Como me tornei um pesquisador da Cannabis

Como me tornei um pesquisador da Cannabis

Sobre as colunas

As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

Eu sou farmacêutico e mestre em Farmacologia pela UFSC (Florianópolis). Realizei doutorado também pela UFSC com estágio na Dalhousie University, Halifax, Canadá. Depois fiz dois anos de pós-doutorado em Neurofarmacologia na McGill University, em Montréal, também no Canadá.

A Farmacologia é a ciência que estuda os efeitos do fármacos e medicamentos em organismos de humanos, animais e também até fora de organismos em simulações biológicas, que chamamos de estudos farmacológicos in vitro.

Em todo o período de formação em Farmacologia, os meus interesses de pesquisa eram descobrir plantas com efeitos analgésicos. Ou também substâncias que nosso corpo produz que podem ter efeitos analgésico e talvez, utilizadas como medicamentos em um futuro próximo.

Foi em Montréal, quando estava estudando dor em ratos e tentando desvendar como certos tipos de neurônios transmitem a dor, que acompanhei uma inspiradora palestra do prof Mark Ware.

O Professor Mark Ware é médico e pesquisador no Hospital Genéral, de Montréal. Hoje é a maior em referência mundial em estudos clínicos, ou seja, com humanos, que tratam a dor com Cannabis.

Embora eu tivesse alguma leitura e conhecimento sobre o Sistema Endocanabinoide durante meu doutorado, muito em função das pesquisas do grupo prof Reinaldo Takahashi e de meu colega Fabrício Pamplona (UFSC), de fato nunca havia lido muita coisa sobre cannabis e dor.

Estávamos em 2012, eu recém-chegado ao Canadá. Um país que já investigava os efeitos da Cannabis da dor há anos, enquanto que no Brasil, embora sejamos pioneiros nos estudos da planta, em função principalmente das pesquisas do lendário Prof Carlini, ainda tínhamos pouca coisa sobre Cannabis e dor.

Talvez por isso eu não me atentara muito à Cannabis até aquele momento. No entanto, a palestra do prof Ware foi sensacional, demonstrando muitos efeitos e todo o potencial da Cannabis para tratamento de vários tipos de dor.

E aí acendeu uma luz: “pronto, quando eu for um pesquisador independente, como professor universitário, quero estudar os efeitos da Cannabis na dor”. Fiquei com isso na cabeça.

Anos mais tarde, em 2016, assumo a posição de professor de Farmacologia Clínica, no curso de Medicina na UNILA, Foz do Iguaçu. Chego na universidade cheio de ideias de pesquisa e pensando em vários projetos.

No entanto, a Unila não tinha biotério, ou seja, não tinha ratos ou camundongos para serem utilizados em estudos experimentais.

Eu havia passado meus últimos 12 anos estudando farmacologia em animais, me preparando para quando professor, poder coordenar projetos envolvendo farmacologia experimental. Mas quando chego em meu novo emprego, recebo a notícia de que não tínhamos animais para estudos.

Naquele momento me senti como um velho amigo que era garçom e trabalhou a vida inteira como garçom e sempre dizia: “não aprendi a fazer outra coisa na vida, então sigo nessa”.

No meu caso, tinha passado toda minha carreira estudando farmacologia em ratos e quando chego em meu primeiro emprego, com liberdade para propor projetos, não havia ratos, e me senti sem ter o que fazer como pesquisador.

Paralelo a isso, após  poucos meses em Foz do Iguaçu, descobri por amigos que aqui na Tríplice Fronteira (Brasil – Paraguai – Argentina), as pessoas costumam usar Cannabis de forma terapêutica há muito tempo, antes disso tudo ser modinha, digamos assim.

Na verdade, é muito comum aqui deixar a Cannabis ou o “prensado” curtindo alguns dias na cachaça ou álcool e depois aplicar este líquido sobre a pele, em forma de emplastro para tratar dores de origens inflamatórias, como bursite, lesões esportivas, artrite ou outras.

Praticamente todo mundo aqui conhece este tipo de uso por algum amigo ou familiar. Isto me despertou algum interesse em estudos locais sobre Cannabis e dor em humanos.

Logo após isso, no final de 2016, fui a passeio para a Colômbia, e conversando com amigos, lá descobri que também é muito comum este uso na pele (tópico) para vários tipos de dores e inclusive para artrite reumatoide.

E num lindo domingo de manhã, passeando por Bogotá, numa pacata feirinha de rua, encontro várias formas farmacêuticas de Cannabis (solução líquida, pomada, creme).

Comprei algumas e trouxe pro Brasil. Chegando ao Brasil, alguns familiares começaram a pedir uma pomadinha ou um remedinho pra isso ou pra aquilo e fui passando este santo remédio.

Todo mundo foi reportando bons efeitos (talvez exercício ilegal da medicina? brincadeira, fiz isso não). Logo pensei que como eu não possuía animais para pesquisas que eu estava acostumado a fazer, eu poderia começar a tentar realizar pesquisa clínica, com humanos, seria uma possibilidade.

Sendo professor do curso de  Medicina, isso poderia ser uma alternativa para criar uma linha de pesquisa. E logo no início de 2017 abrimos aqui um mestrado em Biociências e então convidei o colega da UNILA, prof Elton Gomes da Silva, neurocirurgião que estava iniciando a prescrever canabinoides para alguns pacientes e o colega Fabrício Pamplona, colega e amigo dos tempos de UFSC e já uma referência no Brasil no estudo do Sistema Endocanabinoide.

Iniciamos então projetos de pesquisa clínica, que avaliamos efeitos da Cannabis em doenças neurológicas. Desde então, estamos expandindo nossos estudos e nosso grupo.

Hoje, nosso laboratório possui 8 mestrandos, uma doutoranda, um pós-doutorando e vários alunos de Medicina e professores que desenvolvem pesquisa clínica com canabinoides.

Ppreencho minha ficha quando chego no hotel como Farmaconhólogo, um neologismo criado por um amigo jornalista.

Aqui, nesta coluna da Cannalize, ao longo dos próximos meses e quiçá anos, pretendo trazer textos e informações sobre os efeitos e potenciais da Cannabis como atual e futuro tratamento para diversas doenças, as vantagens e desvantagens deste medicamento e o potencial desta planta que seguramente é planta mais importante do mundo, que nas últimas décadas tem sido muito abandonada e criminalizada mas que está voltando a ocupar o seu lugar digno na história.

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