“Depois da cannabis ela virou outra criança”

“Depois da cannabis ela virou outra criança”

Sobre as colunas

As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

Conheça a história da Maria Cristina, que nasceu colada a sua irmã Milena e sobreviveu a diversas cirurgias. Hoje, o óleo de canabidiol tem feito a diferença para tratar convulsões

Daisy Viana de Sá tem 28 anos e é formada em administração. Moradora de Ibirité, na região metropolitana de Belo Horizonte, ela largou tudo para se dedicar às duas filhas que nasceram siamesas.

 Maria Cristina e Milena nasceram onfalópagas, ou seja,  grudadas pela barriga. Casos assim são bem raros, a incidência é de 1 para 150 mil nascidos vivos.

Isso ocorre quando há um erro na divisão das células após a concepção de embriões gêmeos do mesmo óvulo e espermatozoide.

A taxa de mortalidade também é alta. Até 70%das crianças morrem durante a gestação ou no parto.

Os que não morrem ao nascer, tem alto risco de morrer durante a cirurgia de separação, principalmente quando ela ocorre nos primeiros dias de vida.

Mas aqui, a história teve outro desfecho. Daisy conta que as gêmeas nasceram prematuras e foram separadas com apenas três dias de vida.

Felizmente as meninas não tiveram um final trágico, mas as complicações vieram. Milena teve uma hemorragia cerebral, onde teve que passar por transfusões, intubações, teve convulsões e passou dois meses no Centro de Terapia Intensiva (CTI).

Hoje com dois anos ela faz fisioterapia, fonoaudiologia e hidroterapia para ajudar no desenvolvimento.

Contudo, o caso da Maria Cristina foi um pouco mais complicado. Assim como a Milena, ela também teve hemorragia cerebral. Mas, além disso, ela também adquiriu hidrocefalia severa e uma série de condições.

No hospital a menina pegou uma série de bactérias hospitalares, como a meningite, que provocou uma paralisia cerebral e, posteriormente, convulsões.

Até hoje, Maria Cristina já passou por 35 cirurgias neurológicas e outras 20 pelo resto do corpo.

A menina também passou por uma série de procedimentos invasivos. “Em todas as vezes os médicos me diziam para me despedir da minha filha, que era provável que ela não sobrevivesse. A Maria é um milagre.” Ressalta a mãe.

Trauma

Daisy conta que houve uma série de erros médicos por negligência no hospital. Por causa disso, ela ficava 24 horas ao lado da filha e não deixava ninguém tocá-la.

Isso acabou ocasionando um trauma, onde ela precisou passar por tratamento psicológico.

Infelizmente este não é um caso isolado. Há até um nome para isso, “estresse do cuidador”.  Especialistas dizem que pessoas assim são mais suscetíveis a transtornos mentais.

 “Todos os dias eu escutei que ela ia morrer, que ela ia vegetar, tudo de ruim eles falavam. Os médicos queriam que desligasse os aparelhos, que ela estava sofrendo, que eu era egoísta.” Complementa a mãe.

Ao todo foi um ano com a menina no hospital.  Quando a mãe voltou, Milena não mais a reconhecia.

Cuidada pela avó, Rosa Maria Viana, de 52 anos, Daisy conta que teve que se aproximar da outra filha para recuperar o tempo perdido. “Ela ainda é muito apegada a minha mãe, eu faço isso aos poucos”.

Introdução da cannabis

Depois de três meses que a Maria Cristina estava em casa, ela começou a convulsionar, devido à paralisia cerebral.

Os médicos introduziram o primeiro anticonvulsivante, mas não adiantou. Diante disso, foram acrescentando o segundo, o terceiro e o quarto, mas as crises continuavam.

 “Ela tinha mais de 60 crises por dia, os exames dela mostraram que ela tinha convulsões até dormindo”, ressalta Daisy.

Foi a neurologista da Maria, que a acompanhou em 33 cirurgias, que sugeriu a introdução do canabidiol (CBD). No Brasil, o tratamento alternativo só pode ser indicado depois que todos os outros tratamentos não funcionam.

A justificativa é que ainda precisam de mais estudos para comprovar as suas propriedades terapêuticas.

A importação de remédios à base de canabidiol, por exemplo, componente da planta que ajuda a tratar epilepsia de difícil controle e outras condições, só foram regularizados em 2015.

Cinco anos depois, quase 15 mil pessoas têm umaautorização excepcional para importar. Mas o remédio não é barato.

Com um preço salgado e o dólar alto, um único frasco pode chegar a um custo de dois salários mínimos.

