Cauê Pinheiro, de 25 anos, foi o primeiro paciente a conquistar o habeas corpus, que dá o direito de cultivar cannabis no estado da Paraíba. Três horas depois, foi a vez da Sheilla Geriz, coordenadora da Liga Canábica no estado.
A história dos dois é bem parecida. Ambos precisavam do óleo feito da planta para garantir um melhor tratamento.
Anos depois, a decisão de cultivar a planta veio pelo mesmo motivo: autonomia para fazer o próprio remédio e segurança para não ser preso e perder o tratamento.
Sem contar no valor mais em conta. Ambos também concordam que plantar sai bem mais barato que comprar o óleo importado ou nacional.
A decisão dos dois saiu no mesmo dia no mês de fevereiro de 2021. Hoje, Sheilla tem a oportunidade de plantar cannabis para o tratamento do seu filho Pedro, que tem autismo e epilepsia refratária, que é resistente a remédios.
Contudo, a história de Cauê tomou outro rumo.
Foto: Arquivo Pessoal
Diagnosticado com escoliose lombar aos 15 anos, Cauê Pinheiro foi sentindo as consequências da condição com o tempo.
Além da condição, ele também descobriu uma síndrome da dor glútea profunda. Ele não chegou a ficar debilitado, mas não conseguia ficar em pé ou sentado por muito tempo.
A escoliose é uma doença sem cura. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima-se que cerca de 6 milhões de brasileiros sofrem com a condição.
Ela acontece quando a coluna vertebral curva para um lado, causando dores. Isso pode ocorrer em qualquer região da coluna, mas como no caso de Cauê, é mais comum que se concentre na região da lombar. Junto à síndrome, a situação não era boa.
“Não podia ir a um show, pois não aguentava ficar em pé. Nem ir a um barzinho, pois não aguentava ficar muito tempo sentado. Isso me gerava ansiedade e em muitos momentos, até depressão”, ressalta.
Antes da Cannabis ele até tentou seguir tratamentos tradicionais, mas os efeitos colaterais eram tão incômodos, que ele não conseguiu continuar.
Como a Codeína, por exemplo. Trata-se de um tratamento voltado a dores crônicas e agudas. No corpo, a medicação é transformada em morfina.
O remédio até ajudava no controle das dores, mas Cauê ressalta que os efeitos colaterais eram demais.
“Sentia dor de barriga, cólicas, e fora o potencial de vício bem alto, então foi o que me levou principalmente a procurar a maconha, como uma forma de tratamento mais saudável.”
A codeína vem do ópio, logo a possibilidade de vício é grande. Em países onde a prescrição é mais frequente, como os Estados Unidos e Canadá, o vício matou cerca de 64 mil pessoas só no ano de 2016.
Cauê conheceu Cassiano Gomes, fundador da associação de cannabis Abrace Esperança em 2015. Com a sua experiência de cultivo da planta, ele começou a trabalhar na entidade no ano seguinte.
Porém, mesmo depois de dois anos de trabalho na Abrace e o uso recreativo há um tempo, Cauê nunca tinha imaginado que o óleo poderia ajudá-lo.
Foi conversando com o seu médico, Gustavo Dias, que o uso da planta foi proposto pelo profissional.
Não demorou muito para o óleo fazer efeito. “Com o uso do óleo tenho dores amenizadas o que influencia não só no corpo, mas nos sintomas depressivos e ansiedade que tenho e ficam muito intensificados na crise.” Ressaltou.
Depois da melhora, Cauê optou pela autonomia, para cultivar o próprio remédio. Tanto pela economia financeira, quanto pela terapia do plantio.
Atualmente no Brasil, não há remédios à base de cannabis para a sua condição. Por isso, as alternativas seriam a importação ou o óleo associativo, que em ambos os casos, não é barato.
Foi com o apoio da Rede Reforma e da Liga Canábica que Cauê conseguiu o apoio para conseguir o Habeas Corpus para obter o Salvo- Conduto, que dá o direito de plantar de forma legal.
“Procurei o HC para que pudesse plantar e não ser preso ou ter as plantas apreendidas e o meu tratamento interrompido. (…) Estava desempregado na época e não tinha condições. A liga e a Reforma me ajudaram, fizeram o processo de forma gratuita.” Conta.
Por ser uma planta proibida, cultivar cannabis pode ser um tanto quanto perigoso. Caso a pessoa seja julgada como traficante, pode pegar uma pena de até 15 anos.
