O impacto de ter uma doença para o resto da vida
O ano é 2013 e lá estava eu, conquistando meu diagnóstico de fibromialgia.
Conquistando porque, para chegar até ele, foram gastos anos, energia, dinheiro, consultas com dezenas de especialistas e incontáveis exames – permeados por medos, dúvidas, angústias, culpa, dor.
Meu nome é Lívia, tenho fibromialgia, 34 anos e estarei com você nesta coluna pelos próximos meses.
Por aqui, vamos falar sobre saúde, dor, cannabis e estilo de vida. Penso ser importante me apresentar para dar um pouco de contexto para as informações e reflexões que vou compartilhar daqui para frente.
Sinto dor desde criança. Ela sempre esteve presente e, até receber meu diagnóstico, eu achava que sentir dor o tempo inteiro era normal.
Estudei e me formei farmacêutica-bioquímica na Universidade de São Paulo, mas apenas trabalhando na indústria tomei conhecimento sobre a fibromialgia.
Na época, acompanhava reações adversas a medicamentos e os relatos de pacientes “fibromiálgicos” sempre ficavam para o fim da fila.
Isso porque tendiam a ser mais longos, com narrações detalhadas do sofrimento envolvido não só em lidar com os efeitos colaterais do tratamento, mas também com todos os sintomas característicos da doença.
Só anos depois compreendi que esses relatos eram, provavelmente, frutos de anos de invisibilidade e solidão.
A fibromialgia, caso você não saiba, é uma síndrome dolorosa crônica com origem no sistema nervoso central, em um processo que torna o organismo mais sensível a estímulos, incluindo a dor. Além dela, existem sintomas como fadiga, distúrbios de sono e vários outros que vêm e vão.
Foi através dos detalhes daquelas narrativas que percebi que sim, o que eu sentia tinha nome e endereço, e era fibromialgia – mas os desafios da jornada até o diagnóstico ficam para outro momento.
Em resumo, eu era “nova demais, sorridente demais e ativa demais” para ter mais uma doença crônica, ainda mais fibromialgia.
Alguns anos antes, tinha recebido o diagnóstico de uma doença autoimune da tireoide, porém muito comum em mulheres e de tratamento bastante simples.
Lembro de ficar impactada com a ideia de precisar “tomar remédio para sempre”, mas logo percebi que aquilo não traria grandes consequências para minha vida.
Um filme passou pela minha cabeça com as inúmeras vezes em que me senti fraca. Em que achei que não era capaz, que era inferior às outras pessoas. Situações em que me senti culpada por não conseguir acompanhar uma festa, uma viagem, um passeio, um trabalho.
Quanto choro, quanta dor, física e emocional, eu teria me poupado se tivesse recebido esse diagnóstico antes?
Descobrir-se crônico leva você, conscientemente ou não, a mergulhar em um universo paralelo que só outros crônicos são capazes de compreender.
As frustrações do dia-a-dia; a descoberta de um novo eu, com novos hábitos, novos ritmos, novas prioridades e novos sonhos; a redefinição de expectativas; as pessoas que se aproximam e as que vão embora.
Ser crônico significa atenção constante, respeito constante, presença constante, cuidado constante.
E cuidado constante significa tratamento contínuo. Com o uso de substâncias ou não, o tratamento nunca termina. Ele se transforma necessariamente em um estilo de vida.
E é aí que a cannabis se encaixa tão bem: uma abordagem completa, que considera o ser humano em sua totalidade e oferece a possibilidade de atuação em múltiplos sintomas ao mesmo tempo.
E o melhor de tudo, com poucos efeitos colaterais.
No próximo artigo, vou falar com mais detalhes sobre o grande potencial terapêutico da cannabis em síndromes crônicas, como a fibromialgia, em especial pelo fato de ainda não existirem opções realmente satisfatórias no controle dos sintomas.
A gente se vê por lá.
As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.
Lívia Teixeira
Farmacêutica-bioquímica formada pela Universidade de São Paulo (USP), PhD e pós-doutoranda pela Faculdade de Medicina da UNESP, paciente de fibromialgia e idealizadora do projeto De Bem Com a Fibro
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