Nayara Mazini viu na cannabis a última opção de tratamento para a sua filha, Letícia, de nove anos, que possui uma doença rara. Já Sérgio Biancardi viu a sua avó, que tinha Alzheimer, sair da cama após a introdução da cannabis na sua vida. O farmacêutico Joaquim Almeida sempre acreditou no poder das plantas medicinais e sabia que a cannabis tinha um grande potencial. A psicóloga Berenice Lara, que pesquisa flores há três décadas, também percebeu isso. Amanda Neves é enfermeira e ouviu do médico que o seu sogro não poderia melhorar, o que se provou contrário com a cannabis. O médico Thiago Gomes não precisou presenciar a recuperação de nenhum dos seus parentes e por meio de estudos e evidências científicas para acreditar no potencial da cannabis e prescrever. E o advogado Evaldo Júnior também dedica boa parte da sua vida a pesquisar mais sobre a planta e ajudar outras pessoas.
Apesar de diferentes, todos eles se uniram com um único objetivo: ajudar outras pessoas a terem acesso mais fácil ao tratamento com cannabis. Hoje, a Associação Abracamed (Associação Brasileira de Cannabis Medicinal) possui 92 médicos cadastrados e atende cerca de 1.100 pacientes em Marília, interior de São Paulo.
Tudo começou com Nayara Mazini. A enfermeira tem uma filha com uma síndrome rara que provoca convulsões. A pequena Letícia começou a ter crises com um mês de vida e isso se perpetuou durante muito tempo.
Aos dois anos de idade teve uma descompensação das convulsões sendo difícil de controlar e perdeu a fala. Sem som, não mais se expressava e nem chorava porque também teve o comprometimento da modulação de dor. Foram muitas internações em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) pois além das convulsões tinha complicações imunológicas que levavam à recorrentes internações por pneumonias de repetição.
Aos 4 anos, Letícia teve uma nova descompensação do quadro de convulsões, quando chegou apresentar quase 140 convulsões em 24 horas, tempo em que foi diagnosticada com a Síndrome de Lennox–Gastaut (SLG). Trata-se de uma condição que corresponde de 1% a 4% das epilepsias infantis, que pode trazer consequências graves.
As convulsões são apenas um dos sintomas. A doença também pode causar alterações na personalidade e no comportamento, além do atraso do desenvolvimento psicomotor e cognitivo.
Por isso, ja bem debilitada e ficando acamada, recebeu o prognóstico de viver no máximo por mais cinco anos.
Desesperada, Nayara passou a buscar incessantemente alternativas para de alguma forma mudar a situação. E foi aí que soube sobre a possibilidade do tratamento com a cannabis.
Nayara passou por toda a maratona para conseguir o acesso ao tratamento para a filha, importação, aquisição em farmácia e por fim o cultivo doméstico por habeas corpus que permitiu testar variedades de plantas até chegar a planta mais adequada para a situação de saúde da Lelê.
Não só as crises diminuíram, como houve também outras melhoras, como o reforço da imunidade da criança, por exemplo.
“Ela vivia com a imunidade baixa, ía direto para a UTI, mas depois da cannabis, a Lelê não precisou mais tomar antibióticos ou corticoides. Hoje, qualquer problema viral ou bacteriano é tratável com um simples anti-inflamatório”, conta a mãe de Letícia.
Atualmente, a menina não fala, mas anda, vai à escola e está aprendendo a andar em seu triciclo.
“A autonomia não é só dela, mas minha também. Antes, eu não podia fazer mais nada e hoje trabalho, estudo e me tornei pesquisadora nesta área, fiz meu mestrado e curso o doutorado”, acrescenta.
Já para o médico da associação, Thiago Gomes, a sua maior experiência é ver a transformação de vida dos pacientes que ele atende.
“Nesta semana fui visitar a Nayara e vi a Lelê de bicicleta e fiquei muito feliz. Esse é um caso que fez a diferença na vida da crianças e também de toda uma família”, acrescenta o médico.
A história do presidente da associação, Sérgio Biancardi, foi semelhante. A sua avó também só saiu da cama após o uso da cannabis medicinal.
“As nossas vidas se cruzaram por conta disso, de buscar uma solução”, diz. “Nunca iria imaginar isso a quatro ou cinco anos atrás”.
Hoje ele dedica boa parte da sua vida ajudando outros pacientes através da Abracamed.
O farmacêutico Joaquim Almeida sempre admirou o trabalho do médico Elisaldo Carlini, que também foi seu supervisor de pós-doutorado. O brasileiro foi um dos maiores pesquisadores da cannabis do mundo e o pioneiro em pesquisas sobre o uso da cannabis para o tratamento de epilepsia refratária.
Quando começou a trabalhar na Universidade Federal de São João del Rei, em Minas Gerais, Joaquim resolveu estudar mais sobre a planta. Em 2016, ele chegou a obter uma autorização para cultivar a cannabis por técnicas biotecnológicas, mas estava limitado em suas pesquisas pela falta de material para prosseguir seus estudos.
Foi aí que a história dele se cruzou com a Abracamed.
Durante a pandemia, ele passou a analisar os óleos produzidos pela associação, movimento bastante comum entre as entidades que fabricam o próprio produto derivado da cannabis.
Depois de quase um ano, a Universidade São João Del Rei firmou uma parceria com a instituição para receber o material produzido para ser analisado pelo grupo de pesquisa formado por pesquisadores, alunos de pós graduação e graduação. Entre as propostas, está em avaliação e garantia da qualidade dos produtos da Abracamed.
“Somos anjos de uma asa só. Preciso das outras asas, para juntos podermos voar. Não queremos mais nos separar”, acrescenta Duarte-Almeida.