Foto: Arquivo Pessoal
O cultivo da planta é proibido, de acordo com a lei 11.343/2006. Contudo, ela também estabelece, no parágrafo único do seu art. 2º, que pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita de vegetais dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, como é o caso da cannabis Sativa, para fins medicinais ou científicos.
O cultivo legal, através do habeas corpus, segue uma série de requisitos. Você praticamente tem que provar que a cannabis foi o único método que realmente ajudou. Assim como justificar os benefícios de fabricar o óleo da cannabis em casa.
Em alguns casos é necessário um curso de cultivo ou até uma declaração que está apto para o manuseio da planta.
Depois de quatro meses que Cauê entrou com o pedido, veio a resposta positiva. Apesar da associação Abrace ser a primeira entidade do Brasil a ter autorização para plantar, ninguém no estado da Paraíba ainda tinha obtido o habeas corpus individual.
“Fiquei feliz em ter conseguido essa conquista e de certa forma aberto o precedente e poder estimular outras pessoas a lutar por esse direito também.” Acrescentou.
Contudo, a alegria de Cauê durou pouco. O seu habeas corpus era liminar, isto é, uma autorização provisória que foi concedida por uma juíza substituta. No entanto, quando a juíza titular voltou, ele negou o pedido definitivo.
Segundo Cauê, o Ministério Público havia dado um parecer favorável em todas as tentativas, mas a juíza negou sem julgar o mérito. Ele e o advogado estão tentando recorrer, mas o pedido já foi negado por três vezes.
“Já negaram três vezes sem nem julgarem o mérito, sendo que a primeira decisão foi favorável. Mas seguimos (tentando)”.
Segundo o advogado do caso, Ítalo Coelho de Alencar, o primeiro pedido não foi reconhecido, e isso resultou em mais uma nova ação. “ Então, a gente entrou com outro habeas corpus na justiça estadual e está em tramitação ainda”, acrescentou.
Parece que ter uma decisão judicial não é sinônimo de garantia. No ano passado, a Associação Associação de Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi), também havia obtido uma liminar para o cultivo associativo.
Contudo, alguns dias depois, a autorização definitiva foi negada. A entidade está recorrendo até hoje.
A Associação Abrace Esperança, também tinha uma decisão favorável para o cultivo desde 2017. Porém, a autorização foi suspensa em março de 2021.
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), paralisou as atividades da entidade, alegando que ela não estava enquadrada na RDC 327.
O pedido de suspensão dos direitos da entidade foi impetrado pela Anvisa no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5).
No entanto, a entidade obteve o direito de cultivo em 2017, dois anos antes da resolução entrar em vigor.
Foram dias bem conturbados até o desembargador federal Cid Marconi do TRF5 deu um prazo de quatro meses para a Abrace se enquadrar às normas.
Segundo o advogado de Cauê, a negativa da juíza foi baseada em um entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em uma ação no final de março de 2021.
A decisão feita em unanimidade pela 5ª turma negou um HC para uma paciente do Rio Grande do Sul, com a justificativa de que não lhes competia a decisão.
Eles ainda disseram para a mulher pedir autorização para a Anvisa. No entanto, a agência de vigilância sanitária também argumenta que não cabe a ela tomar decisões sobre o cultivo.
Apesar de ser um entendimento coletivo do STJ, não é vinculante. Isso quer dizer que os demais juízes não precisam tomar a mesma decisão. Contudo, segundo o advogado Alencar o parecer do STJ tem um peso, que pode ser usado como justificativa para uma negativa.
Neste novo habeas corpus, o advogado de Cauê ainda acrescentou embargos de declaração, onde o Ministério Público teve que se posicionar sobre o seu parecer favorável à Cauê.
A medida é uma espécie de “reforço” ao pedido, que foi para a juíza novamente. Se for negado, eles pretendem recorrer mais uma vez.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Fapcom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós graduanda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
Inscreva-se grátis na nossa Newsletter!
Mãe conta como a cannabis ajudou no autismo ‘foi surpreendente’
‘Uma das melhores experiências que já tive’, diz influencer sobre a cannabis
‘A caixa de remédios continua fechada’, diz paciente com dores crônicas
Empreendedor diz que cannabis ajuda a organizar emoções
Professora relata o uso da cannabis na esclerose ‘me ajuda nas crises’
Advogada supera o câncer com a cannabis ‘Eu me sentia forte’
Copyright 2019/2023 Cannalize – Todos os direitos reservados
Solicitação de remoção de imagem
Termos e Condições de Uso