

“A partir do momento que você tem essa lanterna pra olhar o que estava desorganizado, cabe ao psicoterapeuta entender e integrar tudo aquilo que você viu nessa sala. Por isso que a integração é muito importante na experiência”, conclui Sérgio. 

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Lucas Panoni

Jornalista e produtor de conteúdo na Cannalize. Entusiasta da cultura canábica, artes gráficas, política e meio ambiente. Apaixonado por aprender.