A história da psicóloga Berenice Lara é bem parecida. Depois de pesquisar flores por mais de 30 anos, a cannabis foi a que mais lhe chamou atenção.
Principalmente por causa das suas propriedades medicinais no tratamento de Alzheimer, doença que a mãe de Lara enfrenta.
“Ela [mãe de Berenice] começou a tomar o óleo e, depois de um mês, já tinha um outro quadro. Até as dores constantes na coluna que se perpetuaram durante a vida inteira sumiram”, diz a psicóloga.
“O que estamos fazendo também é pesquisa, é analisar as variedades da cannabis que são mais apropriadas para determinadas doenças. Nós procuramos combinações, variedades da planta que vão servir mais para uma coisa ou para outra”, complementa Lara.
A diretora executiva geral da Abracamed, Amanda de Souza Neves, também é enfermeira, e juntamente com seu marido possui a autorização para cultivar a medicação para seu sogro, que tem a Doença de Parkinson.
Esta é uma doença neurodegenativa e progressiva, a condição não tem cura, apenas tratamento com medicações que em tese, não melhoram muito os sintomas, mas evitam a progressão da da doença. Os sintomas em geral são tremores, rigidez e dor muscular, lentidão dos movimentos e quando avançada pode afetar a a fala.
“Eu ouvi muitos médicos dizerem que não tinha muito que fazer em relação aos tremores, que as medicações eram apenas para ele não piorar”, lembra. “Mas o meu sogro é lúcido, ele verbaliza, ele percebe como a medicação a base de cannabis age nos tremores, nas dores, no quadro depressivo, na insônia”, afirma a enfermeira.
Por causa disso, ela é adepta das terapias integrativas, que personalizam o cuidado de cada paciente.
“O cuidado é único para cada pessoa, não é só a prescrição, ele precisa entender tudo o que está acontecendo com ele durante o tratamento. ”
Embora a cannabis funcione de formas diferentes para cada pessoa, há algumas substâncias que podem influenciar mais que outras em condições específicas.
O CBD (canabidiol), por exemplo, é mais indicado para crises epilépticas e ansiedades, enquanto o THC (Tetrahidrocanabinol), componente que gera a “alta” da maconha, é mais utilizado para o tratamento de depressão, dores crônicas, Alzheimer e Doença de Parkinson.
O tratamento dos pacientes é uma prioridade, mas um dos objetivos da Abracamed é fazer história e contribuir para a ciência endocanabinoide.
Isso porque as propriedades medicinais da cannabis são relativamente novas. Elas foram descobertas ainda na década de 1970 e precisam de mais estudos. Por outro lado, os pacientes não podem esperar.
“A maneira de conseguir isso [tratamento], é compartilhar a tecnologia em cima das espécies que conseguimos categorizar. Ao longo de décadas, todo esse esforço será importante para construir evidências das propriedades da cannabis”, acrescenta o presidente da associação, Sérgio Biancardi.
O que todos os voluntários da associação perceberam é que as informações sobre a cannabis ainda são pouco difundidas.
Todos sentiram grandes dificuldades em buscar o tratamento, o que foi o denominador comum para se juntarem e ajudarem a mudar essa situação.
Embora a associação só tenha sido formalizada em fevereiro do ano passado, desde 2019 a Abracamed promove eventos na cidade de Marília divulgando informações sobre a cannabis medicinal e como ela pode transformar vidas.
“Já fizemos até audiências públicas na Câmara Municipal de Marília. A nossa missão é o impacto social”, ressalta Nayara Mazini.
De acordo com Sérgio Biancardi, o objetivo é causar um impacto social e sustentável. “No momento da dor, as pessoas se procuram para se ajudarem.”
Berenice ainda acrescenta que a parceria com os centros de pesquisa é essencial para mostrar na prática o que os dados científicos já comprovaram. “Esse tipo de pesquisa é importante, porque, mais tarde, todos se apropriam, tanto pacientes quanto pesquisadores.”
De acordo com o advogado, Evaldo Júnior, a Abracamed foi formada para preencher lacunas.
Apesar do crescimento considerável da cannabis medicinal no Brasil, o tratamento não é acessível para a maior parte da população.
O óleo importado ou o óleo vendido nas farmácias pode chegar a um custo de mais de dois salários mínimos, em algum casos, apesar de outros, o tratamento já estar mais acessível.
Entrar na Justiça para obter o direito de cultivar em casa também não é simples, pois envolve advogados e até o risco de ir para a prisão por causa da desobediência civil.
O plantio orgânico também não é uma tarefa simples, pois envolve entender qual fertilizante comprar, como extrair as substâncias medicinais e até como cuidar das plantas durante todo o ciclo de vida dela.
O pai do advogado Evaldo Júnior foi o primeiro adulto da cidade de Marília a obter o famoso Habeas Corpus, que dá o direito de cultivar em casa sem riscos de prisão.
“Não sou agrônomo, mas sou obrigado a estudar o assunto para ajudar a associação nesta parte. Muitos pacientes nem sabem que os canabinoides são extraídos das flores e não das folhas”, acrescenta. “A luta é tão grande que todos nós tivemos que adotar outras profissões”, diz o advogado.
Nos dias 25 e 26 de novembro, a ABRACAMED realiza um grande evento na Universidade de Marília. O II Seminário sobre Cannabis Medicinal do Centro Oeste Paulista: “Ciência, Políticas Públicas e Direitos Humanos”, é gratuito e reúne vários profissionais engajados no ecossistema, como médicos, advogados e pesquisadores que estarão promovendo palestras, rodas de conversa e dialogando com a população.
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Tainara Cavalcante
Jornalista pela Facom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós doutoranda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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