Quando falamos sobre vício em substâncias, a primeira coisa que vem à sua cabeça são as clínicas de reabilitação, certo?
Estas instituições usam a abstinência e o isolamento como método central, combinado a atividades religiosas ou trabalho. Mas isso nem sempre dá certo. Até agora, os estudos sobre a efetividade do tratamento não são suficientes.
Inclusive, segundo uma pesquisa da USP de Ribeirão Preto feita em 2016, a maioria das instituições diminuem as chances de recuperação quando os tiram do convívio social.
Contudo, há outras soluções para combater a dependência de forma mais eficaz, além de garantir a integridade do paciente, como a redução de danos.
Ao contrário do que muitos pensam, a redução de danos não é uma “tendência nova”, mas um conjunto de estratégias para minimizar os efeitos das drogas. Ela pode incluir métodos que podem não estar diretamente ligados às substâncias, mas também ao cenário ao redor do tema.
Ela nasceu a partir do uso problemático de opioides, em que os próprios usuários e profissionais de saúde apresentaram estratégias em que forneciam a substância para que o paciente não ficasse em estágio de abstinência.
Garantida pela Portaria 1.028 desde 2005, ela é bem mais antiga que isso. Aqui no Brasil, por exemplo, ela foi utilizada pela primeira vez em Santos (SP), quando aconteceu o primeiro programa de troca de seringas para usuários injetáveis.
De maneira bem simples, ela se resume em tentar minimizar algum tipo de reflexo negativo que aquela substância vem trazendo.
Batemos um papo com o coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, Renato Filev, que nos ajudou a entender um pouco mais.
Segundo ele, apesar da abstinência também ser um objetivo de parte dos pacientes, ela não é o foco principal na redução de danos. “As pessoas usam drogas por motivos diversos, muitas vezes elas não causam malefícios evidentes”, acrescenta.
“Hoje a gente vê que a política vem se popularizando, mostrando que só há dois cenários, contra ou a favor das drogas. Isso restringe complexidades que fazem parte da vida”, acrescenta.
De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas de 2021, cerca de 275 milhões de pessoas utilizaram algum tipo de substância no planeta no último ano. A maioria delas segue uma vida normal sem muitos problemas.
“As pessoas usam drogas por motivos diversos e muitas vezes não causam um malefício evidente. Contudo, outros fatores podem causar algum prejuízo e a redução de danos pode tratar aqueles que não podem deixar de usar ou não querem deixar de usar”, ressalta Filev.
Segundo ele, a redução de danos é personalizada para cada um. Muitas pessoas não querem deixar de fazer o uso de determinada substância. Então a redução de danos também pode ser usada para reduzir os efeitos negativos e acentuar os pontos positivos.
“Uma das abordagens conhecidas da maconha por exemplo, é proporcionar uma série de efeitos que começam a ser tolerados ao longo do tempo. Mas ao invés de consumir mais, ficar mais, um tempo em abstinência, pode ser o ideal para ter efeitos mais fortes”, exemplifica.
Renato Filev explica que a redução de danos inclui entender a vida do paciente como um todo. Seus hábitos, relacionamentos e experiências darão suporte para poder identificar quais são os danos e como o processo será feito.
Ele enfatiza que a abstinência, por exemplo, precisa ser um ponto de chegada, e não de partida. Aqui, o tratamento é feito a partir de um “escalonamento de conquistas”, para restaurar a autonomia do indivíduo.
“Se a pessoa utiliza a substância até a segunda antes de ir para o trabalho, uma das alternativas é determinar um horário para parar de consumir no domingo”, exemplifica.
Muitas vezes as pessoas são viciadas em mais de um tipo de substância, como cocaína e café. Diminuir ou substituir um hábito secundário também pode ajudar no processo.
O coordenador científico acrescenta que políticas públicas também podem funcionar como redução de danos. O cenário regulado da maconha, por exemplo, poderia garantir um produto menos prejudicial.
Com o controle dos canabinoides, o indivíduo poderá saber exatamente o que está consumindo.
Precauções como não dirigir, não operar máquinas, diminuição do consumo, tipo de ferramentas utilizadas para utilizar a droga e até trocar a forma de administração também são consideradas métodos de redução de danos.
É possível enxergar uma redução de danos indireta através do cigarro. Ele não foi proibido, mas as propagandas que mostram os malefícios e a limitação do fumo apenas para lugares abertos, reduziu quase à metade o número de consumidores.
Segundo o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Dores Crônicas (Vigitel), nos últimos 13 anos, o consumo de tabaco diminuiu 40% e o Brasil se tornou referência para o mundo.
Parte das técnicas usadas na redução de danos é a substituição de substâncias, que pode ser feita com a cannabis.
A maconha, por exemplo, é a droga ilícita mais utilizada no mundo, com mais de 200 milhões de consumidores. Muitas pessoas a utilizam para substituir drogas consideradas mais “pesadas”.
Embora o seu consumo agudo possa resultar em efeitos adversos, por outro lado, a dependência é classificada como leve e moderada, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Mas ao mesmo tempo, ela também pode se tornar um gatilho, tudo vai depender de cada um.
O coordenador científico explica que esta dinâmica é bastante complexa. “Fatores pessoais genéticos e hereditários psicológicos e biológicos e a substância também tem fatores de qualidade, dosagem e vias de administração”, diz.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Fapcom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós graduanda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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