Depois de uma nova resolução em dezembro de 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) atéchegou a  aprovar a produção de um produto à base de cannabis no Brasil quatro meses depois, mas vetou o cultivo.

 Por conta disso, o único óleo à base da planta nas farmácias custa mais de R$2.000,00.

Resultado

Depois que a Maria Cristina começou a usar a cannabis, não demorou muito para o resultado aparecer. A melhora veio em 15 dias.

“Antes da cannabis ela nem mexia muito, depois que ela começou ela virou outra criança. E a gente tirou todos os outros anticonvulsivantes. Hoje ela chora, segue com o olho, saiu da respiração mecânica, ela saiu do respirador, consegue respirar sozinha.” Complementa.

Com as convulsões, a pequena Maria Cristina tinha perdido muito do que conseguiu aprender.

Isso porque convulsões, principalmente em crianças, causam uma alteração estrutural cerebral que ocasiona más formações vasculares.

Elas se caracterizam também pela deterioração neuropsicológica, com a presença de vários tipos de crises. 

“O cognitivo dela melhorou, a gente conseguiu colocar ela no colo, tem um vídeo dela onde ela conseguiu sentar sozinha.” Complementa a mãe.

Maria Cristina começou a usar um óleo artesanal de uma associação. De 60 convulsões diárias, a menina reduziu para 15 e depois para três por dia.

Porém, infelizmente o óleo não foi eficaz para acabar de vez com as convulsões. “Eu quero zerar as crises” complementa a mãe.

Casos assim são comuns. Cada organismo é único, por isso, a cannabis funciona de maneiras diferentes em cada um.

Apesar dos resultados rápidos, é importante entender que encontrar um óleo e uma concentração certa de cannabis leva tempo e requer paciência.

Atualmente a família adquiriu o óleo de cannabisCharlotte Web Hemp Extract, que precisa ser importado.  

Ele é feito para tratar epilepsia refratária com uma alta concentração de CBD.O nome é homenagem a pequena Charlotte Figi, símbolo da luta pela cannabis medicinal nos Estados Unidos.

Arrecadação de dinheiro

Por causa das experiências ruins no hospital, Daisy conseguiu que Maria fosse para casa, para ser atendida com homecare, pelo seu convênio da Unimed. Ela fazia de tudo para que a menina não precisasse voltar.

No entanto, o mais difícil é fazer com que os profissionais vão até a sua casa ver a menina. Segundo a mãe, a dificuldade de conseguir remédios e exames também era grande.

“Tinha que brigar com o convênio, remédio, médico e tudo. Tudo tenho que procurar um advogado para ela ser atendida, e tenho que fazer campanha e vaquinha, para comprar um remédio.” Ressalta.

Com a mãe deixando de trabalhar para cuidar das filhas, o seu marido, Guilherme de Oliveira Prado, também de 28 anos, trabalha em um supermercado para pagar as contas.

Por isso, eles precisam recorrer a vaquinhas e campanhas pela internet. A dinda das meninas, Sarah Ellen, teve a ideia de fazer um instagram para divulgar a história delas.

Atualmente, o perfil “As gêmeas, Maria Cristina e Milena” tem mais de três mil e quinhentos seguidores.

Elas mostram o dia a dia das meninas e também divulgam campanhas para arrecadação de dinheiro, principalmente para a compra do óleo de cannabis, onde cada frasco custa mais de dois salários mínimos.

Luta judicial

Caso o novo óleo de cannabis dê certo, a mãe já está se preparando para entrar com uma ação para ocusteamento pelo convênio.

Embora os planos médicos argumentam que não são obrigados a cobrir remédios fora da lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ou fora do registro da Anvisa, segundo a advogada Ana Izabel Carvana de Hollanda, ainda sim eles têm que cobrir.

Ana Izabel já participou de várias ações judiciais para o custeamento dos remédios pelos planos de saúde, e saiu vitoriosa em todos.

Ela argumenta que os remédios listados no rol da ANS são básicos, o mínimo que o plano de saúde tem que dar de cobertura para os consumidores e não tem que se limitar a eles.

Também que uma vez que a Anvisa autorizou a importação excepcional de importação, ela é válida para este caso.

No caso da Daisy, ela está recebendo ajuda de um advogado que não quis se identificar abertamente, pois se trata de um trabalho voluntário.

A família tem fé que o óleo Charlotte Web Hemp Extract dê certo, por isso, a mãe já está preparando os documentos para a ação.

Todas as informações para ajudar a família estão no Instagram das meninas.

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